ARTIGOS ORIGINAIS
Cuidado à adolescente em parturição: acesso e acolhimento - estudo descritivo
Thais Jormanna Pereira Silva1, Maria Veraci de Oliveira Queiroz1, Francisco Herculano Campos Neto1, Viviane Peixoto dos Santos Pennafort1
1Universidade Estadual do Ceará
RESUMO
Objetivo: Analisar o acesso e acolhimento da mãe adolescente em fase de parturição na emergência obstétrica.
Método: Estudo descritivo por meio de entrevista e observação com 12 mães adolescentes do Setor de Obstetrícia de um hospital terciário da rede pública de Fortaleza, CE.
Resultados: Obtiveram-se duas categorias: Acesso à unidade hospitalar: caminhos percorridos pelas mães adolescentes e estrutura física e; Acolhimento da mãe adolescente na emergência obstétrica.
Discussão: Evidenciou-se a precariedade da estrutura física dos hospitais secundários, ocasionando a transferência das gestantes para hospitais de maior complexidade, com a consequente peregrinação destas mulheres. As experiências mostram situações vividas que marcaram de forma positiva com atitudes cordiais e afetuosas por parte dos profissionais, entretanto, para outras adolescentes, o distanciamento foi mencionado insinuando a necessidade de compreenderem melhor suas necessidades.
Conclusão: É preciso maior atenção à mãe adolescente, intensificando-se nesta fase de parto, favorecendo a criação de vínculos e corresponsabilidades das gestantes.
Descritores: Enfermagem; Serviços de Saúde da Mulher; Gravidez na Adolescência.
INTRODUÇÃO
A gravidez na adolescência é um significativo problema social e de saúde, pelas implicações físicas, psicológicas, sociais e econômicas. A gestação nesta população é, por vezes, não planejada e algumas vezes não desejada pela gestante, seu companheiro e sua família de origem. No entanto, é um acontecimento que pode ter seus riscos minimizados quando a gestação é acompanhada por uma equipe de saúde responsável pelo atendimento pré-natal(1,2).
A adolescente ao se tornar mãe, interrompe o curso natural de sua idade e começa a deparar com inúmeras responsabilidades, num momento em que está emaranhada em um turbilhão de transformações. Esse contexto favorece significativas mudanças no projeto de vida da adolescente, resultando em sérios problemas que afetam diretamente os estudos, a vida familiar e o desenvolvimento pessoal, social e profissional(3).
Ante o exposto, é relevante considerar o fato de que as complicações biológicas na gravidez podem estar relacionadas à imaturidade do corpo das adolescentes, mas, em muitos eventos, é decorrente de práticas e hábitos inadequados e acompanhamento de pré-natal insatisfatório. O mesmo acontece para os demais riscos, uma vez que podem ser minimizados quando essas jovens conseguem enfrentar e se adaptar positivamente a tal circunstância, recebendo apoio dos familiares e da sociedade(4).
Percebendo-se o complexo momento em que vivem essas adolescentes, torna-se necessária uma atenção especial durante todo o período de gestação e do parto na tentativa de amenizar os agravos que podem acompanhar a gravidez precoce(5).
Essas adolescentes, no entanto, encontram dificuldades no acesso aos serviços de saúde, por questões econômicas, problemas de distância e disponibilidade de vagas. E, ainda, os hospitais têm dificuldade em acolhê-las em razão do fato de a demanda ser maior do que a oferta, ou mesmo pela indisponibilidade de profissionais preparados para cuidar desta clientela. Acrescenta-se a noção de que, apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) preconizar o acesso universal e igualitário, o caminho da gestante adolescente aos serviços de assistência ao parto ainda se encontra muito aquém daquele preconizado, necessitando de muitos ajustes(6).
Desde que sejam garantidos, à gestante, o acesso aos serviços de saúde, acolhimento diferenciado e acompanhamento de uma equipe de saúde responsável desde o pré-natal, é possível tornar esse momento satisfatório, confortável e seguro. Essas adolescentes experimentam maior sensação de insegurança ante o momento obstétrico e o próprio futuro.
