ARTIGOS ORIGINAIS

 

Participação e cuidado de mães no controle da obesidade em adolescente: estudo descritivo

 

Aliny de Lima Santos1, Cheila Aparecida Bevilaqua2, Sonia Silva Marcon1

1Universidade Estadual de Maringá
2Universidade do Oeste de Santa Catarina

 


RESUMO
Objetivo: Identificar como mães de adolescentes obesos percebem sua participação no cuidado e controle da obesidade.
Método: Estudo descritivo de natureza qualitativa, com 15 mães de adolescentes obesos residentes em Maringá-PR. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas gravadas e submetidas à análise de conteúdo.
Resultado: As mães não consideram a obesidade uma doença; reconhecem a importância de sua participação nos hábitos dos filhos, orientando-os quanto à alimentação saudável e à pratica de atividades físicas. Contudo, estes hábitos não são adotados por toda a família. Ademais, atribuem às avós parcela da culpa pela obesidade dos adolescentes.
Discussão: Observou-se que mesmo conscientes da sua responsabilidade no controle da obesidade dos filhos, as mães pouco fazem para mudar este quadro, priorizando ações voltadas apenas à alimentação.
Conclusão: Faz-se necessário um melhor preparo das mães para que elas possam atuar de forma mais efetiva no controle da obesidade dos filhos.
Descritores: Obesidade; Família; Saúde do Adolescente.


 

INTRODUÇÃO

O crescimento da obesidade vem tornando-se um problema de saúde pública alarmante, não só em adultos, mas também em crianças e adolescentes. Projeções baseadas em inquéritos nacionais realizados nas últimas décadas estimam que a obesidade atinja, em 2025, 40% da população nos EUA, 30%, na Inglaterra e 20% no Brasil(1). Contudo, no Brasil, em algumas localidades, valores próximos ao previsto já estão sendo identificados na população infantojuvenil. Em uma cidade do noroeste do PR, por exemplo, constatou-se que a prevalência de sobrepeso e obesidade em escolares da área urbana era de 20%(2), e na região nordeste de 16,8%(3), indicando a existência de uma nova e preocupante configuração da saúde de jovens brasileiros.

Os hábitos alimentares inadequados e o sedentarismo são apontados como fatores determinantes para o aumento de peso corporal em adolescentes(4). A presença de riscos para doenças cardiovasculares como, por exemplo, o excesso de peso, sedentarismo e tabagismo dos pais estão diretamente associados com a maior frequência desses mesmos fatores nos filhos(5).

Por esta razão, o núcleo familiar tem sido apontado como potencializador do ganho de peso em crianças e adolescentes. A analogia entre pais com sobrepeso/obesidade e filhos com o mesmo problema é um fato real. Por outro lado, ao adotarem hábitos saudáveis, os pais influenciam positivamente os filhos, possibilitando, por consequência, a redução do peso de seus filhos(6).

Assim, ressalta-se a importância de toda a família adquirir comportamentos saudáveis, dando ênfase maior ao papel das mães, tendo em vista  que estão mais presentes no lar e geralmente são as responsáveis pelo preparo e ofertas da maioria dos alimentos ingeridos pelo filho adolescente no ambiente doméstico(7,8). O modo como as mães percebem a importância das práticas saudáveis, constitui-se referência e influencia positiva ou negativamente na adesão à comportamentos alimentares adequados e na prática de atividade física pelos adolescentes(7). Estudo realizado nos Estados Unidos constatou que a qualidade da alimentação e o comportamento dos pais influenciaram diretamente na formação dos hábitos das crianças. Fato observado, por exemplo, na oferta e escolha de alimentos menos nutritivos e mais ricos em gordura e também na busca pela praticidade no preparo e consumo(9). Hábitos esses que predispõem os filhos a maiores chances de desenvolver ganho de peso.

