ARTIGOS ORIGINAIS

 

Práticas de saúde sexual e contraceptivas em universitárias: um estudo descritivo

 

Adriana Lenho Figueiredo Pereira1, Lucia Helena Garcia Penna1, Eloá Carvalho Pires1, Dimona Carvalho Amado1

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro

 


RESUMO
Objetivos: Descrever as práticas de saúde sexual e contraceptivas das jovens universitárias e comparar as similaridades e diferenças destas práticas segundo a renda familiar.
Método: Pesquisa descritiva. A amostra investigada foi de oitenta jovens de uma universidade pública. Foi aplicado o teste qui-quadrado, nível de significância p<0,05, e o coeficiente de contingência modificado.
Resultados: As universitárias com menor renda iniciaram a prática sexual entre os 14 e 16 anos (53,3%), utilizaram o preservativo na primeira relação sexual (80%) e são usuárias de serviços públicos de saúde (66,7%). As jovens com maior rendimento começaram a vida sexual com 17 anos ou mais (64,7%), a primeira relação sexual foi mais desprotegida (35,3%) e são atendidas na rede suplementar (88,2%).
Discussão: O nível de renda familiar não influencia no acesso à saúde sexual e reprodutiva da amostra investigada.
Conclusão: Houve diferença para o tipo de prestador de serviço de saúde segundo a renda.
Descritores: Saúde da Mulher; Planejamento Familiar; Anticoncepção.


 

INTRODUÇÃO

A sexualidade dos jovens brasileiros sofrem influências dos determinantes sociais como educação, saúde, renda, cultura e gênero. A noção de que homens e mulheres têm diferentes interesses e necessidades sexuais gera um poderoso conjunto de crenças sobre a sexualidade feminina, que determina normas sociais e comportamento sexuais distintos para os homens e as mulheres(1).

Na cultura sexual brasileira há reforço dos estereótipos de gênero que dificultam a adoção de medidas preventivas à gravidez indesejada. As jovens têm mais dificuldades de negociar o uso do preservativo masculino por envolver os sentimentos de confiança do parceiro e o tempo de duração da relação(2).

A taxa de fecundidade brasileira teve progressivo declínio no final do século XX, consequente às transformações ocorridas na sociedade, sobretudo a difusão dos contraceptivos orais e a mudança do papel da mulher na sociedade contemporânea. Inicialmente, esta redução ocorreu nos estratos sociais mais favorecidos e, nas últimas décadas, nas demais classes sociais(3).

Após o ano 2000, houve declínio na fecundidade das brasileiras em geral, mas com uma queda menos significativa entre as jovens de 15 a 19 anos. Em 2000, este grupo etário correspondia a 22,5% das mães do total dos nascidos vivos. No ano de 2006, esta proporção decresceu para 20,6% das mães(3).

No Brasil, estima-se que a idade média de iniciação sexual seja em torno de 15 anos de idade. Entre os garotos, predomina a concepção de que o sexo é um instinto físico e volição incontrolável. As meninas adolescentes consideram que a iniciação sexual envolve a intrínseca relação entre amor, desejo e sexo(4).

O acesso ao planejamento familiar é um direito reprodutivo que deve ser assegurado para exercício da autonomia de se ter ou não filhos. Para tal, a rede de serviços de saúde deve disponibilizar assistência à concepção e contracepção como parte das ações que compõem a assistência integral à saúde e sem nenhuma restrição de gênero.

Em relação à saúde reprodutiva, há fatores sociais que podem interferir na assistência das jovens, como as desigualdades sociais no atendimento ginecológico. As mulheres das camadas populares e de menor escolaridade são as que se sentem mais envergonhadas durante a consulta e têm uma relação de poder desfavorável frente ao profissional que as atende nos serviços públicos de saúde(5).

As mulheres de maior renda e com maior nível de escolaridade, que são atendidas principalmente em serviços da rede suplementar, têm uma relação com o profissional de saúde menos assimétrica e a motivação da primeira consulta ginecológica está relacionada à obtenção de informações e adoção de práticas de prevenção(5).

