ARTIGOS ORIGINAIS

 

Gerenciamento de resíduos: estudo descritivo-exploratório no pronto-socorro de um hospital-escola

 

Paola da Silva Diaz1, Sabrina Gonçalves Aguiar Soares,1, Silviamar Camponogara1, Viviane Segabinazzi Saldanha2, Robriane Prosdocimi Menegat3, Gabriela Camponogara Rossato1

1Universidade Federal de Santa Maria
2Hospital Universitário de Santa Maria
3Hospital Santo Ângelo

 


RESUMO
Objetivo: Conhecer a visão de sujeitos atuantes no pronto-socorro de um hospital-escola sobre o gerenciamento dos resíduos hospitalares.
Método: estudo de abordagem qualitativa, do tipo descritivo-exploratório, realizado com 17 trabalhadores e estudantes da área da saúde, atuantes em um pronto-socorro. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e observação não participante, e analisados com base no referencial para análise de conteúdo.
Resultados: os dados revelam que os sujeitos possuem lacunas em termos de conhecimento sobre o tema, o que é influenciado por fatores como: falta de abordagem sobre o tema e questões relacionadas ao processo de trabalho em unidade de emergência, principalmente. A educação em serviço é apontada como estratégia para a busca do efetivo comprometimento com a causa ambiental.
Conclusão: a abordagem do tema durante a formação profissional e a educação permanente são caminhos para a busca da sensibilização dos trabalhadores em relação ao tema.
Descritores: Enfermagem; Meio Ambiente; Resíduos de Serviços de Saúde; Hospitais.


 

INTRODUÇÃO

A preocupação com a segregação de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS) é recente no âmbito das instituições hospitalares, e somente passou a ganhar a devida importância nas últimas décadas, com a aplicação de legislações específicas. A motivação para essa preocupação encontra justificativa a partir da constatação de que nos serviços de saúde é gerada, diariamente, grande quantidade de resíduos, que pode comprometer a saúde do trabalhador, das comunidades e do meio ambiente.

No contexto hospitalar, em especial, a preocupação com esses resíduos é ainda mais enfatizada uma vez que há consumo e rejeito de maior quantidade de produtos de uso médico-hospitalar, além de haver um considerável risco de contaminação, por germes patogênicos. Dessa forma, algumas legislações específicas buscam normatizar todo o processo de gerenciamento dos RSS, impondo, às instituições, além da obrigação por regulamentar esse gerenciamento, a de prover o treinamento dos profissionais ali atuantes.

O gerenciamento dos RSS constitui-se em um conjunto de procedimentos de gestão, planejados e implementados, sob bases científicas e técnicas, que objetiva minimizar a produção de resíduos, além de proporcionar aos resíduos gerados, um encaminhamento seguro e eficiente. Dessa forma, visa não só a proteção dos trabalhadores, como também a preservação da saúde pública, dos recursos naturais e do meio ambiente. Para tanto, o gerenciamento precisa abranger todas as etapas de planejamento dos recursos físicos, dos recursos materiais e da capacitação dos recursos humanos envolvidos no manejo dos RSS(1).

O processo de gerenciamento de RSS é divido em manejo interno e manejo externo ao estabelecimento de saúde, constituindo-se, basicamente nas seguintes etapas: segregação, acondicionamento, identificação conforme o grupo, transporte interno, armazenamento temporário, tratamento interno, armazenamento externo, coleta e transporte externo e disposição final(1). Cada etapa prevê a observância de regras específicas. Normalmente, esse processo de gerenciamento fica a cargo de serviços e/ou comissões específicos, no âmbito das instituições hospitalares, ou vinculado às comissões de controle de infecção hospitalar.

O fato de ser um processo que exige muitas adequações, por parte das instituições e trabalhadores, tem gerado algumas dificuldades no que tange à implementação dos planos de gerenciamento dos RSS. Além disso, o debate sobre questões relacionadas à preservação ambiental é recente na área da saúde, tornando-se difícil para os profissionais vincularem o seu trabalho com medidas protetoras ao meio ambiente. Estudo atual revela que uma série de questões intervém sobre a relação entre o trabalhador hospitalar e a problemática ambiental, sejam elas relacionadas ao contexto social contemporâneo, as concepções de saúde e meio ambiente, como a aspectos laborais específicos do setor hospitalar e da saúde, as quais interferem na realização de ações responsáveis com o meio ambiente(2).

