ARTIGOS ORIGINAIS

 

Nível de ruído da unidade de terapia intensiva pediátrica: estudo observacional correlacional

 

Fernanda Maria do Carmo da Silveira Neves de Oliveira1, Márcia Barbosa de Paiva1, Maria Aparecida de Luca Nascimento1, Vivian Marinho Rezende1, Alexandre Sousa da Silva1, Carlos Roberto Lyra da Silva1

1Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

 


RESUMO
Objetivo: Medir o nível de ruído na unidade do cliente em terapia intensiva pediátrica e discutir suas consequências sobre as ações profissionais.
Método: estudo observacional correlacional, realizado na unidade de terapia intensiva pediátrica de um hospital federal do Rio de Janeiro. Realizou-se medição do nível de ruído por decibelímetro DEC-460, por 5 dias e 5 noites não consecutivos, em 5 horários distintos. Após análise descritiva dos dados, realizou-se um estudo de regressão linear.

Resultados: Identificou-se uma média de 62,64dBA, com desvio padrão de 6.893dBA e pico de 82,5dBA, no período diurno. A regressão linear identificou que 44% da variabilidade do ruído explica-se pelas covariáveis.
Discussão: Os níveis de ruídos identificados excederam recomendações de órgãos nacionais e internacionais. Identificaram-se as ações e interações profissionais como as principais fontes de ruído.
Conclusão: Existe necessidade imperiosa de repensar esse ambiente e estabelecer estratégias educacionais para redução de ruídos, tornando-o mais seguro e saudável.
Descritores: Ruído; Enfermagem Pediátrica; Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica.


 

INTRODUÇÃO

A unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP) é preparada para o atendimento à criança grave, com faixa etária entre 29 dias e 18 anos incompletos, que requer uma assistência imediata e especializada, com o objetivo precípuo de salvar a vida e devolver a criança ao convívio social com nenhuma ou o menor número de sequelas possíveis. Para que essa assistência tenha êxito são necessários modernos equipamentos de monitorização e suporte à vida, bem como uma equipe multidisciplinar(1), responsáveis por um elevado fluxo de profissionais e inúmeros estímulos. Todavia, embora esse ambiente tenha seus benefícios comprovados no restabelecimento da saúde da criança, este possui também seus efeitos negativos, de caráter físico e psicológico. Este conjunto aliado à complexidade inerente à unidade é geradora de estresse para os pacientes, familiares e profissionais, sendo os elevados níveis de ruídos um dos seus causadores(1,2).

Elevados níveis de ruído podem causar estresse, alterações psicológicas e alterações do sono. As alterações psicológicas envolvem distúrbios comportamentais, resultado das respostas fisiológicas ao estresse, que podem inclusive interferir na avaliação da sedação do paciente(2). Os efeitos fisiológicos se iniciam a partir de 65dBA, quando o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal é sensibilizado em adultos. Nessa condição ocorre a secreção de elevados níveis de adrenalina, noradrenalina e corticosteroides, com consequente elevação da pressão arterial, alterações do ritmo cardíaco e vasoconstricção periférica, além de interferir na avaliação da sedação em pacientes graves(2).

O ruído pode provocar alterações em todos os sistemas do organismo; interfere no trabalho, descanso, sono e comunicação; além de prejudicar a audição e provocar reações fisiológicas e psicológicas(3). O nível de ruído elevado é especialmente prejudicial para crianças, lactentes e recém-nascidos, que possuem maior risco de desenvolver distúrbios comportamentais relacionados ao estresse(3). Os efeitos psicológicos estão atrelados a natureza do som, no entanto ruídos intensos podem afetar a personalidade da criança e reduzir sua capacidade de enfrentamento(3). Além disso, o ruído excessivo possui interferência direta no sono gerando insônia, que possui relação com a imunossupressão, síntese inadequada de proteínas, confusão, irritabilidade, desorientação, falta de controle e ansiedade, consumindo a energia necessária para o processo de restabelecimento da saúde(3).

Diante da interferência do ruído elevado na saúde física e psicológica da criança o objetivo desta pesquisa foi medir o nível de ruído da unidade do paciente internado em um Setor de Terapia Intensiva Pediátrica e discutir as consequências dos ruídos ambientais sobre as ações profissionais.

