ARTIGOS ORIGINAIS

 

Concepções e práticas educativas de profissionais médicos e enfermeiros: estudo descritivo

 

Elen Ferraz Teston1, Maria Antonia Ramos Costa1, Vanessa Denardi Antoniassi Baldissera1, Sonia Silva Marcon1

1Universidade Estadual de Maringá

 


RESUMO
Objetivo: Descrever a concepção e atuação educativa das equipes de saúde da família junto às pessoas com hipertensão arterial e seus familiares.
Método: Estudo qualitativo realizado com 12 profissionais médicos e enfermeiros de um município do Paraná. Os dados foram coletados em maio de 2011, com instrumento semiestruturado e submetidos à análise de conteúdo.
Resultados: Profissionais concebem educação em saúde como ação de promoção à saúde e prevenção de doenças, porém com visão reducionista à doença e indivíduo, embora reconheçam a importância da família neste processo; a percepção sobre as condições de trabalho e preparo técnico-científico reforça essa visão.
Discussão: A prática educativa deve tornar famílias aptas para a transformação da realidade, o que não acontece mediante práticas reducionistas e tradicionais de educação.
Conclusão: Os profissionais devem buscar capacitações que ampliem sua visão e prática educativa, empoderando as famílias para a emancipação no cuidado e controle da doença.
Descritores: Hipertensão; Educação em Saúde; Profissionais da Saúde; Programa Saúde da Família.


 

INTRODUÇÃO

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica multifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA). Associa-se frequentemente a alterações funcionais e/ou estruturais dos órgãos-alvo (coração, encéfalo, rins e vasos sanguíneos) e a alterações metabólicas, com consequente aumento do risco de eventos cardiovasculares.(1-2)

A HAS constitui relevante problema de saúde pública em razão das suas implicações econômicas e sociais, em virtude de seu caráter crônico e silencioso que dificulta a percepção dos sujeitos portadores do problema, gera aposentadorias precoces, longo período de internação, alto custo para tratamento, alterações na autoestima e autoconceito do indivíduo.(3-4)

As iniciativas de educação para saúde constituem-se em uma ferramenta que os profissionais de saúde, entre eles os enfermeiros, devem adotar com vistas ao atendimento integral do indivíduo portador de hipertensão arterial. Por meio da educação em saúde, pode se gerar oportunidades de reflexão sobre saúde, práticas de cuidados e mudanças de costumes, o que previne ou pelo menos retarda os agravos decorrentes desta patologia.(5)

Assim, é fundamental que o setor saúde embase a educação não apenas na transmissão de conhecimento historicamente acumulado, mas que, principalmente, trabalhe na perspectiva da construção de conhecimentos e de qualidade de vida por todos aqueles que a integram.(6)

Além disso, no âmbito da Estratégia Saúde da Família (ESF), a educação em saúde é uma prática prevista e atribuída a todos os profissionais que compõem a equipe. No entanto, a família como unidade de cuidado ainda é uma realidade que vem sendo construída, tanto quanto sua inclusão nas ações educativas. A superação da atenção individual ainda é um desafio para as equipes de saúde da família, especialmente quando o foco da assistência é a família que vivencia a doença crônica.   

Por essa razão, o objetivo desse estudo foi descrever a concepção e a atuação educativa das equipes da ESF junto às pessoas com diagnóstico de HAS e seus familiares.

Nesse entorno, procurou-se compreender o conceito de educação em saúde dos profissionais, sua visão diante da inclusão da família das pessoas com HAS nas ações educativas e suas condições técnico-científicas e estruturais para a realização dessas ações, possibilitando uma análise sobre o processo educativo existente e vislumbrando novos olhares para a problemática em questão.

 

MÉTODO

O estudo foi realizado por meio de uma pesquisa de campo, com abordagem qualitativa, caracterizado como um estudo descritivo.