Nesta perspectiva, concepções e práticas no cuidado ao adolescente são constituídas com base em necessidades detectadas pelos agentes produtores de saúde. A atenção ao adolescente configura-se como espaço essencial nos âmbitos da assistência e da formação acadêmica, em ambientes de produção de cuidados, que buscam por transformações focalizadas nos aspectos da humanização e da formação do sujeito e de sua cidadania(7).
Para garantir o acesso aos serviços de saúde, implementam-se, paulatinamente, políticas públicas e programas do Governo em suas esferas federal, distrital, estadual e municipal, no intuito de estruturar as redes de apoio de maneira hierarquizada, com níveis crescentes de complexidade dos serviços. Atualmente, há uma rede de atenção primária pouco resolutiva e de um sistema de saúde integrado, os hospitais são pressionados por meio de uma demanda excessiva em relação à sua capacidade de resposta, ensejando filas e mau atendimento(6).
De tal sorte, se procurou elucidar o modo como se configuram o acesso e o acolhimento às mães adolescentes admitidas à emergência obstétrica de um hospital terciário. Percebe-se na literatura(5,6) a dificuldade de vislumbrar a concretização destes elementos estruturantes da atenção integral. Assim, este ensaio discute esta temática e sua interface na saúde da mulher adolescente inscrita na agenda de prioridades de pesquisa do Ministério da Saúde.
Considera-se relevante essa discussão, na medida em que foram possibilitadas reflexões entre usuárias e membros da equipe de saúde, bem como possíveis mudanças no cuidado à mãe adolescente na fase de parturição. Este artigo é recorte de uma pesquisa sobre maternidade na adolescência, coordenada por uma das autoras, na qual é investigado o cuidado à mãe adolescente durante toda a sua trajetória de parturição em um hospital terciário. Para este recorte, formulou-se o seguinte objetivo: analisar o acesso e o acolhimento da mãe adolescente em fase de parturição na emergência obstétrica.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa, que buscou apreender o universo de significados e sua relação com o contexto social, permitindo às mães adolescentes expressarem suas vivências. Tal estudo foi desenvolvido no Setor de Obstetrícia de um hospital terciário da rede pública na cidade de Fortaleza, CE. O hospital mencionado caracteriza-se como uma unidade hospitalar do SUS, referência em diversas especialidades, incluindo a gravidez e a maternidade de riscos, por ser ambiente hospitalar de alta complexidade. O setor é constituído de unidades diversas, que vão desde a emergência obstétrica, ambulatórios, centro obstétrico/sala de parto, unidade de internação (alojamento conjunto), dentre outros serviços de apoio diagnóstico e terapêutico. Neste artigo, foram elucidados os aspectos relativos à produção do cuidado na emergência obstétrica.
Participaram da pesquisa as mães adolescentes, parturientes, atendidas na emergência obstétrica e internadas na fase de parto/parturição. A escolha dos sujeitos ocorreu de forma intencional, tendo início no contato na unidade de internação, incluindo-se as mães com idade entre dez e 19 anos. Foram excluídas aquelas que não tinham condições físicas e/ou mentais perceptíveis para responder aos questionamentos; as que tiveram aborto ou natimorto da gestação presente e as adolescentes que se internaram por outros motivos que não a parturição. O número de sujeitos foi determinado pelo critério de saturação teórica, uma ferramenta usada para estabelecer o tamanho final da amostra. Isto é, quando se percebeu que as informações fornecidas pelos novos participantes da pesquisa pouco acrescentavam ao material já obtido, não mais contribuindo significativamente para o aperfeiçoamento da reflexão teórica fundamentada nos dados que estavam sendo coletados(8). Ao final, foram entrevistadas dez gestantes, no período de abril a junho de 2012.
Na coleta de dados foram empregadas a observação sistemática e as entrevistas, com as seguintes questões norteadoras: Como se deu o acesso ao hospital? Quem foram os profissionais que cuidaram de você? Descreva como foi esse momento, falando sobre sua acolhida nesse setor. Fale das situações que mais agradaram a você na emergência obstétrica.