Diante do exposto, a busca pela ampliação de discussões sobre o tema, entre trabalhadores hospitalares, com vistas à sensibilização sobre a importância do desenvolvimento de ações de preservação ambiental, no ambiente de trabalho, é fundamental. A abordagem de temas relacionados ao gerenciamento dos RSS constitui-se em estratégia que pode oportunizar reflexões importantes sobre a inter-relação trabalho hospitalar e preservação ambiental.

Para tanto, é imprescindível conhecer e compreender as especificidades de diferentes unidades que compõem a estrutura hospitalar, levando em consideração que as unidades possuem diferentes rotinas, o que pode interferir no comportamento dos profissionais. Dessa forma, embora o processo de trabalho na área da saúde tenha objetos e objetivos semelhantes, algumas peculiaridades oferecem conotações diferenciadas à atividade laboral, conforme o contexto em que se dá a prática de assistência à saúde. A contextualização do debate sobre o gerenciamento dos RSS em unidades de pronto atendimento, por exemplo, pode oferecer importantes subsídios para o debate sobre o tema, em cenários específicos de atuação profissional.

Uma unidade de emergência é permeada de condições laborais inerentes ao próprio ambiente e aos seres humanos que cuidam e são cuidados, que experienciam e vivenciam as relações humanas no processo de cuidar/cuidado, em um sistema organizacional hospitalar(3). Diversos fatores contribuem para tornar esses locais mais complexos, tais como: gravidade dos casos atendidos, necessidade de rapidez no processo de tomada de decisão por parte dos profissionais, questões relacionadas à superlotação, falta de leitos e de profissionais, dentre outros. Esse conjunto de fatores, obviamente, influencia na maneira como o cuidado a saúde é prestado pelos profissionais e, também, na forma como se comportam os profissionais diante de outras questões atreladas ao processo de assistência a saúde. Um dos aspectos que pode ser destacado, nesse sentido, tem relação com o gerenciamento de RSS.

Na expectativa de obter subsídios sobre essa questão, desenvolveu-se o presente estudo com base na seguinte questão de pesquisa: qual é a visão de trabalhadores e estudantes atuantes em um pronto-socorro sobre o gerenciamento dos resíduos hospitalares. O estudo tem como objetivo geral conhecer a visão de sujeitos atuantes no pronto-socorro de um hospital-escola sobre o gerenciamento dos resíduos hospitalares.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, do tipo descritivo-exploratória. A coleta de dados foi realizada com 17 sujeitos atuantes em um pronto-socorro de um hospital público do Sul do Brasil. Os dados foram coletados durante os meses de novembro e dezembro de 2011.

Tendo em vista a intencionalidade da amostra dessa pesquisa qualitativa, esta foi composta pelos sujeitos que vivenciam situações relacionadas ao fenômeno em estudo, sendo capazes de representar sua relevância. Dessa forma, buscou-se por aqueles que de alguma forma estão envolvidos no gerenciamento de resíduos.

Nesse sentido, foram entrevistados quatro enfermeiros, três técnicos de enfermagem, dois acadêmicos de enfermagem, três médicos, dois médicos residentes e três funcionários da limpeza. Constituíram em critérios de inclusão: estar atuando como estudante (bolsista de trabalho) ou trabalhador do local há mais de um ano. Já os critérios de exclusão foram: estar desenvolvendo aulas práticas ou estágio no setor, estar trabalhando há menos de um ano no local, estar em afastamento para tratamento de saúde ou férias. Por tratar-se de um estudo de natureza qualitativa, o encerramento da coleta de dados obedeceu ao critério de saturação de dados(4). Os dados foram coletados por meio de observação não participante e entrevista semiestruturada, com questões norteadoras acerca do tema investigado. A observação não participante ocorreu previamente a realização das entrevistas, por um período de 20 horas. A observação foi realizada em diferentes turnos, por dois pesquisadores previamente treinados, tendo como base um roteiro sistematizado para a coleta de informações, que visava apreender questões relativas à dinâmica do setor e comportamento de estudantes e trabalhadores sobre o tema investigado.