O cenário do estudo foi um município do interior, localizado na zona hidrográfica da Bacia do Ivaí, ao norte do estado do Paraná, Brasil. Sua população é constituída por 20.259 mil habitantes(7), assistidos na atenção básica por seis equipes da ESF, alocadas em seis unidades de saúde da família, sendo cinco para a população da área urbana e uma para a rural. As unidades de saúde, à época da coleta de dados estavam com suas equipes completas, ou seja, constituídas por um médico, um enfermeiro, um técnico ou auxiliar de enfermagem e de cinco a seis agentes comunitários de saúde. O município tem 100% de cobertura da ESF.

A pesquisa teve como população alvo os profissionais atuantes na atenção básica do município que atendessem aos seguintes critérios de inclusão: ser profissional graduado em medicina ou enfermagem; integrar a equipe da ESF e realizar assistência às pessoas que vivenciam a HAS.

O único critério de exclusão estabelecido foi não estar em atividade durante o período de coleta de dados. A totalidade dos profissionais médicos e enfermeiros vinculados às equipes da ESF atendeu aos critérios estabelecidos e aceitou participar do estudo, de modo que os 12 profissionais foram informantes do estudo.

O instrumento para coleta de dados foi um questionário semiestruturado, autoaplicável, com perguntas que abordavam as concepções e práticas educativas utilizadas junto às famílias de pessoas com diagnóstico de HAS, adaptado de Rosso e Collet.(8)

Os dados coletados em maio de 2011, foram submetidos à análise de conteúdo, modalidade temática, adotando as seguintes fases: 1) pré-análise; 2) formulação e reformulação de hipóteses; 3) exploração de materiais; 4) tratamento dos resultados e interpretação.(9) Para a diferenciação dos sujeitos e preservação de sua identidade, foram utilizados os seguintes códigos: as letras E e M, para as falas de enfermeiros e médicos, respectivamente seguida de um número indicando a ordem de devolução dos questionários.

Os aspectos éticos envolvidos na pesquisa com seres humanos, conforme proposto pela Resolução nº196/96 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitados. O projeto foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Maringá pelo Parecer nº 091/2011. Todos os participantes foram informados dos objetivos do estudo e participaram após o consentimento formalizado através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O contato com os profissionais aconteceu após a autorização da secretaria municipal de saúde do município em que ocorreu a pesquisa.

 

RESULTADOS

Caracterização dos participantes
Participaram do estudo 12 profissionais, sendo seis médicos e seis enfermeiras. A faixa etária dos médicos variou de 25 a 65 anos, com média de 43 anos, e das enfermeiras de 23 a 45 anos, com média de 36 anos. O tempo de trabalho na ESF variou entre cinco meses a 12 anos entre os médicos, com média de três anos, e de um a nove anos entre as enfermeiras, com média de seis anos. Quanto à titulação, um médico referiu ser especialista em Medicina do Trabalho, dois em Pediatria e dois não mencionaram a área de especialização. Entre os enfermeiros, um relatou ser especialista em Vigilância em Saúde, e dois em Saúde Pública com ênfase na Estratégia Saúde da Família.

A análise de conteúdo dos registros nos formulários de pesquisa permitiu a identificação de três categorias temáticas descritas a seguir.

A educação em saúde como ação para a promoção da saúde e prevenção de doenças - visão simplista e reduzida das ações educativas
Os registros relacionados à concepção de educação em saúde mostram que, para alguns profissionais, esta faz parte do contexto de assistência:

Uma prática necessária e essencial onde se previne doença e promove a saúde. E4

A educação em saúde é o principal objetivo de um médico da família. É através da educação que se obtém saúde. M4

Educação em saúde é você dar atenção a cada grupo prioritário (hipertensos, diabéticos, gestantes e crianças) com orientações e acompanhamento. E5

 

Entretanto, alguns profissionais consideram educação em saúde como uma atividade restrita a grupos de risco, fugindo da noção de integralidade:

Educar a população de risco para que não haja complicações futuras. E3

É a melhor maneira de abordar o paciente expondo os riscos a que ele pode estar sujeito. M3

 

As equipes realizam ações educativas tradicionais voltadas para as pessoas que vivenciam a hipertensão arterial e assumem a importância da família
Ao fazerem referência às práticas de educação em saúde voltadas ao hipertenso e sua família, os profissionais demonstram que elas estão restritas a palestras e visitas domiciliares.