Vale salientar que, ao se deparar com a realidade de se ter um filho com uma doença crônica como a obesidade, nem sempre as mães se dão conta da gravidade da mesma e da necessidade de cuidados e atenção especial, resultando muitas vezes no agravamento do problema(7,9). O processo de enfrentamento e apoio/auxílio no controle da doença está diretamente relacionado à maneira como a família, em especial como as mães percebem a obesidade, se a identificam ou não como uma doença e o que fazem para minimizar o problema, ou seja, para favorecer a perda de peso(7).

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo exploratório, de natureza qualitativa, realizado em Maringá-PR, junto às mães de adolescentes obesos cadastrados no Núcleo de Estudos Multiprofissional da Obesidade (NEMO), afeto ao departamento de educação física da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e que aguardavam vaga para iniciarem o programa de tratamento multiprofissional.

Este programa funciona desde 2002 e atende por ano cerca de 60 adolescentes de ambos os sexos, com idade entre dez e 18 anos, residentes em Maringá e região metropolitana. A duração do programa é de 16 semanas, com atividades três vezes por semana, durante duas horas. São realizadas atividades em grupo e individuais, envolvendo as áreas de educação física, nutrição e psicologia.

Dentre os 43 adolescentes na fila de espera para participar do programa, foram sorteados aleatoriamente 20 para que suas mães fossem convidadas a participarem do estudo; porém só foram incluídos aqueles que residiam em Maringá, com os pais, e que apresentassem índice de massa corporal (IMC) > 25 kg/m(9). Sendo assim, as informantes do estudo foram 15 mães.

Os dados foram coletados nos domicílios, por meio de entrevistas semiestruturadas. Inicialmente foi realizado contato telefônico com as mães para informá-las sobre o estudo e convidá-las para participarem do mesmo. Nos casos de concordância, foi agendado dia e horário mais conveniente para a realização das entrevistas, considerando a possibilidade de o adolescente não estar em casa, de modo que a mãe tivesse maior liberdade para falar sobre o assunto.

As entrevistas tiveram duração média de 20 minutos e após consentimento, foram gravadas em aparelho MP3. O instrumento utilizado durante as entrevistas foi um roteiro semiestruturado elaborado pelas próprias autoras constituído de duas partes. A primeira contendo questões referentes à caracterização da mãe e do adolescente (contexto socioeconômico, características antropométricas e composição familiar) e a segunda constituída por três questões abertas relacionadas ao objeto do estudo: “Em sua opinião, qual a influência da família no processo de ganho/perda de peso do (nome do adolescente obeso)?”; “Você acredita que tem influencia na forma como ele(a) se comporta em relação aos hábitos diários?”; “Fale-me sobre isso: Quais cuidados você realiza para favorecer a perda de peso dele(a)?”.

As informações obtidas foram organizadas e analisadas com base na técnica de análise de conteúdo temática(10), desenvolvida em três etapas: a) pré-análise – nesta fase foi realizada a organização, transcrição e separação do material empírico. Em seguida foi realizada a leitura flutuante do material descrito a fim de conhecer o conjunto, determinando-se as unidades de registro relevantes para o estudo, as unidades de contexto, os recortes, a forma de categorização e a modalidade de codificação reconhecendo os sentidos nelas expressos. Nesse processo, os objetivos e as questões iniciais da pesquisa foram retomados e revistos, sendo melhor explicitados. A apreensão dos sentidos das unidades de registro foi repetida várias vezes, a fim de melhor identificá-los no material selecionado; b) exploração do material e tratamento dos resultados obtidos – esta fase visou alcançar a compreensão do material. Para tanto, foi realizada leitura vertical, horizontal e transversal do material, intencionando-se a classificação ou a agregação dos dados, e a transformação dos dados brutos em núcleos de compreensão do texto por afinidade de temas/assuntos. A partir da classificação dos achados empíricos com sentido comum e do confronto com a literatura foram elencadas as principais categorias; c) interpretação dos resultados obtidos – nesta fase ocorreu o aprofundamento das categorias traçadas inicialmente, mediante a articulação dos dados empíricos com material teórico, considerando os objetivos da pesquisa, os temas surgidos da coleta de dados e os pressupostos teóricos.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer 288-11). Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, sendo identificadas nos resultados com as iniciais “M” de mãe, seguida de um número indicativo da ordem das entrevistas e ainda algumas informações referentes ao adolescente, tais como: idade, sexo (M para masculino e F para feminino) e IMC (Ex: M1- 17F31).