O procedimento de análise de dados se desdobrou em três etapas: pré-análise; exploração do material e tratamento dos resultados; e interpretação(9). Para tanto, algumas ações deveriam ser executadas, como a leitura flutuante do material, e a constituição do corpus, observando-se os objetivos do estudo. A etapa de exploração do material consistiu em operação classificatória, visando alcançar os núcleos de sentidos.
Com estes procedimentos a envolver análise e interpretação, foi possível descrever a realidade, partindo-se dos pontos de vista dos sujeitos, estabelecendo uma articulação com o referencial teórico. Assim, foram estabelecidas as categorias, representando o conteúdo das falas dos sujeitos: Acesso à unidade hospitalar: caminhos percorridos pelas mães adolescentes e estrutura física; e Acolhimento da mãe adolescente na emergência obstétrica. Os relatos das mães adolescentes foram identificados pelas letras “MA”, seguidas da numeração.
O projeto de pesquisa foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição pesquisada, havendo recebido parecer favorável em processo sob o nº 190505/10.
Foram cumpridos os preceitos éticos e legais da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pela participante ou pelo responsável quando a adolescente possuísse idade inferior a 18 anos.
RESULTADOS
Na caracterização das mães adolescentes verificou-se que, das 12 parturientes, nove estavam na adolescência maior (15 a 19 anos); a maior parte vive com o pai da criança, não trabalha, sendo procedente da capital do estado, Fortaleza. E somente uma delas estava estudando. Oito adolescentes eram primigestas, enquanto as demais experienciaram a gestação por duas vezes ou mais. Todas realizaram, no mínimo, as seis consultas preconizadas pelo Ministério da Saúde, sendo que cinco delas efetuaram os atendimentos na rede hospitalar.
A configuração do cuidado clínico pela equipe de saúde que compõe o serviço da emergência obstétrica está retratada nas duas categorias descritas, e desvela parte da realidade vivenciada pelas mães adolescentes na fase de parturição e as relações com os profissionais de saúde.
Acesso à unidade hospitalar: caminhos percorridos pelas mães adolescentes e estrutura física
Duas mães adolescentes relataram que, inicialmente, procuraram o serviço de saúde em suas localidades para realizarem o seu parto. O hospital, no entanto, não dispunha de estrutura adequada para garantir um parto com segurança, pois era previsto que o recém-nascido necessitaria de incubadora; por esse motivo, foram encaminhadas.
Eu fui transferida para cá. Vim do hospital da minha localidade porque lá não tinha incubadora. (MA7 e MA11)
Em outro discurso, a parturiente mostra que foi transferida para o hospital em estudo, em consequência do risco de eclâmpsia, uma das principais causas atuais de mortalidade materna no Ceará(10).
Observa-se em outro discurso a demonstração desta realidade, embora outras tenham tido alguma ocorrência ou riscos na fase final da gravidez.
Fui transferida pra cá porque minha pressão tava muito alta, aí eu não melhorei, minha pressão aumentou e me encaminharam pra cá. (MA2)
As falas das mães revelaram a ausência de estrutura física dos hospitais secundários, sejam da capital ou de qualquer parte do Ceará, e a necessidade de transferências ao hospital de maior complexidade.
O internamento dessas pacientes pode acontecer como suporte na demanda espontânea, via emergência obstétrica ou central de regulação de leitos, seja pela central de leitos do município de Fortaleza ou central de leitos do estado. No entanto, observa-se que geralmente o serviço de saúde terciário não está preparado para atender essa demanda, sem o contato prévio, como ilustrado no discurso a seguir:
] eu tava na maternidade Y e lá não tinha uma estrutura melhor para tratar de mim. Aí eles disseram que iriam me encaminhar pra cá sem nem o ‘hospital’ saber. [...] o doutor falou um monte de coisa, falou que isso não era pra acontecer, porque vai que manda uma pessoa e a pessoa tá com alguma coisa muito grave aí não tem leito, não tem canto pra pessoa ficar. Fica jogada. (MA8)
Acolhimento da mãe adolescente na emergência obstétrica
Com relação ao acolhimento das gestantes, procurou-se extrair relatos que demonstrassem esta condição no atendimento, essencialmente, pelos cuidadores, trazendo discussões sobre este dispositivo do princípio da integralidade. Assim, provocou-se uma reflexão com estes sujeitos, como protagonistas de seus problemas, ensejando a enunciação de suas necessidades, e como estas têm repercussões com base nas relações com os profissionais.
