ARTIGOS ORIGINAIS

 

Riscos reprodutivos e cuidados integrais de gestantes com síndromes hipertensivas: estudo transversal


Rozânia Bicego Xavier1, Claudia Bonan1, Aline Carvalho Martins1, Kátia Silveira da Silva1

1Fundação Oswaldo Cruz

 


RESUMO
Objetivos: Analisar o perfil sociodemográfico e de risco reprodutivo de gestantes com história de síndromes hipertensivas, assim como condições clínicas e obstétricas e características da assistência prestada, durante o pré-natal, parto e pós-parto, em maternidade de alto risco.
Método: Estudo transversal, quantitativo, utilizando prontuários de 164 gestantes.
Resultados: Predominam mulheres adultas, negras, com escolaridade e renda baixa, multigestas e com múltiplos fatores de risco reprodutivo. Observou-se insuficiente acompanhamento clínico e nutricional no pré-natal, níveis pressóricos altos no momento do parto e pouca atenção ao planejamento reprodutivo no pós-parto.
Discussão: Os cuidados dispensados na maternidade são insuficientes para atender as necessidades de saúde das mulheres, indicando fragmentação e descontinuidade. Para uma maioria, são evidenciadas situações combinadas de vulnerabilidade individual, social e programática.
Conclusão: Atender as necessidades de saúde reprodutiva destas mulheres exige: integração, coordenação e continuidade dos cuidados; capacitação profissional para manejo dos riscos; transformação das situações de vulnerabilidade.
Descritores: Assistência Integral à Saúde; Hipertensão; Gravidez de Alto Risco.


INTRODUÇÃO

Nas últimas duas décadas, um conjunto de transformações ocorridas em nosso país impactou favoravelmente os indicadores de saúde reprodutiva. Contudo, as taxas de morbidade e mortalidade materna e neonatal ainda continuam elevadas, refletindo tanto em problemas de acesso e qualidade da assistência, como na persistência de desigualdades sociais e regionais, situações que geram vulnerabilidades e comprometem o exercício dos direitos reprodutivos(1). Morbidade e mortalidade materna e perinatal são eventos sentinelas, manifestações visíveis de uma cadeia de eventos, vivências e circunstâncias onde os perigos à saúde se instalam e, muitas vezes, se concretizam, determinados não somente por fatores biológicos ou ambientais, mas também socioculturais e institucionais.

Muitas gestantes chegam aos serviços apresentando agravos que poderiam ter sido evitados, detectados, tratados ou controlados antes da gravidez ou em seus estágios mais precoces(2). A assistência à saúde e ao planejamento reprodutivo de mulheres não grávidas com histórico de morbidades tais como hipertensão, diabetes, AIDS, aloimunização ou antecedentes de neomorto ou natimorto é negligenciada. Isso as expõe a repetidas gravidezes em condições desfavoráveis, riscos recorrentes e desfechos negativos em várias gestações(3). Muitas morbidades ou condições de risco pré-existentes à gravidez poderiam ser controladas, propiciando melhores resultados maternos e neonatais em gestações futuras,(4). Esse é o caso das gestantes com história de hipertensão crônica e/ou antecedente de doença hipertensiva específica da gravidez (DHEG).

As síndromes hipertensivas na gravidez constituem uma das principais causas de mortalidade e morbidade materna grave em nosso país(5). Elas se apresentam de diversas formas podendo ser parte de um quadro de hipertensão crônica prévia ou uma hipertensão desenvolvida no decorrer da gravidez, cursar ou não com pré-eclampsia ou eclampsia. Essas duas últimas condições também podem se manifestar sem história prévia de hipertensão, mas são indicativas de riscos em uma próxima gestação(6).

Em nosso país, a prevalência de hipertensão em mulheres em idade reprodutiva é significativa. Dados oficiais mostram que 9,7% das mulheres de 18-24 anos, 15,4% de 25-34 anos e 21% de 35-44 anos tem diagnóstico médico prévio de hipertensão(7). Esses dados apontam para a necessidade de atenção e cuidados integrais à saúde reprodutiva, seja antes, durante ou depois da gestação de mulheres com hipertensão crônica e/ou história de síndromes hipertensivas desenvolvidas em gestações anteriores.