 

RESULTADOS

As mães participantes do estudo eram casadas e tinham entre 32 a 53 anos. Em relação ao contexto socioeconômico, sete possuem ensino fundamental completo; quatro têm ensino médio completo; duas incompleto e; duas têm ensino superior completo. Seis não trabalhavam fora; três tinham renda familiar inferior a dois salários mínimos; quatro inferior à três salários mínimos e; oito tinham renda superior a quatro salários mínimos.

Reconhecendo a importância de sua participação no ganho/perda de peso

As mães percebem como fundamental sua participação nos hábitos alimentares do filho adolescente, contudo relatam não obter sucesso no controle dos alimentos ingeridos por ele. Durante as entrevistas, demonstraram reconhecer a relação existente entre o ganho de peso e o tipo de alimentação dos filhos.
Eu falo um milhão de vezes, mas não adianta, o doce e o refrigerante dela não consigo tirar. Ela passa muito tempo fora de casa com os amigos, daí não consigo controlar. (M6 - 12F29)

] eu tento não deixar ele tomar muito refrigerante, mas, quando eu vejo, ele já tomou um monte. (M13 – 13M30)

 

Contudo, nem todas percebem a obesidade como uma doença, valorizando apenas o aspecto estético.
] eu tenho dó! Por que eu sei que ela é retraída porque tem vergonha do seu corpo [...]. Então ela se fecha. A gente acha bonita a menina ser magrinha [...] me preocupo com o psicológico dela. (M11 – 15F31)

Ela escolhe uma roupa e nada fica bonito ou então não tem o tamanho dela. Ela fica triste e eu queria poder mudar isso, por que acho mesmo que ser magra é mais fácil [...] Ela é saudável, não tem doença nenhuma. É só a gordura mesmo [...] 13F37)

] seria pior se fosse uma doença, não é? Aí a gente ficaria mais preocupado, levaria no médico e obrigaria mesmo a comer as coisas certas [...]. Antes gordinho e saudável, do que magrelo e doente (risos). (M7 – 13M30)

 

Observa-se que para as mães, o consumo de saladas constitui o melhor exemplo de uma alimentação saudável. No entanto, parece existir uma compreensão de que a adoção deste tipo de alimento só é necessária pelo adolescente obeso.

O que tem, ela (adolescente obesa) come, pela idade dela, pela cabeça dela. Eu tento fazer bastante legumes e verduras, faço só para ela, muitas vezes, mas é difícil ela comer. (M10 – 14F31)

] eu tento o máximo que eu posso, faço bastante saladas, verduras, faço até quatro tipos diferentes. (M5 – 13F37)

] ela que faz o almoço, aí eu sempre peço para fazer salada para ela, para ajudar a emagrecer. Eu não gosto muito [...]. (M8 – 15F36)

 

Outros depoimentos mostram que apesar de incentivarem os filhos a realizarem atividades físicas, os adolescentes fazem isto melhor quando são acompanhados.

Ela não faz nada, só fica sentada, escrevendo. Às vezes eu pego ela e vou dar um volta, mas só comigo, senão ela não vai. (M6 – 12F29)

] caminhada, exercício, essas coisas ela só faz se a gente estiver junto, senão ela não gosta e não faz. Ela diz que só faz se a gente for com ela (risos) é muito tímida. (M2 – 17F31)

] ele até está se animando a fazer atividade física, mas ainda é meio preguiçoso, eu estou fazendo e falo para ele fazer também. Daí só quando eu vou, é que ele vai junto. (M12 – 12M31)

 

Outro aspecto a ser ressaltado é a existência de dificuldades logísticas e financeiras atuando como barreiras na adoção de práticas saudáveis.
Um tempo atrás ela decidiu que ia se cuidar, começou vôlei, ginástica, mas aí parou. E eu também não tinha muito tempo para levar e buscar, fica complicado assim. (M11 – 15F31)

] ele precisa fazer natação, mas eu não tenho como pagar, nem como levar e buscar. Eu trabalho o dia todo e ele não tem como ir. (M12 – 12M31)

 

Percebendo a influência das avós no ganho de peso

Algumas mães fizeram referência ao fato de os filhos, quando pequenos, e inclusive atualmente, ficarem sob os cuidados de avós, para que pudessem trabalhar, e nestes casos, atribuem às mesmas os maus hábitos alimentares dos filhos.