 

MÉTODO

Este estudo observacional correlacional foi realizado em uma UTIP de seis leitos, de um hospital federal, referência na área materno-infantil, voltado para a assistência, ensino e pesquisa. Os dados foram obtidos no período de 19 de maio a 09 de junho de 2011. A unidade utilizada para a mensuração dos dados possui uma área de 77,17m2 e apresenta característica mista, ou seja, é constituída por quatro leitos em área comum, com divisórias laváveis (cortinas) e dois leitos em área fechada (boxes) com painéis de vidro. Desses boxes, um não tem porta e no outro, a porta só é mantida fechada em caso de isolamento respiratório. Os painéis de vidro facilitam a visualização das crianças e, por consequência, aumenta a capacidade de observação e vigilância. Ainda na área de internação, localizada em um plano superior e recuado, encontra-se o posto de enfermagem. O mesmo não possui central de monitorização, impedindo que os alarmes dos equipamentos sejam programados em um nível sonoro mais ameno.

As portas da UTIP não possuem trava e o piso é emborrachado, próprio para ambiente hospitalar, minimizando o ruído emitido a partir da movimentação de pessoal. Compondo a unidade, existem diversos equipamentos indispensáveis à prestação da assistência ao paciente crítico e ao uso da equipe multiprofissional, que apesar de importantes, são fontes produtoras de ruídos. Entre esses equipamentos, destacam-se: computadores, telefone, televisão, micro system, monitores multiparamétricos, desfibrilador, oxímetro, capnógrafo, monitor transesofágico, ventiladores diversos, aspiradores a vácuo e oxigênio. Ademais, a unidade conta com bombas infusoras, bala de oxigênio de transporte, maca, balança, aparelhos medidores de gases, aparelho de Raio X, equipamentos de limpeza como lavadora e enceradeira, além dos aparelhos celulares dos profissionais que atuam no setor. O croqui simplificado da planta física da unidade pode ser visualizado na Figura 1.

A equipe multiprofissional da unidade é composta por enfermeiros (staffs, residentes, capacitandos e especializandos), técnicos de enfermagem (staffs e capacitandos), médicos (staffs e residentes) e um fisioterapeuta, totalizando no setor, simultaneamente, cerca de 20 profissionais durante plantão diurno e sete durante o plantão noturno. Vale ressaltar a presença de outros profissionais, de forma não contínua, tais como terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo, técnicos de radiologia e especialistas diversos, além da presença de familiares e visitantes dos pacientes.

Para obtenção dos dados e a fim de evitar erros aleatórios, foi realizada a padronização do método de aferição e treinamento das observadoras (duas enfermeiras pertencentes ao quadro de funcionários da UTIP). Os níveis de pressão sonora (NPS) foram obtidos com decibelímetro modelo DEC-460, com medida em decibéis ponderados (dBA), calibrado e fabricado conforme as especificações da Internacional Electrotechnical Commission (IEC) de número 60651. Esta referência é adotada pela NBR 10152(4) da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Pela impossibilidade de posicionar o decibelímetro no centro das salas e a 1m do teto, (conforme preconiza a literatura)(4), devido ao grande fluxo de profissionais, rotina específica do serviço e disposição física da área, optou-se pela aferição individualizada nos seis leitos, ou seja, em cada unidade do paciente. A aferição foi realizada de forma não concomitante, em virtude da existência de apenas um decibelímetro. A seleção dos locais de aferição foi realizada a partir da planta física da unidade, obtida pelos pesquisadores. A escolha desses pontos visou à obtenção de informações que pudessem refletir o nível de ruído ao qual a criança estava sendo submetida.

As coletas foram realizadas por cinco dias não consecutivos em três horários no período diurno (8h, 12h, 16h) e em dois horários do período noturno (23h e 4h), totalizando 150 medidas. Os horários foram preestabelecidos com a finalidade de medir níveis de pressão sonora em horários com atividades distintas (horários de picos de atividades de rotina versus horários de observação), buscando o maior número de dados possível. Os dados numéricos (dBA), as atividades desempenhadas pelos profissionais e as fontes (equipamentos, ações e interações de pessoas) que produziam ruído no momento da coleta foram registrados em diário de campo construído pelos pesquisadores. Para que os resultados fossem obtidos sempre no mesmo local, estabeleceu-se como ponto de medição a interseção obtida a uma distância de 30 cm do lobo da orelha do paciente e a 20 cm do colchão do leito.

O período da coleta e a sequência com que esta se realizou (dias não consecutivos) foram definidos pela disponibilidade das enfermeiras observadoras e pelo pouco tempo disponível, em virtude de obra previamente agendada na unidade com previsão de duração de um ano, o que impedia a coleta de dados.