A utilização de métodos contraceptivos está diretamente relacionada com o nível de instrução. O uso do preservativo é maior entre os universitários das séries iniciais, enquanto os estudantes do último período da graduação utilizam mais os contraceptivos orais. Esta mudança foi relacionada com relacionamentos amorosos mais estáveis entre os formandos(6).

Os jovens universitários tendem a adiar o início da vida sexual, que frequentemente coincide com o início da vida universitária, e nem sempre adotam métodos contraceptivos nas relações sexuais(6).

Essa característica comportamental também foi encontrada entre universitários americanos, que informaram relacionamentos sexuais casuais com diferentes parceiros e uso irregular de preservativos. Tais comportamentos são de risco para a saúde sexual e reprodutiva, exigindo da comunidade universitária o estabelecimento de estratégias educativas e de promoção da saúde para esses jovens(7).

Considerando essa problemática complexa, que é influenciada pelos determinantes sociais, como gênero, renda e escolaridade, foi proposto o presente estudo que objetivou descrever as práticas de saúde sexual e contraceptivas das jovens universitárias recém-ingressas no curso de graduação e comparar as similaridades e diferenças destas práticas segundo a renda familiar.

 

MÉTODO

Pesquisa descritiva e de abordagem quantitativa realizada em uma universidade pública do município do Rio de Janeiro, entre mulheres jovens recém-ingressadas em dois cursos de graduação, um da Área Educacional (AE) e o outro da Área da Saúde (AS). A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, parecer nº 042.3/2011.

O anuário estatístico dessa universidade, concernente aos dados de 2009, informava que a população era de 23.673 graduandos com matricula ativa em 32 cursos de graduação. Desta totalidade, 12.450 (52,6%) estudantes do sexo feminino, sendo que 4.276 (34,3%) beneficiárias do sistema de cotas.

Nessa universidade, a reserva de vagas ou cotas representam 45% do total de vagas disponíveis para os cursos de graduação e são destinadas aos acadêmicos de baixa renda comprovada, dos quais 20% são destinadas aos egressos das escolas públicas, 20% aos afrodescendentes e 5% aos indígenas e portadores de deficiência física ou filhos de policiais civis e militares, de bombeiros militares e de inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço.

A escolha dos cursos de graduação para a fase de coleta de dados foi baseada nesse anuário estatístico. No curso AE, as mulheres representam 84,6% dos alunos matriculados e no curso AS este grupo correspondeu a 80,6% A proporção de graduandos não cotistas do curso AE, cuja renda bruta familiar era de até três salários mínimos (s.m.), correspondeu a 28,09%, enquanto no curso de graduação AS esta proporção foi de apenas 6,45%. A predominância de mulheres e a disparidade no perfil de renda bruta familiar foram os critérios de seleção preliminarmente adotados.

De acordo com dados fornecidos pelas secretarias de ambos os cursos de graduação, encontravam-se matriculadas 322 alunas no primeiro e segundo períodos do curso AE e 48 alunas no curso AS. Portanto, o total de acadêmicas matriculadas no primeiro ano da graduação foi de 370 jovens universitárias.

Após essas delimitações, as participantes consideradas elegíveis deveriam atender aos seguintes critérios de inclusão no estudo: mulheres com idade entre 19 e 24 anos, regularmente matriculadas no primeiro e segundo períodos dos cursos de graduação, nulíparas e que já iniciaram a vida sexual. Foram excluídas do estudo aquelas que não estavam matriculadas, que tinham história de paridade e que não começaram a vida sexual.

As variáveis do estudo foram: perfil social, econômico e do acesso ao atendimento à saúde (idade, estado civil, cor da pele, local da formação escolar, renda familiar, principal fonte de recurso para o sustento, tipo de serviço de saúde utilizado, avaliação do acesso ao atendimento); saúde sexual (sexarca, uso de preservativo, realização de consulta ginecológica após início da atividade sexual, tipo de relacionamento sexual); práticas contraceptivas (tipo de métodos contraceptivos utilizados, local de aquisição do método, ocorrência de gravidez indesejada e interrupção voluntária da gravidez).