Notou-se, nos discursos das gestantes, o fato de que o atendimento na emergência obstétrica, em geral, foi satisfatório. Os discursos a seguir elucidam esta asserção.
] acho que ela é auxiliar de enfermagem (...) trata a pessoa assim como uma cliente particular. Que ia lá de instante em instante. Ela foi a pessoa que eu mais me identifiquei, que mais me acolheu no que eu tava precisando, no que eu tava sentindo. (MA8)
O médico e a enfermeira eram muito educados, não eram ignorantes! A enfermeira brincava com a gente para deixar mais a vontade, e por ser nova, entendia o que eu falo ou deixo de falar. (MA7)
Durante as observações - é válido relatar - percebeu-se que, por vezes, o enfermeiro não consegue manter uma relação mais acolhedora com a adolescente por ter de se responsabilizar pelo serviço burocrático da admissão e da transferência da jovem para o centro obstétrico, da transferência de pacientes para outros hospitais, além de outras atividades gerenciais da unidade. Acresce referir que estas atividades acontecem quase que concomitantemente. Logo, acredita-se que seria relevante a presença de dois profissionais enfermeiros na unidade, para que as atividades administrativas fossem divididas ou designadas para um deles, evitando o comprometimento das atividades assistenciais.
Por outro lado, alguns discursos são divergentes e até contraditórios aos expressos anteriormente, pois se relacionam com situações em que as gestantes demonstraram insatisfação no atendimento. Os relatos seguintes retratam situações em que as adolescentes não se sentiram bem acolhidas no atendimento da emergência obstétrica:
Só a enfermeira que era muito chata. Ela quis fazer como se eu soubesse de tudo. Era pra ela explicar as coisas. Era a minha primeira vez. (MA5)
A médica que me atendeu pela primeira vez era chata, chata, chata. Não gostei dessa médica que disse que eu estava com verme; detestei-a. (MA9)
Comprovou-se a importância da aproximação do profissional com a usuária logo na entrada do serviço, por meio da identificação, dizendo o nome e a categoria da qual faz parte, para que a adolescente fique ciente de quem está lhe prestando cuidado e daí já inicie um canal de comunicação respeitosa e afetiva.
Chegaram, disseram que iam ficar lá comigo, cuidando de mim. Aí se identificaram, disseram o nome, mas só que eu num lembro. Eu tava com tanta dor que nem prestei atenção. (MA3)
Fui atendida por uma enfermeira, acho que era. Não me lembro muito não. Eu não sei direito se era médico ou enfermeira. Se identificou, mas não me lembro direito (...) Todos os profissionais foram do mesmo jeito, igualzinho. Acho que todas foram iguais, do mesmo jeito. Tudo foi do mesmo jeito. (MA11)
DISCUSSÃO
Em relação ao acesso, percebeu-se que algumas adolescentes procuraram atendimento em outras unidades de saúde e de lá foram encaminhadas ao hospital do estudo por exibirem risco de intercorrências no ciclo gravídico que dependiam de uma assistência diferenciada, com recursos mais avançados, haja vista que essa unidade é de alta complexidade, com profissionais qualificados para prestar assistência especializada.