Para a realização das entrevistas, os sujeitos foram abordados durante seu turno de trabalho e questionados sobre o interesse em participar do estudo. Diante de uma resposta afirmativa, procedia-se o agendamento da entrevista. As entrevistas tiveram um tempo médio de duração de 20 minutos, tendo sido realizadas em local reservado, no cenário de trabalho do pesquisado. Todas as entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra pelos próprios pesquisadores. Para manter o anonimato dos sujeitos do estudo, os mesmos foram identificados de acordo com a (s) letra (s) inicial (is) do nome da atividade laboral exercida na instituição, seguidas de um número correspondente à ordem de cada entrevista, a saber: MR – médico residente; M – médico; E – enfermeiro; TE – técnico de enfermagem; AE – acadêmico de enfermagem; FL – funcionário da limpeza.

Na sequência, os dados foram analisados de acordo com o referencial proposto para análise de conteúdo(5). O Protocolo do Projeto de Pesquisa seguiu os princípios da Resolução Nº196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado pela instituição hospitalar estudada e por Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sob o nº 0256.0.243.000-11.

 

RESULTADOS

O processo de análise dos resultados do estudo originou algumas categorias as quais estão apresentadas a seguir, ilustradas com depoimentos dos sujeitos, além da interpretação dos achados.

Lacunas no conhecimento sobre o gerenciamento de resíduos e suas implicações sobre a prática
A fim de responder o objetivo desse estudo, os entrevistados foram questionados quanto a sua percepção sobre o processo de gerenciamento dos resíduos hospitalares. Sendo assim, ao discorrem sobre o tema, evidenciou-se que os depoentes possuem lacunas no conhecimento sobre o tema, resultando em uma abordagem limitada sobre esse processo. A vinculação do gerenciamento dos resíduos apenas a etapa de segregação foi recorrente entre os sujeitos, o que pode ser evidenciado a seguir:
O gerenciamento é a separação do lixo [...] então a pessoa tem que saber gerenciar aquele lixo [...] saber que tem vários tipos de saquinhos [...] (FL01).

Essa parte não é conosco a gente só separa o lixo, daí quem faz tem uma equipe que é responsável por isso e eles que determinam para onde vai, o que é feito do lixo hospitalar, eu não sei te dizer daí [...] (TE03).

Além disso, observou-se, no campo de pesquisa, que alguns sujeitos inseridos na unidade, aparentemente, não reconhecem os diferentes tipos de lixo, segregando erroneamente os resíduos. Os dados colhidos, por meio da observação demonstraram que as lixeiras para lixo comum e infectante são as mais utilizadas, e, muitas vezes, erroneamente. O recipiente para resíduos recicláveis é o menos utilizado no setor.
O depoimento a seguir, de um acadêmico de enfermagem, é ilustrativo dessa situação, evidenciando o desenvolvimento de ações automatizadas com relação à segregação dos resíduos hospitalares.

] a gente faz rápido numa emergência, tu meio que decora o lugar do lixo, então, decorando o lugar do lixo é muito automático: coloca aqui, coloca ali [...] (AE02).

Entretanto, destaca-se o depoimento de um profissional que se refere ao gerenciamento dos resíduos como algo que deva ser planejado e organizado, tendo um fluxo adequado em todos os estabelecimentos de saúde.

No âmbito hospitalar eu penso no planejamento e na organização do descarte desse material, tanto do lixo orgânico quanto do lixo hospitalar propriamente dito. Eu acho que é uma coisa necessária e que deva ter um fluxo adequado. [...] todos os estabelecimentos de saúde deveriam ter, para que todos soubessem para onde está indo o lixo usado (E04).