Após análise dos dados obtidos, foi ajustado um modelo de regressão linear múltipla tendo o NPS como variável resposta. Todas as variáveis significativas ao nível de 10% no modelo univariado foram incluídas no modelo múltiplo. As variáveis que permaneceram significativas ao nível de 5% foram mantidas no modelo final. A estratégia utilizada de modelagem foi “stepwise-Backward” não automática. As suposições do modelo de regressão linear múltipla (normalidade e independência dos erros e homedasticidade da variância) foram verificadas por meio da análise dos resíduos.

Para avaliar a multicolinearidade foi utilizado o Fator de Inflação da Variância (VIF), em que valores de VIF>10 foram considerados multicolineares(5). Como resultado do ajuste do modelo de regressão foram apresentadas as estimativas, o erro padrão que mede a incerteza destas estimativas e o p-valor que indica a significância da covariável. Em todas as análises foi considerado o nível de significância de 5% (p-valor≤0,05). Todas as análises e gráficos foram realizadas no programa R(5) versão 2.15.1.

O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da referida instituição, sob o número 0021.0.008.000-11. Ressalta-se que o referido estudo é parte integrante dos Projetos de investigação em andamento de duas autoras no Curso de Mestrado em Enfermagem e de Doutorado em Enfermagem e Biociências, ambos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

 

RESULTADOS

O NPS da UTIP variou entre 44,1dBA e 82,5dBA incluindo os períodos diurno e noturno, com média de 62,64 dBA e desvio padrão de 6.893dBA. O pico de ruído ocorreu às 16h, na unidade do paciente 1 (localizado ao lado do posto de enfermagem), com 82,5dBA medido durante a presença de quatro profissionais que prestavam assistência. Este leito também foi que apresentou o segundo maior NPS, (78,8dBA), cuja mensuração foi realizada às 23h. Em uma medição extra, durante a admissão de uma criança em pós-operatório de transposição gástrica, foi obtido o valor de 79dBA, decorrente da comunicação de profissionais, móveis sendo arrastados e equipamentos alarmando. Esse valor não fez parte da análise estatística dos dados, pois foi mensurado naquele momento apenas para comparação com os demais valores obtidos.

Os níveis de ruído mais elevados foram observados nas unidades dos pacientes 1, 2, 3 e 4 que são as mais próximas ao posto de enfermagem, que é utilizado por quase toda a equipe multidisciplinar, não somente pela equipe de enfermagem. O posto de enfermagem é utilizado para o preparo de medicações, anotações das equipes médicas e de enfermagem (e outros profissionais quando necessário). É também o local onde está localizada a televisão e o telefone da UTIP. O Gráfico 1 mostra o Box-plot do nível de pressão sonora encontrada para cada unidade do paciente.

O Gráfico 1 mostra que as unidades do paciente 5 e 6, utilizados como boxes de isolamento, tiveram a maior variação de valores e a menor mediana. Estes boxes são os mais afastados fisicamente do posto de enfermagem e acomodam, na maioria dos casos, os pacientes de menor complexidade clínica devido ao pouco espaço. Este fato dificulta o uso de muitos equipamentos em concomitância com a presença da equipe multiprofissional que precisa se locomover nas unidades para prestação da assistência. Com a redução da complexidade clínica do paciente e do número de equipamentos em uso nessas unidades do paciente, verifica-se que o número de procedimentos e ações desempenhadas pela equipe multiprofissional é menor do que em outros pacientes. Com isso, observa-se também uma redução na mediana do NPS dessas unidades em relação às demais, o que suscita reflexão acerca da influência dos ruídos oriundos dos profissionais durante as atividades assistenciais diárias. Ainda assim, as unidades em questão sofrem influência do ruído externo, pois ambas possuem janelas, que, embora permaneçam fechadas, permitem a entrada do ruído do corredor do hospital para a unidade do paciente.

Outro valor extremo que nos chamou atenção na unidade 1 (78,8dBA) ocorreu às 23h, durante o uso da enceradeira pela equipe de limpeza associado à conversas de profissionais em tons elevados. Da mesma forma, na unidade 3, se identificou um alto valor (78,3dBA) durante o choro de um lactente internado na unidade cujos ruídos estavam sendo mensurados.

No Gráfico 2, identificou-se que o NPS variou com o horário da coleta, apresentando níveis maiores ou menores, que acredita-se ter relação com o número de profissionais presentes na UTIP nos diferentes horários considerados.