Participo das reuniões e visitas. M1

Reuniões com palestra. M2

 

As chamadas reuniões, direcionadas às pessoas com hipertensão e/ou diabetes, na prática, constituem momentos nos quais os profissionais realizam aferição de pressão arterial, teste de glicemia capilar, palestras e entrega das medicações:

] visitas domiciliares, reuniões mensais com palestras. E3

] através de palestras, orientações domiciliares, e na Unidade Básica de Saúde (UBS) durante a entrega das medicações E6.

 

Ao serem estimulados a manifestarem o que pensam da inclusão da família das pessoas com HAS nas ações educativas, constatou-se que, pelo menos teoricamente, eles são favoráveis.

Muito importante, pois eles participam de todas as ações do paciente e acabam por incentivar uma melhor qualidade de vida. E2

Importantíssimo, pois é a família que rege as ações dentro e fora de casa, cobrando uma posição daquele que está doente. M2

 

Entretanto, quando questionados sobre o modo como ocorre a inclusão da família nestas atividades, observou-se que apenas um dos participantes se manifestou e nesta oportunidade afirmou explicitamente que não inclui a família nas ações educativas.

Realizamos grupo de ginástica, com aferição de pressão arterial antes e após. Uma vez por mês, teste de glicemia capilar, café da manhã. Com a família não realizamos nenhuma atividade. E5

 

Cabe salientar que em seus depoimentos os profissionais demonstram reconhecer a importância de incluir a família nas ações educativas, ainda que valorizando uma visão focada no tratamento e cuidado com a doença:

A família e a convivência diária ajudam no controle da alimentação e também para o paciente aderir ao tratamento medicamentoso. M6

Importante a conscientização para que tenha mais colaboração quanto aos cuidados e algumas privações.E4

A família acaba sendo um precursor para facilitar a eficácia do tratamento. M3

Importante, porque a família ajuda no processo de cuidado daqueles que já tem a patologia instalada. E3

 

Contudo, alguns profissionais entendem a inclusão da família no processo educativo como importante para o objetivo de educar para a saúde, em uma visão mais emancipatória, como constatado no depoimento do E6:

Esta inclusão é muito importante, pois podemos ver na prática resultados de pacientes em que a sua família tem certo conhecimento da patologia. E de acordo com estes, podem dar um suporte adequado e, assim, estes pacientes terão uma melhor qualidade de vida. E6

 

As percepções sobre as condições de trabalho e o preparo técnico-científico para as práticas educativas reforçam a visão tradicional da educação em saúde
No que se refere à adequação das condições atuais de trabalho para o desenvolvimento da educação em saúde junto às famílias e aos indivíduos que vivenciam a HAS, cinco profissionais referiram que as consideram “satisfatórias”, o que atribuem aos resultados obtidos junto à população. 

Houve um aumento do número de pacientes que passaram a entender a patologia e aderiram ao tratamento medicamentoso e a ações para melhora da saúde. E2

O acesso da comunidade, a boa aceitação da equipe pela comunidade. E1

 

Outros seis profissionais referiram que as condições atuais de trabalho são “totalmente satisfatórias” para a realização de ações educativas e atribuem isto à qualidade das relações, seja entre os próprios indivíduos com HAS ou entre estes e os profissionais de saúde.

À convivência com os pacientes na unidade básica de saúde, nos domicílios e nas reuniões mensais. M3

À equipe do Programa Saúde da família (PSF). M4

Bom relacionamento criado com os hipertensos. M5

Ao trabalho realizado pela equipe do PSF. M6

 

Em relação ao preparo técnico-científico para o desenvolvimento de ações de educação em saúde, nove profissionais referiram possuir condições “satisfatórias”. No entanto, apontaram aspectos relacionados às condições de trabalho como fatores interferentes.