Assim, destaca-se que as instituições de saúde devem aprofundar a discussão sobre a organização e o planejamento do gerenciamento dos resíduos, não pautando esses apenas em preceitos normativos. Esse processo pode auxiliar na sensibilização dos trabalhadores que fazem parte da instituição, tornando-os cônscios das suas responsabilidades.

Fatores que influenciam no processo de segregação dos resíduos hospitalares
Outro aspecto levantado refere-se a fatores que possam influenciar no processo de segregação dos resíduos hospitalares. Alguns respondentes responsabilizam o fluxo de acadêmicos e novos funcionários pela má segregação dos resíduos hospitalares.

O problema é a educação com os nossos funcionários, quando eles chegam para trabalhar eles não sabem nada disso, e é falha também da instituição não propor. Eu vejo assim. E o maior problema é a quantidade de alunos que circulam aqui dentro: enquanto nós somos uns sete, oito funcionários com os enfermeiros e 10 com o médico eles são uns 50 que cruzam por turno aqui dentro, são vários grupos e aí vão lá ver o paciente, aí largam as luvas no lixo preto, no lixo azul. Eles não olham onde largam [...] (E01).

 

Vai muito de cada um, tem muita gente nos estágios que, acho eu, falta explicação, eles não sabem o que colocar em que. Os residentes colocam até campos de pano no lixo, jogam no chão. Eles também não sabem, eles deixam para a gente ou jogam tudo fora na lixeira ou tudo errado [...] (TE01).

Por outro lado, destaca-se também que, alguns sujeitos, culpabilizam a característica emergencial e o grande fluxo de procedimentos realizados no pronto-socorro, como um fator dificultador para a correta segregação dos resíduos.

] o que prejudica acho que é a falta de cuidado mesmo e, às vezes, está com pressa, não tem como. Quando tem alguém caindo da cama, acaba colocando no contaminado ou a falta de pessoal, porque tem lixo a todo momento. Então isso prejudica (TE02).

Outro fator que interfere no processo de segregação, que foi manifestado pelos depoentes e ricamente visualizado no processo de observação, tem relação com o posicionamento dos recipientes para segregação de resíduos. O depoimento a seguir é ilustrativo nesse sentido:

Aqui no hospital a gente não tem muito lixo, eu acho que a principal dificuldade que eu tenho é de achar os lixinhos brancos, o material contaminado tu passa no leito e não tem. Então tem que sair lá do leito para vir aqui no expurgo, para trazer uma gaze contaminada. Se eu tenho 20 leitos para ver, a gaze vai no primeiro lixo que está a frente. (MR01)

Frente ao exposto, pode-se inferir que o processo de gerenciamento de resíduos é complexo e envolve uma série de questões organizacionais, que vão desde a disposição das lixeiras até o destino final. Dessa maneira, torna-se premente a sensibilização dos trabalhadores quanto à temática ambiental, para que assim, sintam-se coparticipes desse processo, de modo a possibilitar o desenvolvimento de ações coerentes em relação ao assunto.

A superação de lacunas: a importância da educação em serviço
Os dados revelam que os sujeitos do estudo tiveram uma aproximação tímida com a temática, tanto no processo de formação profissional, como no ambiente de trabalho. Diante disso, os respondentes acreditam que determinados dispositivos poderiam auxiliar no processo de gerenciamento dos resíduos hospitalares. Dentre as questões levantadas estão a educação escolar e educação permanente, conforme depoimentos a seguir:

A escola que é um fator fundamental na educação. É necessário fazer uma ligação entre teoria e prática. De repente no momento que estamos recebendo os alunos ter uma normativa para gente seguir [...] Fazer um folhetinho para passar para os alunos, olha aqui funciona assim. E observar, se não fizer, baixar até mesmo as notas do estágio (E01).

 

] acredito que no curso já da pré-escola, ainda mais na escola primária, secundária, e na faculdade isso deveria ser assunto da maior importância por nós assim pautado (M01).