O Ministério da Saúde tem desenvolvido diretrizes e ações programáticas para a abordagem das mulheres com diagnóstico de gestação de alto risco e investido na instalação de uma rede de serviços específicos(6). Entretanto, a implantação dessas ações é tarefa ainda inconclusa, restando o desafio do desenvolvimento de linhas de cuidados integrais para as mulheres em idade reprodutiva e, especificamente, para aquelas que têm história de síndromes hipertensivas.

Nesse artigo, apresentam-se os resultados de um estudo baseado em revisão de prontuários de gestantes com história de síndromes hipertensivas, atendidas em uma maternidade de alto risco. Tal estudo objetivou  analisar o perfil sociodemográfico e de risco reprodutivo, as características da assistência prestada e as condições clínicas e obstétricas de gestantes com história de síndromes hipertensivas atendidas em uma maternidade de alto risco, durante o pré-natal, parto e pós-parto. Os resultados do estudo podem ser relevantes à discussão de linhas de cuidados em saúde reprodutiva para mulheres com história de síndromes hipertensivas, em uma perspectiva integral.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo transversal, quantitativo, realizado em uma maternidade de referência para risco gestacional na cidade do Rio de Janeiro. Utilizou-se um banco de dados criado em estudo anterior(8), com informações sociodemográficas, reprodutivas, clínicas e obstétricas de 3.440 gestantes matriculadas nessa maternidade entre janeiro de 2006 e dezembro 2008. No presente estudo, incluíram-se todas as 164 gestantes que tinham registro de hipertensão na gravidez atual, hipertensão em gravidez anterior e/ou hipertensão crônica. Os prontuários das mulheres foram revisados para confirmação do diagnóstico de síndrome hipertensiva, definição do tipo de doença hipertensiva (antecedente de DHEG, pré-eclampsia e/ou eclampsia; história obstétrica atual de DHEG, pré-eclampsia e/ou eclampsia; hipertensão crônica) e coleta de informações sociodemográficas, riscos reprodutivos, condições clínicas e obstétricas e características da assistência prestada na unidade de referência, durante o pré-natal, parto e pós-parto.

Para sistematização e tratamento desse material foi criado um banco de dados específico com o programa Epi info, versão 3.5.3. As variáveis do estudo foram descritas através de percentuais. Para a descrição do perfil do risco reprodutivo, as informações clínicas e obstétricas coletadas em prontuário foram reagrupadas, tendo com base a classificação sugerida pelo Ministério da Saúde: a) características individuais e condições sociodemográficas desfavoráveis, b) história reprodutiva anterior, c) condições clínicas preexistentes e intercorrências clínicas, d) doença obstétrica na gravidez atual(6).

O estudo observou as normas éticas da Resolução 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da unidade de referência para alto risco em 02/09/2009 (Parecer nº 0066/09). Foi assegurado o sigilo sobre a identidade das mulheres.

 

RESULTADOS

A idade da população estudada variou de 15 a 46 anos. A maioria das mulheres concentrava-se entre 20 e 35 anos (61,0%), seguidas por mulheres com idade materna avançada (32,3%) e adolescentes (6,7%). Mulheres pretas e pardas (negras) corresponderam a 62,8% da população estudada e 56,1% viviam com maridos ou companheiros. Em maioria, as mulheres residiam no município do Rio de Janeiro (59,1%) e as demais em outros municípios ou estados (Tabela 1).

Metade das mulheres apresentava baixa escolaridade, possuindo, no máximo, o ensino fundamental completo, e 50,6% declararam renda familiar menor ou igual a três salários mínimos, incluindo 8,5% cujas famílias viviam com menos de um salário. Em maioria, as mulheres dedicavam-se ao lar (39,6%) ou tinham ocupações elementares como doméstica, babá ou auxiliar de serviços gerais (25,6%) (Tabela 1).