Acredito que preparo técnico-científico para a prática de ações educativas junto às famílias das pessoas com HAS até tenho, mas o que falta é disponibilidade de tempo, já que o enfermeiro assume muitas funções. Essas ações educativas são realizadas geralmente no domicílio da família. M4

Atribuo a minha resposta ao fato de ter que existir um conjunto, ou seja, médico com seus conhecimentos, e o paciente aceitar o tratamento. O grande problema são os pacientes aceitarem realizar o tratamento. E4

 

Contudo, outros três profissionais consideram que suas condições para a realização destas ações são “totalmente insatisfatórias”:

Deveria haver um incentivo maior para que os profissionais da área continuassem estudando e, assim, possuir mais argumentos para convencer sua comunidade. M2

Melhorar as condições de trabalho dos profissionais e aumentar a promoção da educação continuada destes profissionais. M1

Falta capacitação dos profissionais de saúde, independente do cargo que ocupa. M3

 

DISCUSSÃO

Pode-se inferir que os profissionais entrevistados concebem a educação em saúde como um objetivo a ser alcançado no sentido de tornar a população mais responsável por sua própria saúde, seja para promover saúde, prevenir doenças ou para controlá-las. Assim, considera-se que o conceito manifesto se restringiu à importância da prática educativa concebida como ação que antecipa e previne a doença. Isto pode demonstrar ausência de sentidos mais abrangentes da educação para saúde que, numa visão mais complexa, é um dos recursos pelo qual o ser humano pode exercitar sua cidadania, alcançar sua plenitude, principalmente em um mundo em que a saúde e a qualidade de vida alcançaram papel relevante na constituição do “self”.(9) 

Considerando que as ações educativas são apontadas pela Política Nacional da Atenção Básica como inerentes ao processo de trabalho das equipes de saúde, há de se repensar a relação com a integralidade do cuidado, especialmente na configuração da prevenção, promoção, manutenção e recuperação da saúde.

A integralidade compreende a superação da dicotomia entre o preventivo e o curativo, além de garantir acessibilidade do cidadão a todos os níveis de complexidade dos serviços/ações de saúde existentes, de forma ordenada e integrada na relação interinstitucional. Assim, corroborando as percepções dos profissionais, a abordagem do profissional de saúde não deve se restringir à assistência curativa, mas buscar dimensionar fatores de risco à vida e, por conseguinte, executar ações emancipatórias, nas quais se insere a educação para a saúde(8), que é capaz de tornar as pessoas livres e autônomas para suas decisões.

Seguindo o princípio da integralidade, as atividades educativas estão incluídas entre as responsabilidades dos profissionais da ESF.(10) Assim, os próprios profissionais precisam reconhecer essa especificidade de sua atuação, imbuídos de uma visão comprometida com a vida e não somente com a prevenção de uma doença ou complicação.

Ao prestar atendimento na concepção de integralidade, a pessoa que vivencia a HAS deve ser acolhida em sua totalidade com especial atenção às condições que lhes são peculiares, como orientação alimentar com respeito às necessidades e possibilidades pessoais, atenção ao local de moradia e espaço familiar.

Nos depoimentos de E5, E3 e M3, se identifica uma concepção de educação em saúde com ações voltadas exclusivamente a grupos de risco. Oposto a isso, a atenção à saúde deve ser integral, abarcando dimensões biológicas, psicológicas e sociais de toda população, não somente daqueles expostos ao risco de adoecer e morrer.