Em convergência com o exposto, ao manifestarem sugestões sobre o assunto, os entrevistados reiteraram a relevância de a instituição investir em educação permanente/continuada sobre o tema, para que, assim, os profissionais sintam-se mais sensibilizados para o desenvolvimento de ações de preservação ambiental, dentre elas as relacionadas ao gerenciamento de RSS.

O que eu sugiro é uma capacitação, de identificar, de pegar todos os materiais mais utilizados em clínica médica, clínica cirúrgica e fazer uma listagem e mostrar para o pessoal onde e qual é a importância de se descartar no lugar certo, quem é que recolhe aqui no hospital, se o resíduo reciclável vira renda para os catadores [...] não sei como é aqui [...] se vai para uma empresa se não vai [...] eu acho que falta uma capacitação para os profissionais e para os estudantes (AE01).

 

No caso, as lixeiras que deviam estar mais aproximadas, e foi pedido mais delas, porque tinha que caminhar muito para chegar. É deve ser tratado os lixos para ir para o esgoto. E também alguém vir dá uma palestrinha, dá uma orientação que a gente vai esquecendo também de algumas coisas com o tempo, aquela coisa de tá sempre pincelando, sempre dando uma puxadinha (TE02).

Com isso, percebe-se que há, por parte dos entrevistados, o desejo de ampliar debates sobre o tema. Diante do exposto, cabem reflexões sobre como se organizam e desenvolvem as ações de educação em serviço sobre o tema, destacando-se que, o processo de sensibilização requer o investimento em abordagens que ultrapassem a simples transmissão de conteúdos técnicos sobre o assunto. A temática ambiental requer abordagens integradoras que viabilizem a sensibilização dos sujeitos frente ao atual contexto de crise ambiental, o que, por sua vez, poderá ser um caminho para uma (re) orientação de valores e de condutas, com vistas ao desenvolvimento de ações ambientalmente corretas.

Responsabilidade ambiental na percepção do profissional da saúde
Quanto à percepção sobre sua responsabilidade, os participantes reiteram que tem papel fundamental como educares, servindo de exemplo para a equipe e para a população sobre os cuidados com o meio ambiente.

] orientar familiares, pacientes, colegas, para que façam o mesmo, para que o gerenciamento desses resíduos não fique só na invenção ou só no papel (E04).

 

Eu penso que a gente tem que dá o exemplo, eles vêem a gente, como agente da saúde. Como tem gente que diz: ah, o doutor não adoece, ele sabe. Eles cobram muito da gente. Acho que nós da saúde tínhamos que dar o exemplo, educar as pessoas para se cuidar; e o meio ambiente é o conjunto, da cultura, a gente tem que cuidar para o futuro (TE02).

 

E outro, como quem trabalha com saúde acaba sempre sendo um promotor de saúde de alguma forma, esse conhecimento básico pelo menos seria interessante, até para poder passar para equipe, para quem tu convive no atendimento, que estimule toda a equipe e eventualmente aquele que tu entra em contato no atendimento, que faça procedimentos mais adequados, ao ponto de vista de resíduos de meio ambiente. Acho que esta é a ideia que eu tenho de um profissional de saúde [...] eu acho que a responsabilidade de quem é da saúde também é ver essa interação de como um não prejudica o outro (M03).

Entretanto, alguns sujeitos, ao pensarem sobre esse assunto, relataram uma série de doenças que o ambiente pode causar, remetendo a sua responsabilidade questões como a educação sobre os cuidados com o ambiente, o descarte adequado dos resíduos e o cuidado com o adoecimento da população.

] ficar e levar isso para cultura e passar para os nossos filhos porque como a gente sabe que tem doenças, que estão relacionadas com o meio ambiente, da contaminação da própria água daqui um tempo vai tá tudo contaminado (TE02).

 

Eu acho que todos têm uma responsabilidade, talvez a nossa seja mais diretamente relacionada, porque algumas formas de contaminação a gente pode adoecer ou a gente pode adoecer mais ainda os outros pacientes [...] então eu acho que ela é maximizada, a gente pode ser um veículo de doenças, e não é esse objetivo, é o contrário (M02).