] quando ela era criança eu trabalhava fora e quem cuidava era a avó, e ela não tinha dó de adoçar as coisas, ai cresceram tudo mais fortinho (risos). (M1 – 17F31)

 

Ademais, as mães também percebem que as avós são mais permissivas em vários aspectos, incluindo os relacionados aos hábitos alimentares.

] quem me ajudou a criar minha filha foram meus pais. Minha mãe até problema de diabetes tem, ai já viu, não é? Minha mãe (avó da adolescente) faz todas as vontades dela [...]. O único lugar que ela (adolescente obesa) sai é na avó, quando ela pede eu deixo ela ir lá, mas aí, na casa da avó, tem doce que ela gosta. E se não tem, a avó dá dinheiro e ela vai lá e compra. E aí, enquanto ela não vê o fim, não para de comer. (M2 – 16F34)

Se não tem comida que eles gostam aqui em casa, corre para a avó, então, eles têm duas casas. Na avó ela dá o que eles gostam. (M1 – 17F31)

 

Evidenciando o contraste alimentar entre irmãos.

As mães reconhecem que o fato de os irmãos terem perfil corporal diferente, dificulta que o adolescente obeso tenha uma alimentação favorável à perda de peso. Nesses casos, a existência de alimentos “proibidos” ou diferentes na casa pode colocar em risco o esforço do adolescente em não ingerir alimentos proibidos.

Meu outro filho é o contrário, ele não come. Aí eu preciso comprar coisas diferentes para ele. Como a tarde eles ficam em casa, quando eu chego a noite ela sempre diz: - Mãe, comi a bolachinha do Lucas. (M2 – 16F34)

] eu compro coisas diferentes para ela, pego mais frutas, essas coisas; mas aí ela reclama e fica brava. Sempre quer comer as coisas da irmã. (M8 – 15F36)

 

Além disso, as mães vivenciam um verdadeiro paradoxo ao terem atitudes proibitivas em relação ao filho obeso e permissiva para com aqueles que não apresentam este problema.
Se a gente dá para ele (irmão da adolescente) e não dá para ela, aí ela fala: - Nossa! Só dá para ele? Aí ela fica com aquele sentimento de diferença. (M10 – 14F31)

 

Revelam ainda que os hábitos alimentares e, consequentemente, a obesidade, está presente desde a primeira infância.
Eu falo para ele, mas é chato não é? O irmão menor é magrinho, o de 11 (anos) também e o mais velho uma vareta. Aí é difícil! ] desde quando ele nasceu já era mais gordinho que os outros. Daí a comida sempre foi meio diferente. Ele sempre comia mais. (M9 – 14M43)

] é complicado falar para um filho: - Você come isso e o outro aquilo, é chato, não é? Ela (adolescente obesa) desde pequena mamava rápido demais, sempre parece ansiosa. Já meu outro filho é todo magrinho, daí é natural que eu deixe ele comer mais. (M5 – 13F36)

 

DISCUSSÃO

As práticas alimentares dos adolescentes são reflexos dos valores apreendidos na família. Faz-se necessário, portanto, que os pais tenham consciência disto, visto que a forma como percebem e o valor que dão a sua participação nos hábitos alimentares de toda a família são fundamentais para a manutenção ou ganho de peso(11). A família como um todo, tem a responsabilidade e a potencialidade de proporcionar uma alimentação adequada aos seus membros. Contudo, as mães, enquanto principais responsáveis pela escolha e preparação dos alimentos, são as agentes primordiais desse cuidado, especialmente nos casos em que os filhos estão com sobrepeso ou obesos.