Um total de 84,8% das mulheres eram multigestas (duas ou mais gravidezes, incluindo a atual). Quanto à paridade, 20,7% eram nulíparas, 58,5% referiram um ou dois partos e 20,7% tinham no mínimo três partos (dados não apresentados em tabela).

Em relação ao perfil do risco reprodutivo das gestantes, o abortamento espontâneo foi relativamente frequente nessa população. Cerca de 31,7% informaram algum episódio; 3,7% tiveram essa experiência duas ou mais vezes (abortamento habitual), e abortamentos em condições inseguras foram registrados em 10,4% dos casos. Antecedentes de neomorto e/ou natimorto foram verificados em 23,2%. A ocorrência de gemelaridade na gestação atual se deu em 3,0% dos casos e 3,7% em suas gestações anteriores. Dentre outras condições clínicas e doenças obstétricas na gravidez atual verificou-se também a existência de ginecopatias em 5,5%, isoimunização Rh em 6,1% e translucência nucal alterada em 3,0% das grávidas. Outras patologias foram registradas com incidência inferior a 2,0%. Malformações fetais na gestação atual ou prévias atingiram mais de 20% dos casos (Tabela 2).

Aos riscos reprodutivos descritos acima, se sobrepõem as histórias de síndrome hipertensiva que, coerente com os critérios de inclusão no estudo, concerne a toda a população analisada. Foram observados antecedentes de DHEG, pré-eclampsia e/ou eclampsia em 37,2% das gestantes; na gravidez atual, estas mesmas patologias aparecem em 10,4% e hipertensão crônica em 61,0% (Tabela 2).

Um total de 31,1% de mulheres com história de antecedente de DHEG, pré-eclampsia e eclampsia matricularam-se na unidade de referência com menos de 14 semanas, 27,9% entre 14 e 19 semanas, 37,7% entre 20 e 30 semanas e 3,3% iniciaram o pré-natal com mais de 30 semanas de gestação. Entre as gestantes com história de hipertensão crônica (61% da população estudada), 39% matricularam-se com menos de 14 semanas, 23% entre 14 e 19 semanas, 25% entre 20 e 30 semanas e 13% iniciaram o pré-natal em unidade especializada em gestação de alto risco tardiamente, após 30 semanas de gestação. Esses achados mostram que a maioria das mulheres com riscos reprodutivos que poderiam ser identificados no primeiro trimestre da gravidez chegaram ao serviço especializado no segundo ou terceiro trimestres.

Na admissão no pré-natal, quase 30% das gestantes apresentavam níveis pressóricos altos e, do total da população estudada, 6,1% apresentavam formas acentuadas de hipertensão, com níveis maiores ou iguais a 160x110 mmHg. O uso de medicação anti-hipertensiva no momento da admissão no pré-natal foi relatado por 37,2%, percentual bem inferior àquele de mulheres que se declararam hipertensas crônicas (61%). Muitas mulheres (87,8%) referiram antecedente familiar de síndrome hipertensiva (Tabela 3). 

O uso de álcool na gravidez atual foi relatado por 10,4% das mulheres e de fumo por 11,6%. Em relação ao estado nutricional, 58,5% das mulheres apresentaram sobrepeso ou obesidade. Dois terços das mulheres declararam não haver planejado a gravidez (Tabela 3).

Durante o pré-natal na unidade de referência, mais de dois terços das mulheres realizaram seis ou mais consultas obstétricas e passaram por atividades educativas; em apenas 40,9% dos prontuários havia registro de consulta com médico clínico e 14,0% com nutricionista. No curso da gravidez atual, 25,6% necessitaram de internação por complicações hipertensivas.