Conforme observado, alguns entrevistados ainda possuem um pensamento centrado no paradigma que prioriza o modelo biomédico, cartesiano, onde a relação saúde e meio ambiente resulta na incidência e prevalência de diversas doenças.

 

DISCUSSÃO

Os depoimentos demarcam que o gerenciamento de RSS não é visto como um processo amplo, que envolve várias etapas. Nesse sentido, o destaque é dado para a etapa de segregação, que, normalmente, é a que mais se vincula ao processo de trabalho dos sujeitos. Com isso, a compreensão de que esse processo é abrangente, que envolve vários aspectos e que traz diferentes impactos sobre o meio ambiente, fica prejudicada.

Diante do exposto, depreende-se que a visão fragmentada sobre esse processo e a falta de conhecimentos são fatores que contribuem para o insucesso do processo de segregação de resíduos, naquele setor. Dessa forma, a proposição de estratégias de reflexão a respeito das diferentes etapas do manejo de resíduos e sua repercussão para a sustentabilidade do ambiente e a saúde das pessoas é condição para a busca de maior comprometimento, por parte de estudantes e trabalhadores da saúde(6).

O caminho para solucionar esta questão seria o exercício do bom senso aliado a educação e ao treinamento dos profissionais de saúde e ao esclarecimento da população. A tomada de medidas, no contexto da biossegurança, congregando economia de recursos, preservação do meio ambiente, ética e responsabilidade poderão garantir mais qualidade de vida no presente e um futuro mais saudável para as próximas gerações(7).

O estudo, de uma maneira geral, revelou que os trabalhadores demonstram ter a percepção de uma necessidade de cuidado com o lixo hospitalar, na medida em que revelam ter noção de que este tipo de resíduo necessita de um tratamento diferenciado. Contudo, percebe-se, nos depoimentos, o desconhecimento sobre o destino dado aos resíduos hospitalares, demonstrando, também, a preocupação em saber se o encaminhamento é o mais adequado. Ressalta-se que a existência de dúvidas dessa natureza pode interferir negativamente nas atitudes de segregação dos resíduos. Sob esta ótica, ao não terem compreensão sobre todo o processo, em especial, sobre o destino dos resíduos, os sujeitos podem não valorizar a segregação, entendendo que sua ação seria ineficaz, já que não haveria um destino específico para cada tipo de resíduo ao final do processo.

Esse entendimento, por parte dos sujeitos, pode ter relação com uma visão de ineficácia no processo de segregação dos resíduos domésticos, como apontou outro estudo(8) realizado no município em questão, na medida em que não há coleta seletiva de lixo. Nesse caso, os dados revelam que os sujeitos, muitas vezes, não efetuam a segregação do resíduo doméstico, por entenderem que os resíduos, quando não recolhidos por catadores, são misturados no caminhão de coleta.

No que tange ao contexto hospitalar, pode-se destacar a existência de normas e rotinas acerca da segregação dos resíduos hospitalares, as quais podem ser decisivas para a manutenção de uma postura diferenciada entre os pesquisados. Ressaltamos que a instituição desenvolve algumas ações neste sentido, as quais passaram a ser mais sistematizadas a partir da elaboração e implementação do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, em 2005(2). No entanto, muitas ações são realizadas mecanicamente, talvez em razão do pouco conhecimento acerca do impacto que os resíduos causam ao meio ambiente, ou pelas características da atividade laboral exercida por esses trabalhadores e estudantes no contexto hospitalar, marcada pela normatização e rotinização(2).

Pode-se inferir que o desenvolvimento de ações automatizadas com relação à segregação dos resíduos hospitalares deve-se ao fato de os trabalhadores da saúde terem atividades bastante desgastantes e repetitivas. Estas acontecem geralmente de forma individualizada, incitando-os a um comportamento mecanicista, quase que de automatização, ao realizarem suas tarefas. Dados oriundos do processo de observação corroboram esse achado. Percebeu-se que os trabalhadores atuam com rapidez e agilidade, especialmente em função das peculiaridades do processo de assistência a saúde em unidades de pronto atendimento, o que resulta automatização do descarte desses resíduos, muitas vezes erroneamente segregados.