Foi utilizado questionário estruturado com 25 questões fechadas, cujos dados do teste piloto foram excluídos da pesquisa. Aplicaram-se 132 questionários, no período de agosto a novembro de 2011, sendo que 52 (39,4%) foram descartados em razão da resposta negativa para início da vida sexual.

Ao término dessa coleta, os dados foram armazenados em banco de dados informatizado. Posteriormente, foram tabulados e submetidos ao tratamento estatístico descritivo. A análise dos dados ocorreu a partir do teste qui-quadrado, sendo considerado o nível de significância p<0,05. Para verificar a associação entre variáveis categóricas, foi calculado o coeficiente de contingência modificado (C*). Este coeficiente varia entre o intervalo de zero a um. Os valores de C* próximos de zero indicam que a associação é fraca e os valores próximos de um denotam que a associação é forte. Os valores de C* em torno de 0.5 podem ser interpretados como associação moderada.

 

RESULTADOS

O total de jovens universitárias participantes da pesquisa foi de 80 (100%), correspondente à amostra investigada. Destas jovens, 56,3% era pertencente à faixa etária dos 19 aos 20 anos, seguidas daquelas com idade entre 21 e 22 anos (31,2%) e entre 23 e 24 anos (12,5%). Quase a totalidade era solteira (92,5%) e as demais unidas ou casadas. A maior parte (56,3%) das universitárias referiu ter cor da pele como branca. Este segmento foi seguido das que responderam que sua cor da pele era parda (22,5%), preta (18,7%) e amarela (2,5%). Também predominaram as universitárias egressas de escolas públicas (53,8%) no ensino médio em relação àquelas procedentes de escolas do seguimento privado.

Em relação à renda familiar, utilizou-se a referência do valor do salário mínimo nacional em 2011, R$545,00. A faixa de rendimentos ente três e quatro s.m. foi a que concentrou maior percentual de acadêmicas, 38,8%seguida das correspondentes aos rendimentos de cinco a seis s.m. (21,2%), de um a dois s.m. (18,8%) e de 7 a 8 s.m. (10,0%). As faixas de rendimento de nove a dez s.m. e mais de dez s.m. obtiveram as menores frequências, 5% e 6,2%, respectivamente.

Considerando a principal fonte de recursos para o próprio sustento, a proporção de universitárias que têm emprego formal foi próxima daquelas que recebem mesada familiar, 33,7% e 32,5%, respectivamente. Mas, quando estes dados foram estratificados pela faixa de renda familiar, houve maior diferença na distribuição das universitárias que dependem principalmente dos recursos providos pelos familiares. O segmento de jovens universitárias com renda familiar acima de seis s.m. concentrou 70,5% daquelas que se mantêm com estes rendimentos. Apesar destes resultados, não foi encontrada diferença estatística significativa entre o tipo de fonte de recurso e a renda familiar.

Houve disparidade na distribuição por faixa de renda familiar por tipo de serviço de saúde. O agrupamento com renda familiar abaixo de três s.m. concentrou aquelas que utilizam serviços da rede pública de saúde, correspondendo a 66,7%. Enquanto as universitárias com rendimento familiar acima de 6 s.m. são atendidas majoritariamente (88,2%) nos serviços de saúde conveniados aos planos de saúde. Houve diferença estatística significativa entre o tipo de serviço de saúde utilizado e a renda familiar.  

Considerando a avaliação do acesso ao atendimento nos serviços de saúde, a faixa de renda familiar menor que três s.m. foi a que concentrou maiores percentuais para o acesso avaliado como difícil (20%) ou muito difícil (20%). Entre as graduandas que consideraram este acesso como fácil, houve maior proporção no segmento de renda familiar acima de seis s.m. No estrato de renda de três a seis s.m. prevaleceu a avaliação do acesso como nem fácil e nem difícil, apesar da maioria (77,1%) ser consumidora dos serviços de saúde da rede suplementar. Não foi encontrada diferença estatística significativa entre os níveis de renda para a variável avaliação do acesso ao atendimento. Este conjunto de dados pode ser visualizado na tabela 1.