Observou-se que 14,0% das mulheres descontinuaram o atendimento na unidade, sem menção a terem sido encaminhadas ou terem optado pelo pré-natal ou parto em outra instituição (Tabela 3). Da população estudada, 123 gestantes (75%) pariram na unidade. Na internação para o parto, 52% dessas mulheres estavam hipertensas e 13,8% apresentavam hipertensão acentuada, com pressão arterial maior ou igual a 160 x 110 mmHg (Tabela 4). A maior parte dos partos (58,5%) evoluiu sem complicações, e 35,8% das complicações estavam relacionadas à hipertensão. A cesárea foi realizada em 71,5% das mulheres. O puerpério evoluiu sem intercorrências em 75,6% dos casos e as complicações registradas relacionavam-se, principalmente, com complicações hipertensivas (Tabela 4).

Mais da metade dos recém-nascidos (51,2%) apresentou bom estado geral, 13,8% eram prematuros, associado ou não ao baixo peso, 6,5% eram malformados, 4,9% apresentaram baixo peso e 4,1% sofrimento fetal. Na alta, 60,2% das mulheres saíram com bebê, após internação de pelo menos quatro dias (74,8% dos casos). No prontuário, nas anotações de alta hospitalar, não havia registro de encaminhamento para o clínico em 78,9% dos casos (Tabela 4).

Das 123 gestantes que tiveram filho na unidade, 28 (22,8%) não retornaram para o pós-parto (Tabela 4). Dentre as 95 que compareceram ao pós-parto, 33,7% encontravam-se com níveis tensionais igual ou maior que 140x90 mmHg até 150X100 mmHg, e 6,3% apresentavam pressão arterial maior ou igual a 160x110 mmHg. Dois achados chamam a atenção: 14,7% das puérperas que realizaram pós-parto não tiveram sua pressão arterial aferida e em 61,0% dos casos não havia registro de encaminhamento para o clínico (dados não apresentados em tabela). No pós-parto, apenas 55,8% das mulheres que compareceram à consulta foram encaminhadas ao planejamento familiar (dados não apresentados em tabela).

 

DISCUSSÃO

Os resultados apresentam uma realidade preocupante, em que, de maneira generalizada, múltiplas situações de vulnerabilidade em saúde(7) se sobrepõem e se potencializam. No plano das situações individuais, além da história anterior de hipertensão e/ou do quadro hipertensivo na gravidez atual, a maioria das mulheres apresenta outras morbidades (sobrepeso, obesidade, tabagismo, uso de álcool, ginecopatias e/ou outras doenças crônicas) e acumulam outras condições também consideradas como fatores de risco gestacional (histórias de abortamento, de natimorto ou neomorto e/ou de malformações fetais). Outros estudos demonstraram associação desses fatores de risco com doença hipertensiva na gestação(10). As síndromes hipertensivas são consideradas com um dos principais determinantes primários da morbidade materna grave e mortalidade materna e, além disso, a conjunção da hipertensão com outras morbidades e condições de risco incrementa as chances de desfechos ruins para as mulheres e/ou seus bebês(11,5). Os múltiplos fatores de risco acumulados pelas mulheres do estudo compõem um quadro de morbidade materna moderada, uma espécie de “antessala” das morbidades maternas graves e muitas vezes fatais. No plano das políticas de saúde, é necessária uma abordagem específica a essa população, o acompanhamento especializado, integral e qualificado durante e fora dos períodos de gravidez, a fim de reduzir esses eventos, em grande parte evitáveis.

Situações de vulnerabilidade social, indicadas pelas condições de renda e escolaridade baixas, somam-se às condições individuais de saúde potencializando os riscos reprodutivos das mulheres. Estudos demonstram associação entre condições socioeconômicas precárias e indicadores de saúde reprodutiva ruins(12,13) e alguns, especificamente, concluíram que níveis mais baixos de escolaridade materna estão associados com morbidade materna grave e mortalidade materna(13,14,15).  Situações de vulnerabilidade em saúde – individual, social e programática – advindas de desigualdades étnico-raciais já foram bem demonstradas na literatura(16), o que ajuda a compreender a sobre-representação de mulheres negras na população estudada.