No estudo, evidenciou-se a importância de um adequado gerenciamento dos RSS em todos os estabelecimentos de saúde. No entanto, o que se destaca é que os trabalhadores e estudantes pesquisados preocupam-se com as etapas de segregação e destinação, em detrimento das outras fases também necessárias para o correto gerenciamento destes. Geralmente, o preparo dos profissionais para trabalhar com os resíduos oriundos das suas atuações é precário(6). Para que os profissionais tenham um melhor preparo, se faz necessária a implantação de políticas de gerenciamento de resíduos nos diversos estabelecimentos de saúde, objetivando a promoção da saúde e a qualidade do ambiente.

Evidencia-se que alguns participantes atribuem a segregação incorreta dos resíduos ao fato da instituição pesquisada ser um hospital-escola, onde, diariamente, passam muitos estudantes dos cursos da área da saúde, além de novos funcionários. Este fato pode ser verdadeiro, pois um hospital-escola caracteriza-se por ser um centro de atendimento hospitalar, cujo objetivo é participar nas atividades de formação e de investigação no domínio de ensino dos profissionais da área da saúde. E, por tratar-se de um pronto-socorro regional, o fluxo de pessoas é consideravelmente grande.

Ainda, ressalta-se que o processo de assistência à saúde, em uma unidade de pronto atendimento, é marcado pelo dinamismo. As inúmeras situações de urgência e emergência, sobrepostas por problemas de superlotação e falta de pessoal, resultam em um processo de trabalho que exige agilidade e rapidez na tomada de decisão. Esse é um fator apontado como de grande influência no processo de segregação de resíduos, na maioria das vezes, interferindo, negativamente, nesse processo.

Observou-se que, para os sujeitos do estudo, a educação adquirida durante a formação escolar, período onde se constrói o senso de cidadania, está refletida no ambiente laboral, sendo percebida como um instrumento facilitador do processo de gerenciamento de resíduos. Atualmente, no campo da saúde, o desenvolvimento da educação permanente tem se intensificado, a qual promove e produz sentidos, e sugere que a transformação das práticas profissionais esteja baseada na reflexão crítica sobre as práticas reais dos profissionais. Esta se dá através da realização do encontro entre o mundo de formação e o mundo de trabalho, em que o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho(9). Com isso, a educação em saúde aliada à educação ambiental colabora com esse processo ao desenvolver comportamentos ambientalmente sustentáveis, constituindo-se em um relevante instrumento a fim de oportunizar conhecimento, estimular a reflexão e o empoderamento de indivíduos e comunidades(10).

A ampliação da abordagem sobre os RSS nos cursos de graduação da área da saúde é considerada uma necessidade importante. Para tanto, deve-se ter informações sobre como fazer, sendo o espaço de formação um caminho que desenvolva a reflexão, problematização, crítica, articulação, comprometimento com a construção de sujeitos providos de posturas éticas, solidariedade, consciência cidadã e compromisso social, atuando de forma responsável para com o meio(6).

Figura-se ainda que a educação e o exemplo são fatores de maior importância na visão dos participantes no que tange à responsabilidade ambiental. No entanto, para isso, é imprescindível que estes sujeitos estejam sensibilizados em relação à importância de considerar os aspectos ambientais como parte do cuidado a saúde. Sendo assim, o processo de sensibilização deve ser gradativo, abrangendo diversas etapas. Sobretudo, é preciso que os trabalhadores e estudantes da área da saúde conheçam os benefícios que suas ações de preservação ambiental trarão, não apenas para o meio ambiente, mas também para si mesmos(2).

Nota-se que acadêmicos da área da saúde compreendem o impacto que o seu comportamento pode ter na vida das outras pessoas. Assim, quando pensam sobre sua responsabilidade ambiental, logo relacionam ao desenvolvimento de ações que serão percebidas pelas outras pessoas como exemplos de bom comportamento(10). Contudo, há aqueles que ainda possuem um pensamento associado ao modelo biomédico, para o qual a relação saúde e meio ambiente resulta na incidência e prevalência de diversas doenças.