Foi verificado que 57,5% das jovens universitárias iniciaram a atividade sexual entre os 17 e 19 anos de idade. Na comparação por nível de renda familiar, o seguimento com renda familiar menor, abaixo de três s.m., foi que teve a sexarca mais precoce, entre 14 a 16 anos (53,3%).

Em relação ao uso do preservativo na primeira relação sexual, a maioria (73,8%) utilizou esta proteção. No entanto, o grupo de jovens com maior nível de renda familiar, acima de seis s.m., foi o apresentou maior percentual (35,3%) de sexo desprotegido na primeira relação sexual. Em todas as faixas de renda predominaram (73,7%) as universitárias que buscaram atendimento ginecológico ao iniciar a prática sexual. Não houve diferença estatística significativa entre as faixas de renda familiar, como pode ser visualizado na tabela 2.

Considerando o tipo de relacionamento sexual, a maioria (72,5%) tem parceiro fixo, seguida das universitárias que praticam sexo com parceiros casuais (8,7%) e com mais de um parceiro (2,5%). Entre aquelas cuja renda familiar é acima de seis s.m., houve maior proporção (17,6%) de jovens que realizam sexo com parceiros casuais, quando comparadas aos demais estratos de rendimento. Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre as faixas de renda investigadas. 

O método contraceptivo mais utilizado pelas universitárias é a pílula anticoncepcional (67,5%), seguido daquelas que não fazem uso de qualquer método (12,5%) e que utilizam o preservativo masculino (11,2%). O local de aquisição dos métodos contraceptivos foi principalmente a farmácia, correspondendo a 78,8%. Houve pouca variabilidade nos percentuais destes dados por nível de renda familiar, como pode ser observado na tabela 3.

Ao ser investigada a ocorrência de gravidez indesejada, apenas uma (1,3%) universitária respondeu afirmativamente. Esta universitária teve sua gestação interrompida, mas não necessitou de hospitalização decorrente do abortamento.

 

DISCUSSÃO

As desigualdades marcam o acesso ao ensino superior frente à democratização e equidade entre os segmentos étnicos que compõem a sociedade brasileira. Entre 1998 a 2008, a taxa bruta de escolaridade no ensino superior da população feminina brasileira subiu de 12,4% para 39,9% entre as brancas e de 4,1% para 20,0% entre as pretas e pardas. Apesar das políticas afirmativas no ensino superior e diante das lacunas acumuladas ao longo das gerações, esses indicadores denotam que o incremento do acesso de universitários com a cor da pele preta ou parda ainda é modesto(8).

Houve diferença no percentual encontrado (53,8%) de universitárias procedentes de escolas públicas em comparação com outros estudos. No perfil dos ingressantes dos cursos de Química, Biologia e Psicologia de uma universidade pública, nos anos de 2003 e 2004, foi encontrado apenas 14,3% de graduandos egressos de escolas públicas(9). Em outra investigação, os ingressantes no curso de enfermagem de duas universidades, uma pública e outra privada, nos anos de 2004 e 2005, apresentou percentual de 46% de alunos egressos do sistema educacional público(10).

A saúde é um direito constitucional no Brasil. O Sistema Único de Saúde (SUS) é política pública de caráter universal, que é composto por dois subsistemas, o público e o privado ou suplementar.

Recentemente, houve significativa incorporação de famílias brasileiras ao segmento da classe média e ampliação do subsistema suplementar. O número de brasileiros com plano de saúde atingiu 49,1 milhões em 2008, o equivalente a 26,3% da população do país. Em domicílios com rendimento per capita de até ¼ do salário mínimo, apenas 2,3% eram beneficiários de plano de saúde. Entre o segmento com renda acima de cinco salários mínimos, o percentual de beneficiários foi de 82,5%(11).

Essa tendência de abdicação do direito à saúde pelas famílias de classe média, para serem consumidoras de planos de saúde, foi identificada entre as universitárias investigadas. Houve predomínio na utilização dos serviços conveniados aos planos de saúde nas faixas de maior rendimento familiar. Apesar disso, a garantia de acesso facilitado ao atendimento à saúde parece não ser uma consequência direta.