Verifica-se no Gráfico 2 que os horários que apresentam os maiores valores de ruído são os de 8h e 16h, que são os momentos em que não há rotinas preestabelecidas no setor, nos quais os profissionais podem estar ou não desempenhando algum tipo de atividade na unidade do paciente. No entanto, as medianas permanecem acima de 60dBA, demostrando que a UTIP, enquanto espaço físico, apresenta um nível de ruído elevado, amenizando-se apenas no horário da madrugada (4h), que apresentou média de 56,12dBA.

Com base nas características da unidade e na existência de variáveis que podem possuir algum tipo de interferência na produção do ruído, foi produzido pelos pesquisadores um agrupamento que enumerou, entre outras, uma variável chamada “profissionais”. Esta variável foi composta pelas atividades demonstradas no Quadro 1 .

A variável “profissionais” apresentou uma clara distinção nos valores do ruído, conforme visualizado no Gráfico 3 . O gráfico foi representado pela ausência ou presença de eventos relacionados com a variável “profissionais”.

Por meio do Gráfico 3, notou-se uma relação entre o aumento do número de eventos relacionados aos profissionais e o aumento da mediana do ruído, ultrapassando os 70dBA, mantendo-se bastante concentrado em níveis elevados. Ainda pode-se observar que, mesmo na ausência de eventos relacionados a esta variável, a unidade do paciente atingiu níveis de pressão sonora elevados chegando a alcançar patamares de quase 80dBA.

A análise exploratória permitiu identificar que o NPS é influenciado pelas covariáveis: horário, unidade do paciente e atividade dos profissionais (Gráficos 1, 2 e 3), enquanto que a modelagem permitiu quantificar esta influência .

De acordo com os resultados do modelo de regressão linear múltipla, considerando como variável resposta o NPS (dBA) e como covariáveis os horários, a unidade do paciente e o número de eventos da variável “profissionais”, conclui-se, por meio do Coeficiente de Determinação (R2 = 0.4368), que cerca de 44% da variabilidade do nível de pressão sonora é explicado pelas covariáveis.

Pela inspeção visual do qq-plot dos resíduos e do gráfico de dispersão entre os valores ajustados e os resíduos (gráficos não mostrados), considerou-se que as suposições de normalidade, homocedasticidade e independência dos erros foram satisfeitas. Além disto, o VIF apresentou todos os valores menores que 10, concluindo-se que não existe multicolinariedade. Desta forma, todas as suposições do modelo de regressão multivariada foram satisfeitas. A Tabela 1 apresenta os resultados do modelo de regressão linear.

Percebe-se que existe diferença significativa entre os horários considerados, ou seja, o nível de pressão sonora medido às 4 horas da manhã é diferente do nível observado nos demais horários. Além disto, todas as estimativas destes parâmetros (8h, 12h, 16h e 23h) são positivos, significando que existe um aumento na pressão sonora nesses horários. O p-valor desses horários (menor que 0,05) indica que a covariável “hora” influencia significativamente na variável resposta (NPS). Mais especificamente, a média do nível de pressão sonora é aumentada em 8,669dBA ao passar das 4h para às 8h. Este aumento será de 6,136dBA ao passar das 4h para às 12h. Percebe-se também, que existe influência da unidade do paciente e conclui-se que as unidades 2, 3, 4 não são significativamente diferentes da unidade 1, mas as unidades 5 e 6 são. Além disso, como as estimativas das unidades 5 e 6 são negativas, existe uma diminuição no nível de pressão sonora se comparada com a unidade 1. Quanto ao número de eventos da variável “profissionais”, existe influência no nível de pressão sonora. Além disso, o aumento de uma unidade da variável “profissionais” acarreta aumento de 1,839dBA na média do nível de pressão sonora, mostrando-se uma importante fonte de ruído na UTIP.

 

DISCUSSÃO

A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos recomenda níveis hospitalares de 45dBA para o período diurno e de 35dBA para o período noturno(2). A Associação Brasileira de Normas Técnicas (NBR10152) concorda ao sugerir 35 a 45dBA como níveis aceitáveis para diferentes ambientes hospitalares, sendo o primeiro o nível desejável e o segundo o limite aceitável(4). A Academia Americana de Pediatria indica que a quantidade de ruído ambiental em UTI pediátrica e neonatal não deve exceder 45dBA(7) e a International Noise Council da Organização Mundial da Saúde recomenda o máximo de 40dBA para ambientes internos hospitalares durante o dia, com redução de 5 a 10dBA para o período noturno(7). A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) não possui regulamentação de ruído para UTIP. Porém, a Secretaria de Vigilância Sanitária possui como proposta a Portaria 466 de 04 de junho de 1998, ainda não vigente, que faz referência aos níveis aceitáveis de ruído de acordo com o que preconiza o Conselho Internacional de Ruído. Para este conselho o ruído não deve ultrapassar 45dBA durante o dia, 40dBA de noite e 20dBA de madrugada(8).