Dessa maneira, pode-se inferir que estes sujeitos estão, de certa forma, distanciados da problemática ambiental, não estabelecendo uma relação direta desta com o seu processo laboral, bem como não conseguem visualizar o meio ambiente como um fator determinante e condicionante de saúde. Logo, o desafio da consciência ambiental pode ser aí incluído como um dos mais prementes(11). Nesse sentido, tornam-se pertinentes reflexões que possam auxiliar a construir novos significados para o trabalho em saúde com vistas ao despertar para a responsabilidade ambiental.

 

CONCLUSÃO

Por meio do presente estudo, foi possível identificar que os sujeitos do estudo, os quais atuam no pronto-socorro da instituição pesquisada, possuem um conhecimento relativamente fragilizado acerca do processo de gerenciamento dos resíduos resultantes da assistência à saúde prestada por eles, bem como desconhecem o destino final dos resíduos gerados. Pode-se inferir que alguns desenvolvem uma ação automatizada com relação à segregação dos resíduos hospitalares, o que os leva a não refletirem sobre o impacto que suas ações trazem tanto para o meio ambiente como para a saúde da população.

No que tange aos fatores que influenciam no processo de segregação dos resíduos hospitalares, os sujeitos apontam, como possível inibidor do processo, a característica emergencial do setor, o grande número de procedimentos realizados, bem como o grande fluxo de pessoas, acadêmicos, residentes e novos funcionários. E como facilitador, uma base escolar voltada para a formação da cidadania e o desenvolvimento da educação permanente no ambiente laboral.

Por fim, para que seja possível uma transformação das práticas profissionais, ressalta-se que uma educação permanente acerca do tema é uma necessidade entre os trabalhadores e estudantes da área da saúde. Um processo amplo de discussão sobre o tema é o caminho viável para a sensibilização dos trabalhadores, com vistas ao seu efetivo comprometimento com a causa ambiental.

 

REFERÊNCIAS

1. Ministério da Saúde (Brasil). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Manual de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.

2. Camponogara S. Um estudo de caso sobre a reflexividade ecológica de trabalhadores hospitalares. Florianópolis. Tese [ Doutorado em Enfermagem ]- Universidade Federal de Santa Catarina; 2008.

3. Baggio MA, Callegaro GD, Erdmann AL. Compreendendo as dimensões de cuidado em uma unidade de emergência hospitalar. Rev bras enfer. 2008; 61(5):552- 7.

4. Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas Cad Saúde Pública. 2008; 24(1):17-27.

5. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2007.

6. Corrêa LB, Lunardi VL, De Conto SM. O processo de formação em saúde: o saber resíduos sólidos de serviços de saúde em vivências práticas. Rev Bras Enferm. 2007; 60(1):21-5.

7. Moutte A, Barros SS, Benedito GCB. Conhecimento do enfermeiro no manejo dos resíduos hospitalares. J Health Sci Inst. 2007; 25(4):345-8.

8. Camponogara S, Erthal G, Viero CM, Diaz PS, Soares SGA, Peres RR. The perception of students of the area of health about the environmental problems: a descriptive study. Online braz j nurs [ Internet ]. 2012 Aug [ cited 2012 Sept 03 ] 11(2): 376-91.

9. Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.

10. Camponogara S, Soares SGA, Viero CM, Erthal G, Diaz PS, Peres RR, et al. Responsabilidade Ambiental na Visão de Acadêmicos da Área da Saúde. Rev enferm UERJ. 2012 Jan; 20(1):39-44.

11. Rios ERG, Barros FKM, Silva RM, Freitas AR, Carvalho CN. Senso comum, ciência e filosofia - elo dos saberes necessários à promoção da saúde. Ciênc saúde coletiva. 2007; 12(2):501-9.

 

 

Participação dos autores: Todos os autores participaram em todas as fases de elaboração do presente manuscrito.

 

Recebido: 13/11/2012
Revisado: 15/05/2013
Aprovado: 13/08/2013