Entendeu-se como importante o fato de que o acesso às unidades de saúde, entendido aqui como um dispositivo para a efetivação da integralidade, seja garantido à gestante, uma vez que se considera substancial não haver barreiras ou que estas sejam minimizadas para permitir a admissão dessa adolescente a uma rede de atenção à saúde, assim como propõe o Ministério da Saúde. Este dispositivo pode ser entendido como “porta de entrada”, como local de acolhimento do usuário no momento da expressão de sua necessidade e, de certa forma, como os caminhos por ele percorrido no sistema na busca da resolução dessa necessidade(11).
Efetivamente, o acesso foi um aspecto questionado que trouxe as vivências das mães adolescentes sobre os caminhos percorridos até a entrada nesta unidade hospitalar. Dois fatores foram apreendidos em relação ao acesso: o primeiro deles se refere às condições estruturais da unidade de saúde de origem dessa gestante, enquanto o outro fator se relaciona com a “peregrinação” até o atendimento em um serviço especializado. Sabe-se que, quanto maior a distância a ser percorrida pela gestante, mais difícil é o acesso aos serviços, e que, nestas condições de “peregrinação” em busca de atendimento, muitas vezes o trabalho de parto em andamento se torna complicado e de alto risco(12).
Outro estudo contribui ao expressar a ideia de que as dificuldades no atendimento à saúde das mulheres, de forma integral, estão relacionadas às abordagens biomédicas reducionistas; questões estruturais que limitam o acesso à saúde; e comprometimentos na quantidade e na qualidade da prestação dos serviços de saúde(13).
Nesta perspectiva, a responsabilidade das centrais de leitos é de, a todo o momento, buscar a melhor opção assistencial, no entanto, os mecanismos formais, organizativos e pactuados, muitas vezes, são incapazes, isoladamente, de responder às necessidades impostas cotidianamente(14).
De outra parte, constatou-se que em alguns casos os municípios do estado (exceto Fortaleza) se veem sem condições de prestar assistência às pacientes e, após entrarem em contato com a central de leitos, não esperam o retorno sobre a vaga e encaminham a paciente sem um contato prévio com o serviço. Este procedimento equivocado pode vir a comprometer a qualidade da assistência prestada em decorrência da superlotação do centro obstétrico e da unidade de neonatologia, além de haver um dimensionamento da equipe de saúde insatisfatório para a demanda real.
Há de se considerar, ainda, a quantidade de gestantes adolescentes que realizaram partos na capital, provindas do restante do estado; situação evidenciada em Fortaleza, no ano de 2010, quando foram realizados 7.959 partos em adolescentes, dos quais 6.375 de mães residentes na capital, enquanto, 1.346 foram realizados nos demais municípios, pertencentes à “Rede Cegonha” de Fortaleza-Cascavel(10).
O hospital em estudo tem o compromisso de evitar, ao máximo, retornar as pacientes que procuram o serviço, respeitando os princípios estabelecidos pelo SUS e atualmente da “Rede Cegonha”. Esta tem como uma das finalidades organizar um sistema de atenção à saúde materna e infantil, garantindo acesso, acolhimento e resolubilidade. A identificação das redes alerta para problemas de acesso, identificando áreas com poucas opções, configurando pontos de estrangulamento, ou oportunidades de desconcentração e regionalizações alternativas, e a classificação dos fluxos segundo a estrutura da rede fornece rico material de investigação(15).
Independentemente do caminho que essa gestante adolescente percorra, é primordial que os encontros estabelecidos com os trabalhadores proporcionem acolhimento. Assim, todos os profissionais, desde a portaria, na entrada da unidade, e prosseguindo por todo o caminhar do usuário na instituição, podem e devem acolher, escutar e interessar-se, contribuindo, desta forma, para a instalação de relações de confiança e conforto, consolidando a criação de vínculo e a responsabilização, concedendo oportunidade de essa gestante receber atendimento humanizado como estabelecido nas diretrizes de atenção à saúde da mulher pelo SUS.
Notou-se, na segunda categoria, que, logo na chegada da adolescente ao serviço de saúde, é preciso um olhar atento e necessária uma escuta a estas mulheres, para que elas se achem acolhidas e seguras, visto que esse momento é permeado de anseios e ao mesmo tempo, de submissão a riscos.