Os dados do estudo demostram que a unidade de terapia intensiva pediátrica estudada excedeu os níveis máximos recomendados por órgãos oficiais nacionais e internacionais, apresentando somente uma medida isolada menor que 45dBA, ocorrida às 4 horas da manhã. A relação entre o horário e o aumento ou redução do ruído, se deve às atividades realizadas e número de profissionais circulando na UTIP.

Mantendo o foco no horário, os dados contrariaram a expectativa dos pesquisadores de que os horários de rotina da UTIP (12h e 23h) apresentariam os níveis de ruído mais elevados, visto a quantidade de atividades que devem ser obrigatoriamente desempenhadas. No entanto, os dados revelaram um aumento discreto da mediana do ruído nos horários das 8h e 16h, horários estes destinados a assistências diversas, podendo ter ou não atividades nas unidades dos pacientes. Acredita-se que este aumento derive de um maior número de conversas, considerando o fato de não haver atividades assistenciais obrigatórias nestes horários, deixando os profissionais mais disponíveis para se relacionarem (discussões de casos e conversas).

No horário da madrugada (4h) observa-se uma redução do ruído, porém não o suficiente para atingir níveis adequados, demonstrando que o ambiente se apresenta rotineiramente ruidoso mesmo sem interferência da variável “profissionais”. Nesse caso, os ruídos são provavelmente provenientes de atividades habituais como andar pela unidade, mexer em objetos e equipamentos de monitorização e suporte à vida, ligados ou alarmando.

Dados encontrados em um estudo realizado em uma UTI geral de um hospital privado, que avaliou os estressores para os pacientes internados, identificou as conversas em tons elevados da enfermagem e médicos como um dos estressores(9). Esse dado reforça a ideia de que as conversas são fontes importantes do ruído na unidade, conforme também identificado nesta pesquisa e demostrado no Gráfico 3.

Outro estudo realizado em uma UTI de São Paulo, Brasil, encontrou que as maiores fontes de ruído eram as equipes de saúde e cadeiras sendo arrastadas no chão, com valores de 71,3 e 77,8dBA, respectivamente(10).

Elevados níveis de ruído noturno dificultam o descanso confortável provocando perturbações do sono, alterações psicológicas e até mesmo ansiedade nos profissionais mais suscetíveis(9), cefaleia(11), fadiga(11), mudanças de humor(11), desordens psiquiátricas(11), além de influenciar no desempenho profissional, podendo induzi-lo à distração(7,9), ao erro(6) e à acidentes de trabalho(1).

Os ruídos ambientais hospitalares geralmente são acidentais, não escolhidos e não possuem controle de volume, de duração, de localização ou das relações causa/efeito(7). Este fato deve ser conhecido e reconhecido pela equipe de saúde atuante em UTIP, para, com base nesta premissa, buscar estratégias para redução do ruído, sejam elas estruturais, comportamentais ou tecnológicas. O reconhecimento do ruído como um agente estressor para a criança e para o profissional é o início para a germinação de um ambiente saudável e seguro(12).

A humanização do ambiente da UTIP deve passar pela questão ambiental como um ponto essencial para o conforto sonoro, ainda pouco valorizado no ambiente de UTIP, onde o planejamento estrutural deve aliar tecnologia, acolhimento e respeito ao paciente. A estrutura física da UTIP precisa compartilhar um espaço de trabalho favorável ao exercício técnico e à satisfação dos profissionais e pacientes(7). O reconhecimento desta dupla dimensão favorece o respeito ao caráter terapêutico da unidade, facilita a ação da equipe e, sobretudo, não o torna iatrogênico para o paciente(13).

Um exemplo do desequilíbrio ambiental causado pela desestruturação física da unidade pode ser demostrado no Gráfico 1, onde as unidades do paciente 1 e 2 foram as que apresentaram as maiores medianas por se encontrarem à menos de 1 metro do posto de enfermagem, local de maior concentração profissional, ao lado do telefone e televisão, enquanto as unidades mais afastadas apresentaram valores menores.