Evidencia-se nos relatos, o desejo das mães em controlar a alimentação de seus filhos, orientando quanto à necessidade de reduzir ou mesmo eliminar a ingesta de refrigerantes e alimentos inadequados. Contudo, os adolescentes mantêm uma rotina de aulas e passeios que dificulta o controle alimentar e a oferta de alimentos considerados saudáveis.

Percebe-se também nos depoimentos a existência de uma relação impositiva quando a mãe afirma tentar não deixar que o filho consuma alimentos errados. Acredita-se que, inconscientemente, a mãe busca eximir-se da culpa pela obesidade, quando afirmam que apesar de suas orientações e conselhos, os adolescentes têm uma alimentação errada, resultando em obesidade.

A qualidade do hábito alimentar deve constituir preocupação desde sempre na família, pois é nesse contexto que se aprende a ingerir e a gostar de determinados alimentos. Àqueles que são sempre ofertados e consumidos pela família, são aceitos com maior naturalidade pela criança, diferentemente do que ocorre quando este é oferecido esporadicamente. É importante ressaltar que é na infância, que as preferências alimentares são introduzidas e podem tornar-se ou não um hábito, o qual pode ser preservado por toda a vida(11).

Reconhecer uma alimentação saudável e os alimentos que a compõem é fundamental para as mães, pois, é a partir desse conceito que elas conseguem orientar e, ao mesmo tempo, praticar/oferecer uma alimentação de qualidade para seus filhos. O que se denomina alimentação saudável pode adquirir muitos significados dependendo da região do país, cultura e época. Porém, em geral, a alimentação saudável é sempre constituída por três tipos de alimentos básicos: carboidratos (grãos, pão, massas, tubérculos e raízes); verduras, frutas e legumes e; os alimentos ricos em proteínas (carnes, ovos, peixes, cereais integrais, entre outros)(12). Em contrapartida, uma alimentação errada constitui-se de alimentos ricos em carboidratos simples, lipídios e açúcares. Observa-se, assim, um nítido distanciamento entre o que é prazeroso e o que é necessário comer(13).

Esta dicotômica entre o que é prazeroso e o que é necessário ser consumido, associada à ausência de alimentos considerados saudáveis na rotina alimentar da família, fazem com que o adolescente e até mesmo os familiares percebam o comer alimentos saudáveis, como um ato de sacrifício e de exclusão de alimentos prazerosos, dificultando, evidentemente, sua prática, e fazendo com que o adolescente busque alimentos atrativos, normalmente de alto valor calórico.

O fato de não reconhecerem a obesidade como doença crônica, também dificulta a adoção de cuidados mais específicos. Quando percebida apenas como um aspecto estético, suas consequências, como o risco para diversos problemas de saúde além de outras doenças crônicas, acabam sendo subvalorizados(3).

Outro aspecto que chama atenção nos depoimentos é a diferenciação que as mães fazem na alimentação do adolescente obeso. Assim, alimentos considerados mais atrativos e que são ricos em açúcares e carboidratos são permitidos apenas para alguns, e ao mesmo tempo exigido que o adolescente obeso os exclua de sua rotina alimentar. Esta prática, sem dúvida, não é a mais recomendável. Faz-se necessário que toda a família adote hábitos saudáveis e que estes não tenham como meta apenas a perda de peso de um de seus membros, mas que constitua uma estratégia para prevenir agravamento e/ou aparecimento de doenças crônicas no seio familiar.

Evidenciou-se ainda, que as mães reconhecem sua responsabilidade em relação à alimentação da família. Elas frequentemente relatam que desejam controlar a alimentação de seus filhos. Orientam, por exemplo, sobre a exclusão ou redução da ingesta de refrigerantes e doces. Contudo, a rotina de vida dos adolescentes fora de casa, ou ainda da própria mãe, inserida no mercado de trabalho e ainda responsável pelos afazeres domésticos, dificulta e às vezes impede que elas monitorem mais de perto o tipo de alimentação consumida pelos filhos.