A escolarização tem impacto sobre o processo saúde-doença, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva. Sabe-se que o maior número de anos de estudo está relacionado com a postergação das uniões conjugais entre as mulheres, o uso frequente de métodos anticoncepcionais de alta eficácia e a menor tendência da ocorrência de gestações não planejadas(12).

Em 2005, a proporção de jovens na faixa etária entre 16 e 19 anos que já tiveram relação sexual foi de 61,6% e a idade média de início da vida sexual foi de 14,9 anos. Entre as mulheres, essa proporção foi de 55,2%, mantendo-se a tendência observada em estudos anteriores, de que elas optam pelo início mais tardio de sua vida sexual(13).

Essa tendência de postergação da vida sexual também foi observada entre as jovens universitárias investigadas. Pesquisa realizada entre graduandos de uma universidade pública encontrou a proporção de 46,5% de mulheres que não tinham iniciado a vida sexual. Entre os homens, esta proporção foi menor, 20,1%. Considerando os graduandos com vida sexual ativa, o início da atividade sexual ocorreu com idade média de 17,5 anos entre as mulheres e 13,0 anos entre os homens(14). Tal diferença pode ser atribuída à influência dos papeis de gênero na sexualidade, que determina atitudes e práticas distintas para homens e mulheres.

Em estudo realizado em 2005, o uso de preservativo na primeira relação sexual foi adotado por 62,5% das moças de 16 e 19 anos(13). No presente estudo, a proporção encontrada foi de 73,8% entre as jovens universitárias. A utilização dessa proteção na primeira experiência do sexo é considerado um bom fator de predição para a continuidade de sua utilização nas relações sexuais subsequentes(15).

No entanto, o uso do preservativo na primeira relação sexual pelas jovens universitárias não foi diferenciado entre as faixas de renda familiar. Este achado foi diferenciado ao observado em outra investigação, que encontrou maior frequência desse comportamento entre jovens mais escolarizados e com maior nível de renda familiar(13).

Nas primeiras relações sexuais há predominância do uso de preservativo masculino pelas universitárias. Mas, nas últimas relações sexuais há aumento do uso de anticoncepcional oral, indicando que esta mudança envolve a ocorrência de relacionamentos mais estáveis(16). Tal achado denota que há maior enfoque na prevenção da gravidez do que das doenças sexualmente transmissíveis (DST) nesse tipo de relacionamento, constituindo-se um fator de risco para a saúde sexual.

No contexto do namoro em relacionamentos heterossexuais, há uma representação de que essa relação se pauta no compromisso, na confiança e na fidelidade, sobretudo para as mulheres que têm menor poder de negociação do uso do preservativo frente ao seu parceiro fixo.

Essa correspondência entre relacionamentos mais estáveis e o uso do contraceptivo oral também foi observada no presente estudo. As proporções encontradas nos dados referentes ao relacionamento sexual com parceiro fixo e ao uso de pílula anticoncepcional foram semelhantes em todas as faixas de renda familiar.

Nos países desenvolvidos há associação entre a renda familiar e o acesso ao atendimento à saúde. Há evidências de que as mulheres americanas com baixo status socioeconômico apresentam disparidades nos cuidados de planejamento familiar. No acesso aos serviços que prestam estes cuidados foram verificadas importantes desigualdades raciais, étnicas e socioeconômicas(17). As jovens universitárias estudadas têm acesso ao atendimento ginecológico, sejam nos serviços de saúde públicos ou conveniados aos planos de saúde.

No Brasil, a atenção ao planejamento reprodutivo ainda está vinculado à assistência materno-infantil. Em serviços de saúde investigados no estado do Rio de Janeiro, o encaminhamento a este planejamento favoreceu prioritariamente as mulheres em atendimento pré-natal e no pós-parto. Não foi observado o mesmo esforço político-assistencial para as mulheres fora do período gravídico-puerperal ou que tenham dificuldades para engravidar. Essa mesma lógica é adotada no atendimento das adolescentes, cujos profissionais realizam cuidados voltados para o planejamento reprodutivo especialmente quando a jovem chega à unidade em busca da assistência pré-natal(18).