Reforçar a premissa de que a estrutura física da UTIP colaborou para o aumento do ruído das unidades de pacientes mais próximas ao posto encontra suas limitações nas publicações quase inexistentes sobre o tema ruído em UTI pediátrica, sendo incontestavelmente maior quando tratado no âmbito da UTI neonatal.

Por outro lado, a tecnologia envolvida no cuidado da UTI também deve ser levada em consideração enquanto fonte de ruído, visto que diversos estudos apontam para uma participação relevante dos equipamentos na produção do ruído elevado.

Concorda-se que a construção de espaços saudáveis inclui o controle e redução do ruído ambiente(14), assim como a conscientização da equipe de que os profissionais de saúde e as crianças internadas precisam ser protegidos desse risco ambiental adverso, que pode comprometer a saúde de ambos de forma irreversível. Estudos diversos sobre a saúde do trabalhador de enfermagem e medicina afirmam a necessidade de dar maior atenção aos riscos ocupacionais, dentre os quais o ruído excessivo(15).

Necessita-se, no entanto, reforçar a preocupação com a saúde da criança internada em UTIP relacionada ao ruído, direcionando nossas práticas assistenciais para a prevenção, com uma atitude proativa, ao invés de voltarmos esforços exclusivamente para as “vítimas” desta situação(7).

Em consonância com os resultados encontrados, relacionando o ruído elevado ao caráter comportamental da equipe multiprofissional, acredita-se que a educação em saúde teria um impacto relevante para a redução do ruído ambiente. Em que pese o fato de que a tecnologia possui sua contribuição no evento estudado, ela não pode ser responsabilizada por imprevistos causados aos pacientes, mas sim os seres humanos, que são responsáveis pelo seu uso indevido ou em excesso, sendo os únicos responsáveis pelo mau uso dos equipamentos(16).

A sensibilização e reeducação da equipe se saúde constituem-se fundamentais para uma mudança de comportamento, do mesmo modo que um ajuste no comportamento é essencial na redução do ruído(2,11,14). Pode-se sugerir um tom de voz mais ameno, conversas com maior proximidade entre os profissionais evitando gritos de longa distância, evitar conversas ao lado do paciente e criação de ambientes para discussão clínica longe das unidades de pacientes. Ademais, a definição de um horário de silêncio principalmente no período noturno com redução dos níveis de alarme se possível, controle do volume de equipamentos produtores de ruído (telefone, monitores, equipamentos de suporte à vida) também são estratégias eficazes.

Sugere-se a implementação de um programa de educação continuada voltada para esta temática, com inclusão das diversas categorias e serviços auxiliares que operam na UTIP. Como medidas auxiliares, propõe-se a instalação de um medidor contínuo do nível de pressão sonora, a fim de alertar a equipe quando os níveis forem excedidos, viabilizando uma providência imediata; uma análise crítica acerca da estrutura física, com discussões visando a melhoria estrutural com vistas ao conforto sonoro e avaliação dos níveis de ruído dos equipamentos prévios à aquisição.

 

CONCLUSÃO

A UTIP estudada excedeu os níveis recomendados pelos órgãos oficiais nacionais e internacionais. Acredita-se que a implementação de um plano estratégico baseado em mudanças comportamentais é capaz de impactar positivamente no controle e redução do ruído ambiente, tornando-o mais seguro e saudável para todos que atuam no cenário da terapia intensiva pediátrica. A enfermagem possui papel decisivo neste processo, na medida em que se apresenta em maior número dentro da unidade e como um importante elemento na formulação de estratégias para melhoria da qualidade ambiental, entendendo esta como parte integrante da dimensão do cuidado ao ser humano. Reforça-se a necessidade imperiosa de realização de mais estudos na área de terapia intensiva pediátrica.

 

REFERÊNCIAS

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8. Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria nº 466, de 04 de junho de 1998. Estabelece o Regulamento Técnico para o Funcionamento dos Serviços de Tratamento Intensivo e sua respectiva classificação de acordo com o grau de complexidade, capacidade de atendimento e grau de risco inerente ao tipo de atendimento prestado. Diário Oficial da União 05 jun 1998.

9. Bitencourt AGV, Neves FBCS, Dantas MP, Albuquerque LC, Melo RMV, Almeida AM, et al. Analysis of stressors for the patient in Intensive Care Unit. Rev bras ter intensiva [ Internet ]. 2007 Mar [ cited 2012 Aug 15 ] 19 (1): 53-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbti/v19n1/a07v19n1.pdf

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Recebido: 10/09/2012

Revisado: 06/05/2013

Aprovado: 27/05/2013