Outro aspecto que chama a atenção é o fato de algumas mães (M5, M8 e M10) associarem a perda de peso ao ato de comer saladas; porém elas próprias, não têm o hábito de consumir vegetais e hortaliças. Segundo M8 e M10, a salada é preparada, quase que exclusivamente, para o adolescente obeso. Isto, provavelmente, constituiu-se como uma das maiores dificuldades para a adesão dos adolescentes obesos à hábitos alimentares saudáveis, visto que a influência familiar pode ser um fator determinante no comportamento alimentar dos filhos(14,15)

É fato que o consumo de hortaliças e legumes tem diminuído cada vez mais entre os adolescentes, porém, só isto não justifica o excesso de peso. Outros fatores têm sido apontados como responsáveis como, por exemplo, a diminuição da qualidade alimentar. Isto geralmente é decorrente da falta de tempo dos familiares para o preparo de alimentos saudáveis e ao mesmo tempo saborosos, consumo elevado de produtos industrializados, hábito de fazer refeições fora do ambiente domiciliar e ausência da família no momento das refeições(16).

Além dos hábitos alimentares, o comportamento dos pais em relação à prática de atividade física também influencia na conduta dos filhos frente à mesma e, por conseguinte, no peso corporal dos mesmos. Apesar do incentivo por parte das mães para que os adolescentes realizem alguma atividade física; reconhecem que eles adotam melhor essas práticas quando acompanhados por elas. Um estudo realizado com adolescentes em Minas Gerais, mostrou que a falta de apoio familiar e a condição financeira são consideradas barreiras importantes para a prática de atividades físicas entre eles(17).

Os familiares identificam que os adolescentes com excesso de peso necessitam realizar atividade física com regularidade e, nesses casos, os pais precisam não só recomendar, mas também incentivar e acompanhar os adolescentes nestas atividades. Isto porque, a inatividade física entre os jovens obesos pode ser decorrente, por exemplo, da vergonha e timidez. Sem dúvidas, nessa fase da vida, esses comportamentos tendem a desestimular a prática de atividade física, ou deixá-la desagradável(5).  

Quando a prática de atividade física faz parte da rotina dos pais, os filhos têm mais facilidade para também aderirem à mesma, de forma que pais consideravelmente mais ativos têm filhos com maiores níveis de atividade física(6). Por exemplo, os filhos de pais obesos têm de duas a três vezes maior risco de terem obesidade na idade adulta quando comparados com filhos de pais não obesos(18).

Desta forma, salienta-se que a participação ativa dos pais, durante a prática de atividade física dos filhos, deve ser estimulada e orientada pelos profissionais de saúde. Esta prática conjunta deve ser fortemente valorizada, pois além de gerar reforço positivo aos adolescentes no processo de perda de peso, também favorece ao bem estar e à maior interação familiar.

É interessante observar que nos depoimentos, as mães, de certo modo, transferem parte da responsabilidade pela obesidade dos filhos às avós, ao reconhecerem que suas casas representam um refúgio, onde os filhos têm acesso à alimentos mais apreciados e que os consomem sem limitações, ou seja, sem culpa ou medo de represálias.

As avós, de forma geral, são reconhecidas pelos netos como alguém que ajuda, que realiza seus desejos de brincar, cuidar (genericamente), dar amor e alimentos (coisas gostosas) e dar coisas (presentes)(19). As avós, portanto, buscam por meio da oferta de alimentos, estabelecerem uma relação mais próxima com os netos. Esta relação muitas vezes causa conflitos entre adolescentes e pais, visto que estes são contrários às atitudes das avós, por acreditarem que elas agravam o quadro de obesidade já instalado, dificultando ainda mais a perda de peso.

Contudo, é importante salientar que é o desejo de agradar e de conquistar as crianças/adolescentes que levam as avós a agirem desta forma. Sendo assim, torna-se um problema apenas nos casos em que elas são responsáveis pelo cuidado cotidiano, pois, se for esporádico, provavelmente não representarão grande risco. De qualquer modo, os profissionais de saúde precisam incluir as avós, especialmente àquelas que são responsáveis pelo cuidado cotidiano de netos, no plano de assistência à crianças e adolescentes. Uma boa estratégia seria criar espaços que possibilitem que as mesmas troquem experiências entre si e também receitas de alimentos nutritivos e que possam ser produzidos de modo mais atraente aos olhos das crianças e adolescentes.