Apesar dos limites do estudo, estes resultados propiciam a reflexão sobre outra dimensão do contexto de vulnerabilidades vividas pelas mulheres, que se imbricam com as condições individuais e sociais: as questões que se relacionam ao acesso e qualidade dos cuidados em saúde – aquilo que tem sido chamado de vulnerabilidade “programática”(9). Parte significativa das mulheres atendidas no serviço de referência era oriunda de outros municípios ou estados, levando a indagar sobre as dificuldades encontradas para serem atendidas pela rede de saúde próxima a seus domicílios. Amaral et al(11), no estudo sobre morbidade materna grave em Campinas, constataram que 48% dos pacientes foram encaminhados de outros municípios, revelando a frágil organização da assistência perinatal regional.

Segundo critérios do Ministério da Saúde(6), a identificação de qualquer fator de risco reprodutivo no pré-natal na atenção básica deve ser motivo de encaminhamento imediato para unidade de referência. Contudo, deficiências da rede de saúde, do sistema de referência e contrarreferência e dos profissionais em manejar as condições de risco são obstáculos para uma atenção adequada à gestação de alto risco. Mais de dois terços das gestantes estudadas iniciaram o pré-natal no segundo ou terceiro trimestre da gravidez. Considerando a prevalência de hipertensão crônica, outras doenças e riscos reprodutivos antecedentes no grupo de gestantes estudadas, interrogam-se os motivos pelos quais elas não chegaram à unidade de referência para alto risco mais cedo: procuraram tardiamente o pré-natal na atenção básica? A unidade básica não identificou de imediato os riscos? Quais dificuldades podem ter tido entre o encaminhamento da atenção básica e a marcação no pré-natal de alto risco? No município do Rio de Janeiro, apesar do aumento da cobertura pré-natal, persistem problemas em relação à qualidade da assistência prestada(17).

O atendimento pré-natal de qualidade e integral, em todos os níveis de complexidade, é fundamental para minimizar as complicações provenientes da hipertensão para a mãe e/ou feto(18). Na unidade de referência estudada, os cuidados oferecidos às gestantes com histórico de síndromes hipertensivas foram centrados na consulta obstétrica, fragmentados e descontinuados. Em grande parte dos prontuários não havia registro de consulta com clínico durante o pré-natal e nem de encaminhamento para acompanhamento clínico no momento da alta hospitalar. No pós-parto, um número expressivo das puérperas encontrava-se com níveis tensionais elevados, e mesmo assim não receberam encaminhamento para consulta clínica. Além disso, quase 15% das puérperas não tiveram aferida sua pressão arterial no momento da pesquisa. A importância da qualidade do atendimento clínico, com a adesão a protocolos, foi enfatizada em estudo sobre morbidade materna grave, especialmente quando há complicações hipertensivas(11).

Outros achados da pesquisa revelam as deficiências dos cuidados prestados às mulheres. Apesar da alta prevalência de sobrepeso e obesidade – condições reconhecidas por predisporem e agravarem quadros hipertensivos na gravidez(10), nos prontuários da maioria das mulheres não havia registro de consulta com nutricionista. Um terço não participou de atividades educativas durante o pré-natal e não há menção à abordagem dos casos de tabagismo e etilismo, sabidamente nocivos para a saúde da mãe e do feto(19). Ações de educação e atendimento multiprofissional são aspectos importantes de uma atenção integral, pois favorecem o processo de reflexão sobre saúde e adoecimento, compreensão dos riscos e discussão sobre hábitos de vida e alimentares, atividades físicas, dentre outros.

A responsabilização e o seguimento do paciente pelos profissionais e instituições de saúde são atributos de uma assistência integral. Cerca de 15% das gestantes com síndromes hipertensivas descontinuaram o cuidado na maternidade de referência sem terem sido encaminhadas ou optado por continuar os cuidados em outro serviço. Entretanto, nos prontuários, não há registro de busca ativa das mulheres faltosas.