Os profissionais e a rede de serviços devem articular-se para garantir a oferta de intervenções em promoção de saúde, prevenção de doenças, cura e controle de agravos e reabilitação dos doentes, com priorização das primeiras em virtude da sua abertura para a vida, e não para a doença. A rede hierarquizada de serviços deve oferecer tecnologias, complementares entre si, em diversos níveis de complexidade, conforme a necessidade dos usuários. Em uma dimensão política, os setores do governo e da sociedade devem articular-se intersetorialmente em políticas que promovam a saúde, numa abordagem mais inclusiva do que aquelas que previnem agravos.(11)

Neste cenário se evidencia a importância de articular as ações de educação em saúde como elemento produtor de um saber coletivo que traduz no indivíduo sua autonomia e emancipação para o cuidar de si, da família e do seu entorno, corrigindo o agir em saúde fragmentado e desarticulado(9) Nesse sentido, faz-se necessário vencer a ideia tradicional de educação em saúde, para que os profissionais atuem com foco na saúde e não na doença. 

Os depoimentos de E3 e M3 representam as ações de educação em saúde que ainda objetivam a prevenção de enfermidades, centrando sua abordagem educativa na mudança de comportamento individual.(12) Dessa forma, percebe-se um desvio do conceito de educação em saúde que deveria estar ancorado nos preceitos de promoção da saúde, e não apenas relacionado ao risco de adoecer.(6)

Observação deve ser feita no que se refere à possibilidade de uma prática educativa culpabilizante quando a educação em saúde é entendida pelos profissionais como responsabilidade da população, conforme se identificou nessa pesquisa. Nesses casos, o profissional geralmente acredita estar socialmente investido de autoridade sanitária e pensa possuir, sob monopólio, o conhecimento verdadeiro e absoluto dos temas que envolvem saúde e doença. Dessa forma, impõe em nome de interesses maiores da coletividade o tipo de comportamento que os indivíduos devem assumir.(6)

A maioria dos entrevistados afirmou que todos os profissionais realizam educação em saúde. Este tipo de resposta pode constituir um ponto fundamental para a não efetiva utilização das ações educativas junto à população, pois nos remete à necessidade dos profissionais remodelarem seus conhecimentos em relação à educação para saúde. Isto porque, pautados neste modelo de concepção, correm risco de realizarem ações educativas resumidas em informações de saúde, transferindo para os sujeitos a responsabilidade pela mudança de comportamentos necessários, ignorando a existência de importantes fatores intervenientes, como condições socioeconômicas e cultural que dificultam o exercício da autonomia individual.(6)

Constatou-se que a prática de educação em saúde se resume a palestras e visitas domiciliares com orientações. Essas ações são relativas ao modelo tradicional de educação em saúde, caracterizado principalmente pela tentativa de mudar comportamentos individuais. Com esse intuito, é implementado um empreendimento educativo em que o educador é o detentor de saber e o educando - sujeito da ação educativa - alguém que vai passivamente apreender os conhecimentos ensinados.(12)

Contudo, entende-se que as pessoas precisam participar do cuidado de forma ativa, aprendendo a interagir entre si, com as organizações, com os profissionais de saúde e com o meio ambiente. O cuidado profissional precisa ser direcionado para proporcionar oportunidades para este aprendizado.(10) Assim, as visitas devem ocorrer de modo a representar um instrumento real de aproximação entre profissionais de saúde e as famílias - no sentido de apreender-lhe o contexto e o modo de vida e não meramente uma forma de atendimento clínico na casa do indivíduo.(13)

A presença de um indivíduo com hipertensão altera toda a dinâmica familiar e, em especial, os hábitos alimentares. A família deve constituir fonte de segurança e apoio ao hipertenso, de forma a incentivá-lo a aderir às recomendações terapêuticas, tais como a farmacológica e não farmacológica e, sobretudo, compreender e apoiar que a doença não modifica sua condição humana, apenas incrementa um novo modo de viver.