O adolescente obeso, portanto, pelo menos no que se refere à alimentação, é tratado como um membro diferenciado dos demais membros da família. Esse tratamento singular pode fazer com que ele bloqueie suas perspectivas de melhora, levando-os a não optar por alimentos mais saudáveis, mesmo que esses estejam disponíveis. Para o adolescente que enfrenta o problema da obesidade, o confronto gerado entre o que ele precisa comer e a oferta de alimentos que ele sente prazer em comer, acaba por gerar conflitos internos: ao mesmo tempo em que ele se sente na responsabilidade de resolver sozinho o problema, não possui autonomia e nem discernimento suficiente para isto. Cria-se então, um ambiente de enfrentamento entre seus conhecimentos e suas práticas, o que acaba por gerar sentimentos negativos(17).

O sentimento de diferença estabelecido entre membros familiares, especialmente entre irmãos, sem dúvida deve ser apontado como um agente potencializador de dificuldades para o controle alimentar e, consequentemente, para a perda de peso. A busca por uma alimentação saudável e equilibrada deve ser uma ação conjunta da família, afinal, bons hábitos alimentares não só ajudam a perda de peso, mas também, proporcionam uma vida com melhor qualidade(20).

Desta forma, cabe à toda a família proporcionar um ambiente de igualdade alimentar, fazendo com que o jovem obeso não se sinta excluído da família e possa compartilhar dos mesmos hábitos familiares, favorecendo a interação do adolescente com o meio familiar e também uma melhor adesão à práticas saudáveis.

 

CONCLUSÃO

Os resultados mostram que a percepção que as mães têm sobre a obesidade influencia diretamente sobre a forma como elas lidam com a mesma, refletindo no tipo de alimentos ofertados aos filhos e no estabelecimento ou não de hábitos alimentares saudáveis para todos da família. Observou-se que a obesidade nem sempre é vista como uma doença merecedora de cuidados específicos, evidenciando, portanto, em alguns casos, a necessidade de orientação às mães sobre a importância de sua influência nos hábitos alimentares dos filhos.

Em relação aos cuidados com os filhos obesos, todas as mães relataram que os orientam e aconselham sobre os tipos de alimentos que podem ou não ser consumidos. Contudo, nem sempre estes alimentos fazem parte da rotina alimentar de toda a família. Este fato, além de interferir na relação entre os membros familiares, dificulta a aceitação de determinados alimentos pelo adolescente, pois os percebe como forma de punição por ser obeso.

Nessa perspectiva de cuidado, observa-se a importância que a família tem na formação de hábitos saudáveis para o adolescente, pois pode atuar como rede de apoio e incentivo à mudança de comportamentos e, consequentemente, na perda de peso. Sendo assim, é extremamente relevante a inserção da família, em especial das mães, na assistência a ser prestada aos adolescentes obesos.
Isto porque, para que elas possam atuar de forma mais efetiva no cuidado, necessitam de conhecimento sobre a gênese da obesidade enquanto doença, de suas implicações atuais e futuras e das estratégias possíveis para controlá-la, devendo então os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, orientá-las nesse sentido.

Por fim, apesar de ter sido apreendido aspectos importantes sobre a atuação e participação das mães nos cuidados relacionados com o controle da obesidade de seus filhos adolescentes, o fato de os dados terem sido coletados em uma única ocasião constitui uma limitação, à medida que caracteriza uma visão pontual e específica do fenômeno estudado. Assim, recomenda-se que outros estudos sejam realizados, buscando compreender melhor as relações existentes no ambiente familiar e como essas podem afetar/influenciar no problema da obesidade, de modo a melhor subsidiar o desenvolvimento de ações de promoção à saúde que tenham como foco estimular comportamentos que sejam benéficos para toda a família.

 

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Recebido: 25/09/2012
Aprovado: 08/04/2013