O material estudado não permite uma maior avaliação das condições de acesso e qualidade da assistência à saúde reprodutiva das mulheres antes das gravidezes atuais. De qualquer modo, chama a atenção o fato de que dois terços das mulheres declararam não ter planejado a gestação, indicando necessidades não satisfeitas de contracepção. Depois de mais uma década de sua regulamentação, a dificuldade de implementação das políticas de assistência ao planejamento reprodutivo tem sido documentada(20). Na unidade de referência, a abordagem ao planejamento reprodutivo mostrou-se deficiente. Mesmo sendo parte da atenção à mulher no período puerperal e componente central para a conquista dos direitos sociais das mulheres(6), quase a metade daquelas que compareceram ao pós-parto não receberam encaminhamentos para inscrever-se no serviço de planejamento familiar.

O presente estudo apresenta limitações pelo fato de que os prontuários - principal documento sobre as condições de saúde e de assistência ao paciente – foram a única fonte de informações e, assim mesmo, existiam muitas falhas nesses registros. Contudo, acreditamos que seus resultados contribuem para um maior conhecimento das necessidades em saúde reprodutiva de mulheres com história de síndromes hipertensivas e oferecem pistas para uma maior qualificação da assistência prestada a essa população.

 

CONCLUSÃO

Os resultados do estudo mostram que os cuidados de saúde dispensados às gestantes com história de síndromes hipertensivas na unidade de referência foram insuficientes para contemplar de forma abrangente as suas necessidades de saúde. Contudo, sugerem também que as necessidades de saúde não satisfeitas antecedem a entrada no serviço de alta complexidade (e talvez contribuam para esse desfecho) e que a fragmentação e descontinuidade dos cuidados em saúde podem perpetuar-se após a alta do serviço de referência.

A problemática que reúne “reprodução” e “hipertensão” – pela frequência da hipertensão em mulheres com idade reprodutiva ou pelo seu papel no cenário da morbimortalidade materna – oferece-nos pistas para pensar a construção linhas de cuidados integrais em saúde reprodutiva. Coloca em evidência a necessidade de ações programáticas de promoção, prevenção e assistência às mulheres, ao longo de sua trajetória reprodutiva (antes, durante e depois da gestação). Isso remete à questão da continuidade dos cuidados em sentido longitudinal e da coordenação dos cuidadores (profissionais, programas, serviços) em um sentido transversal.

Aponta para a necessidade de maior integração entre os vários níveis de complexidade do sistema de saúde, de modo a captar precocemente as gestantes, identificar prontamente os riscos reprodutivos, encaminhar oportunamente e facilitar acesso aos serviços de referência. No sentido inverso, esses serviços devem responsabilizar-se pela contrarreferência e seguir o processo de retorno das mulheres para os níveis mais baixos de complexidade, para continuação da prestação dos cuidados em saúde.

As questões expostas pelos resultados desta pesquisa chamam a atenção para o fato que, mesmo em ambientes altamente especializados e com recursos tecnológicos avançados disponíveis - como são as maternidades de referencia para gestação de risco - a perspectiva da integralidade não pode ocupar um lugar secundário. Desenvolver um olhar integral às necessidades de saúde, oferecer atividades educativas, promover o trabalho multiprofissional e uma abordagem interdisciplinar, onde o processo saúde -doença na esfera reprodutiva seja compreendido não somente em termos biológicos, mas também em seus determinantes sociais, econômicos e culturais, devem ser atributos da assistência de alta complexidade.

Enfim, desenvolver e implementar linhas de cuidados integrais para mulheres em idade reprodutiva com história de síndromes hipertensivas pode ter um impacto importante nos indicadores de saúde materna e neonatal. A organização dos processos de trabalho entre profissionais e serviços de modo a garantir a integração, a coordenação e a continuidade dos cuidados prestados, a maior capacitação técnica dos profissionais para o reconhecimento dos riscos e manejo apropriado do acompanhamento pré-natal, e o desenvolvimento das habilidades dos profissionais e das instituições para uma abordagem integral às necessidades de saúde são tarefas imprescindíveis, mas ainda desafiadoras, para a construção de cuidados que possamos chamar de “integrais”.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 27/02/2013
Aprovado: 22/10/2013
Revisado: 29/10/2013