Interessante perceber que na visão destes profissionais da ESF, a família constitui um fator facilitador da assistência desconsiderando, inclusive, o caráter social da doença e sua relação com o comportamento familiar tanto para seu surgimento como para sua evolução. Quando o processo educativo começa a partir de uma reflexão crítica da família, buscando as causas e consequências para a condição de risco ou para o problema já instalado, torna-se mais fácil a delimitação de ações para o enfrentamento da doença. Assim, oportuniza-se a emancipação desses sujeitos.

Contrapondo-se a isto, percebe-se que as ações educativas, especificamente com as famílias, não acontecem, visto que apenas um dos participantes respondeu à indagação sobre como desenvolvem ações educativas com os doentes e suas famílias. Por esta razão, infere-se que os demais não se sentiram suficientemente à vontade para assumirem que não incluem a família nas práticas educativas. 
Diante dessa realidade, faz-se mister a reorientação profissional a partir da concepção de que as estratégias educativas em saúde, quando usadas de maneira participativa e interativa, facilitam a reflexão e consciência crítica das pessoas sobre sua condição de vida e saúde(12) permitindo o engajamento responsável de todos os membros da família.

As informações relativas ao estado clínico do paciente e seu tratamento, devem ser fornecidas de forma clara para que a família tenha condições de decidir o que considera benéfico ao familiar. Dessa forma, as orientações precisam ser compartilhadas, de maneira que facilitem a compreensão da família, de acordo com sua capacidade cognitiva e de enfrentamento.(14)

Ao referenciarem a importância de inclusão da família nas práticas educativas, de certa forma, corroboram com a concepção de educação em saúde como um recurso por meio do qual o conhecimento cientificamente produzido no campo da saúde, atinge a vida cotidiana das pessoas.(10)

Essa compreensão dos condicionantes do processo saúde-doença oferece subsídios para a adoção de novos hábitos e condutas de saúde, reforçando a relevância do trabalho educativo com as famílias.
As ações de educação em saúde, numa concepção ampliada de cuidado de saúde, requerem a participação do usuário na mobilização, capacitação e desenvolvimento de aprendizagem de habilidades individuais e sociais para lidar com os processos de saúde-doença, estendendo-se a concretização de políticas públicas saudáveis.(15)

Neste sentido, cabe aos profissionais de saúde envidar esforços para que as mudanças de comportamento para a saúde ocorram no contínuo processo de aprendizagem e participação dos usuários na forma do agir sobre si, na família e no entorno, possibilitando a transformação das pessoas em sujeito ativo e coletivo.(16)

Os depoimentos referentes às condições atuais de trabalho e ao preparo técnico científico para a prática de ações de educação em saúde reforçam a verticalização do saber, caracterizado pelo comportamento passivo dos educandos e centralização do saber pelos profissionais.

Tal condição avigora a importância de articular a formação de recursos humanos em saúde com as propostas de ações voltadas, na prática profissional, com a promoção da saúde, uma vez que essa sintonia faz-se essencial para o fortalecimento e consolidação do SUS, tornando cada vez mais concretos seus princípios e diretrizes.(15)

Outra constatação relevante se situa na percepção dos participantes quanto à forma de aprendizado profissional, entendido como aquele que se dá externo ao ambiente de trabalho, supostamente em cursos, capacitações e atualizações, desvalorizando o próprio trabalho como forma de aprender a fazer.

Aproximar a educação da vida cotidiana dos profissionais é reconhecer o potencial educativo da situação de trabalho. Em outros termos, no trabalho também se aprende. Essa premissa prevê transformar as situações diárias em aprendizagem, analisando reflexivamente os problemas da prática e valorizando o próprio processo de trabalho no seu contexto intrínseco.