Dessa maneira, o acolhimento configura atitude dos profissionais em manifestar comprometimento em receber a gestante, escutá-la e tratá-la, considerando suas necessidades, ensejando, assim, uma relação de interesse mútuo em prol da resolução da demanda.
Neste estudo, o atendimento no Setor da Emergência Obstétrica foi considerado satisfatório pelas adolescentes e estava relacionado à forma como os profissionais delas se aproximaram, ouvindo suas necessidades, minimizando suas tensões, orientando, dando apoio e, de certa forma, responsabilizando-se pelo cuidado das gestantes.
Ante essa interação profissional-usuária, infere-se que uma adolescente (MA7), provavelmente, tenha vivenciado experiências de atendimento à saúde e deparou-se com profissionais que a trataram com rusticidade, pois enfatizou o fato de o médico e a enfermeira do hospital em estudo não serem “ignorantes”. Outros discursos, também, trazem situações vividas pelas adolescentes que as marcaram de forma positiva durante o atendimento. Foi mencionado o fato de a enfermeira ser “mais nova”, insinuando possibilidade de compreender melhor suas necessidades.
Identificou-se, ainda, outra interação significativa, ao avaliar e trabalhar a condição emocional, por meio de orientações sobre o estado de saúde da jovem. Destaque para os técnicos de enfermagem, lembrados como os mais empenhados em se aproximar, estabelecer uma relação de confiança, perceber as necessidades além daquelas explícitas, e trabalhar em prol da resolubilidade dos problemas.
Evidencia-se que, se o profissional de saúde ficar preso à ação burocratizada e ao ato normativo, não considerará como sua competência o reconhecimento deste espaço para o diálogo público, que abre outros sentidos para sua relação com o usuário(16).
Algumas adolescentes, no entanto, destacaram a insatisfação no atendimento, relacionada ao fato de os profissionais não terem sido cordiais e atenciosos, ou mesmo não terem percebido as necessidades daquele momento tão especial para a jovem parturiente.
Corroborando o posicionamento de alguns autores(7), ao indagar que compreender o indivíduo requer, antes de tudo, reportá-lo ao locus de sua inserção social, sem que haja, no entanto, a massificação do todo e sem negar as particularidades que lhes são inerentes. No caso da adolescente em processo de parturição, este momento é vivenciado com ansiedade e pode ser traduzido em alegria e felicidade, logo que é constatado que o bebê e a mãe estão saudáveis, que o parto ocorreu ou ocorrerá sem agravos para ambos. Isto deve ser a principal motivação no cuidado que se inicia na emergência obstétrica.
Evidenciou-se o fato de que boa parte dos profissionais que prestou o cuidado, ao se aproximar, procurou se identificar e interagir cordialmente com as usuárias, porém não houve tanta preocupação em saber se a adolescente compreendeu a mensagem, ou seja, faltou maior clareza na comunicação, vislumbrando o reconhecimento de sua profissão e do seu mister.
Como, na Emergência Obstétrica, todos os profissionais - médicos, enfermeiras e auxiliares de enfermagem - usam o mesmo tipo de vestimenta, padronizada pelo hospital, torna-se complicado para a gestante diferenciar as categorias. Também se observou certa dificuldade das mães adolescentes em identificar ou diferenciar quem é a enfermeira e quem é o profissional de nível médio.
As adolescentes justificaram tais esquecimentos na condição em que se encontravam - de dor, medo, ansiedade e tensão – situações que fizeram com que elas não conseguissem registrar o nome do profissional. Outra justificativa foi o número elevado de profissionais que atenderam a elas, já que estas passaram por mais de um setor e foram atendidas por categorias profissionais diferentes, as quais, na maioria das vezes, trabalham em regime de plantão, ocasionando um rodízio considerável de profissionais. Assim, quanto mais flexíveis e versáteis os profissionais, quanto mais diversificadas e pouco ritualizadas suas ações, quanto mais misturadas e trabalhando juntas as pessoas, quanto mais aberto e acessível o serviço a todos os tipos de demanda, maior a possibilidade de a equipe imergir no mundo sociocultural de sua área de abrangência, de trocar saberes pessoais e profissionais, de realizar melhor o acolhimento e garantir o acesso(16).