O acesso e a qualidade do atendimento para o planejamento reprodutivo são primordiais para garantir os direitos sociais das mulheres e promover a autonomia sexual e reprodutiva. Nesta perspectiva, a baixa penetração das ações programáticas ministeriais faz com que o atendimento individual e curativo tenha possibilidades restritas de atingir estes objetivos.

Além disso, o atual cenário econômico liberalizante influencia no modo pelo qual os cuidados de saúde são oferecidos. As universitárias obtêm os métodos de controle de fertilidade principalmente nas farmácias e não nos serviços de saúde, o que pode ocasionar inadequação no uso destes métodos e ocorrência de gravidez indesejada.

Estima-se que a taxa anual de aborto induzido é de 2,07 por 100 mulheres entre 15 e 49 anos no país, sendo que a faixa etária com maior representatividade é de 20 a 29 anos, com percentuais que variam de 51% a 82% do total de mulheres que tiveram este tipo de aborto. Entre as adolescentes, ocorre entre 7% e 9% do total de abortos praticados por mulheres em idade reprodutiva. A maior parte dos casos acontece no segmento de 17 a 19 anos(19).

Estudos com adolescentes puérperas indicam que entre 12,7% e 40% tentaram o aborto antes de decidir dar prosseguimento à gestação, que 25% destas adolescentes haviam engravidado novamente um ano após o aborto e que 70% daquelas que levaram a gestação a termo haviam abandonado a escola(19).

Neste estudo, apenas um caso (1,3%) de gravidez indesejada foi identificado, que resultou em abortamento sem hospitalização decorrente. Possivelmente, este caso não foi incorporado às estatísticas oficiais de saúde por ter ocorrido em ambiente à margem do sistema de saúde. Por outro lado, a abordagem e a investigação desse tema são problemáticas pelo fato de ser uma prática velada em nossa sociedade. Desenhos metodológicos mais sensíveis e com base populacional são necessários para garantir a fidedignidade dos resultados e da aferição de sua prevalência entre as jovens universitárias.

 

CONCLUSÃO

As jovens universitárias deste estudo são predominantemente solteiras, têm a cor da pele branca e são oriundas de famílias com rendimento familiar de três ou mais salários mínimos. Elas iniciaram sua vida sexual entre os 17 e 19 anos, usaram preservativo na primeira relação sexual, têm parceiro fixo e utilizam como método contraceptivo a pílula anticoncepcional.

Constatou-se diferença significativa entre o tipo de serviço de saúde utilizado e a renda familiar. As jovens de menor renda são usuárias dos serviços públicos de saúde e aquelas de maior renda utilizam serviços conveniados aos planos de saúde. Esta diferença por tipo de prestador de serviço não influenciou no acesso ao atendimento ginecológico após o início da vida sexual, no tipo de relacionamento sexual adotado e no uso de método contraceptivo.

Os resultados da pesquisa fornecem indícios preliminares de que os determinantes sociais e de gênero devem ser considerados nos estudos acerca da saúde sexual e reprodutiva e pelos profissionais de saúde que prestam cuidados em planejamento reprodutivo aos jovens universitários. Tal consideração é necessária em virtude da crescente expansão da educação superior no país.

Também alerta a comunidade universitária para a necessidade de promover atividades educativas para prevenção de riscos e agravos à saúde sexual e reprodutiva dos graduandos. Nesse sentido, os docentes e discentes de enfermagem podem dar significativas contribuições para a promoção da saúde desses jovens por meio das atividades de extensão no âmbito dessa comunidade.

Cabe ressaltar que os resultados da pesquisa não podem ser generalizados em virtude de serem restritos aos grupos estudados e ao local em que foi realizada. Também houve limitações relacionadas à indisponibilidade de dados relativos à idade ou à faixa etária da população de alunas matriculadas no anuário estatístico consultado.

Novas pesquisas são necessárias para ampliar o conhecimento sobre o tema, elucidar as questões não esclarecidas pelo estudo e avançar na produção de dados pertinentes à saúde sexual e reprodutiva nesse segmento populacional.

 

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Recebido: 09/27/2012
Revisado: 11/04/2013
Aprovado: 01/12/2014