Esta perspectiva, centrada no processo de trabalho, não se limita a determinadas categorias profissionais, mas a toda a equipe, incluindo médicos, enfermeiros, pessoal administrativo e todas as variantes de atores que formam o grupo. É no fazer acontecer concernente à educação permanente em saúde que o processo educativo acontece na práxis, favorecendo o desenvolvimento de práticas educativas para a visão de promoção da saúde e empoderamento, que possibilita ao indivíduo escolher entre as alternativas e as informações que lhes são apresentadas.(17)

Desvinculando-se da abordagem tradicional de ensino no aprendizado voltado ao trabalhador de saúde, a educação precisa ser considerada como um ato coletivo e solidário que não pode ser imposto; ou seja, lado a lado é que se aprende, e o educador não pode trazer pronto do seu mundo, o seu saber, o seu método(18), por isso a crítica aos cursos, capacitações e aperfeiçoamentos que geralmente acontecem alheios ao contexto do ambiente do trabalho.

Deve-se considerar que a educação continuada e a educação em serviço são valiosas ferramentas para a qualificação. Entretanto, é por meio da educação permanente que se aflora a criatividade contextualizada para a resolução dos problemas cotidianos das equipes. Não se deve, portanto, esperar apenas que cursos técnicos, capacitações em serviço ou outra modalidade de educação dos profissionais torne-os aptos para o trabalho, pois de fato o profissional nunca estará pronto, visto a própria dinâmica da produção de conhecimento.

Será na articulação da teoria e a prática, na criticidade do processo de trabalho, no aprender a ser, aprender a fazer, aprender a aprender e aprender a conviver junto que os conhecimentos serão construídos. A isso se propõe a educação permanente em saúde.(19)

Por outro lado, a visão acrítica da prática educativa, manifestada pela satisfação quanto às condições e preparo técnico-científico, sinalizam que não há um movimento intrínseco para a mudança. Esta só ocorre a partir do reconhecimento de uma situação-problema ou “situação-limite”(20), capaz de envolver as pessoas na busca pela superação de sua própria visão limitada, o que se concretiza em suas ações. Para Freire, olhar criticamente para as próprias ações permite entender a limitação na visão de mundo e, entendendo-se como ser inacabado, é possível buscar o conhecimento e modificar a própria prática.(19)

Dessa forma, reconhecer sua prática como uma demanda de aprendizado é projetar novos olhares e a busca de alternativas de solução; tal reconhecimento, entretanto, só acontecerá se houver estímulos, mediante a implantação de uma política efetiva de educação permanente que leve os profissionais à cultura da ação-reflexão cotidiana. Novas práticas pedagógicas podem se consolidar diante da apreensão das reais condições que favorecem o ensino-aprendizagem das questões de saúde junto à população, especialmente quando se trata de doença crônica.(20)

 

CONCLUSÃO

Apreende-se que a prática educativa existente nessas equipes é condizente com o ensino tradicional, centrado na doença, por meio de abordagem vertical de ensino-aprendizado. Esta prática não responde às atuais necessidades de corresponsabilização da população pela manutenção de sua saúde e de valorização da vida para além da doença. O profissional deve ampliar sua visão holística-ecológica, levando as ações educativas para dentro das famílias, empoderando-as para a emancipação.

Pela falta de clareza no sentido atribuído para a educação em saúde e como desenvolvê-la pelos participantes desse estudo, acredita-se que a educação permanente em saúde seria uma estratégia que colaboraria com a apreensão de uma nova percepção e ação da prática educativa.

Uma limitação do estudo reside no fato de os dados terem sido obtidos a partir de relatos escritos, ao invés de oral, o que permitiria que os participantes manifestassem mais livremente sobre suas concepções e práticas. Outra limitação foi o reduzido número de informantes, mas eles constituem a totalidade dos profissionais de nível superior que atuam no município e esta é a realidade da maioria dos municípios brasileiros, qual seja: a de que são estes poucos profissionais os responsáveis pela saúde da população no âmbito da Atenção Básica.

 

REFERÊNCIAS

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Teston EF, Costa MAR: participaram da concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual.
Baldissera VDA, Marcon SS: contribuíram com a concepção, análise e interpretação dos dados, revisão crítica do conteúdo intelectual e aprovação da versão final a ser publicada.

 

Recebido: 18/12/2012
Revisado: 12/06/2013
Aprovado: 05/09/2013