As relações que se conformam entre os profissionais e gestantes trazem consigo uma dimensão política, que inclui sua visão de mundo incorporada nas subjetividades. É preciso lembrar a importância de o profissional informar “quem sou e o que faço” e ganhar seu espaço e “empoderamento” junto aos usuários, pois, ante a singularidade da realidade dos usuários, no caso, as gestantes, os profissionais de saúde são levados a compreender as limitações de sua possibilidade de atuação e, consequentemente, a rever as relações de poder que são estabelecidas.
Portanto, a escuta, a responsabilização e a criação de vínculos com a inserção da abordagem de gênero oferecem à mulher possibilidades de serem sujeitos que devem fazer parte de um projeto de reorganização das práticas direcionadas pela integralidade do cuidado(17).
Coloca-se como desafio a ideia de que deve ser assumida pelos profissionais de saúde a valorização das relações interpessoais em suas práticas cotidianas. Isso possibilita um maior vínculo, o fortalecimento das relações entre estes e os usuários, possibilitando significativas transformações no pensamento e na ação em saúde, conquista de espaços e reconhecimento de suas práticas, além do cumprimento de responsabilidade social.
CONCLUSÃO
Ao apreender os resultados da pesquisa, atendendo aos objetivos delineados, observou-se que os caminhos percorridos pelas gestantes adolescentes em fase de parturição não se mostram bem definidos, porquanto dependem de transferências, vagas no setor de maior complexidade, configurando-se no acesso, mas esta caminhada pode trazer transtornos e danos físicos para a mãe e o bebê. Se, entretanto, tais ações forem permeadas de momentos de escuta e acolhimento, caso as mulheres sejam compreendidas em suas necessidades e indagações, as situações destoantes do preconizado na assistência a esta população tendem a ser amenizadas e elas percebem sensação de segurança e de que o parto será mais tranquilo.
Entre as situações comprometedoras do acolhimento, destacou-se a ausência de identificação de alguns profissionais, pois as entrevistadas não souberam diferenciar os profissionais em geral nem a equipe de enfermagem que está tão presente. Fizeram confusão de papéis entre esta categoria profissional, condições que, de certa forma, comprometem a formação do vínculo entre os sujeitos envolvidos. Para tanto, impõe-se uma aproximação e é necessária a identificação do profissional para iniciar uma relação de cuidado ao outro.
Uma vez que essas mães jovens exprimem uma demanda de necessidades e de cuidados no decurso de sua condição clínica e psicossocial, evidencia-se a necessidade de, na fase de parturição, serem acompanhadas por profissionais qualificados, que prestem um cuidado o mais humanizado possível, aproximando-se de suas particularidades.
Os resultados alcançados permitiram analisar o cuidado dispensado e as relações interpessoais, sobressaindo-se o interesse em entender a assistência de enfermagem às jovens mães. Com efeito, nota-se que há fragilidades nas relações entre estes trabalhadores e as gestantes, indicando a necessidade de maior atenção às demandas, transpondo os aspectos biológicos; ter conhecimento sobre o contexto de vida da parturiente para que o cuidado seja o mais efetivo possível; e intensificar a escuta e dar importância à identificação e ao reconhecimento do profissional que atende, com vistas à criação de vínculos e corresponsabilidades das gestantes.
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Contribuição dos autores
Thais Jormanna Pereira Silva: desenvolvimento e revisão; Maria Veraci Oliveira Queiroz: orientação da pesquisa e revisão; Francisco Herculano Campos Neto: desenvolvimento e revisão; Viviane Peixoto dos Santos Pennafort: discussão dos resultados e revisão.
Recebido: 28/02/2013
Revisado: 27/10/2013
Aprovado: 11/11/2013