ARTIGOS ORIGINAIS

 

Avaliação da qualidade dos serviços de cuidados intensivos em saúde materno infantil

 

 

Amanda de Figueirôa Silva Carmo1, Fernando Antônio Ribeiro de Gusmão Filho2, Suely Arruda Vidal1, Rosana Dourado Loula Salum1, Richardson Augusto Rosendo da Silva3, Ana Dulce Batista dos Santos1

 

1Universidade Federal do Vale do São Francisco
2Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira
3Universidad Federal de Rio Grande del Norte

 


RESUMO
Objetivo: avaliar a adequação das unidades públicas de cuidados intensivos em saúde materno infantil na macrorregional de Petrolina-PE.
Método: Realizou-se uma avaliação normativa, entre janeiro e junho de 2011, nas UTIs obstétrica e pediátrica mista, de um hospital público de referência. Elaborou-se um modelo lógico de funcionamento dos serviços e uma matriz de julgamento, ambos submetidos a uma técnica de consenso. Os dados foram coletados a partir dos documentos e registros institucionais, das entrevistas com 19 informantes-chave e da verificação in loco da estrutura e dos insumos.
Resultado: as duas unidades de terapia intensiva foram classificadas como inadequadas, uma vez que obtiveram 28% de adequação para a obstétrica e 38% para a pediátrica mista. Conclusão: no consenso dos experts, a aplicação e a análise ponderada dos resultados obtidos a partir do instrumento sugerem sua aplicabilidade em outras unidades de terapia intensiva em todo o cenário nacional.
Descritores: Avaliação de serviços de saúde; Qualidade da assistência à saúde; Unidades de terapia intensiva.   


 

 

INTRODUÇÃO

A atenção ao paciente crítico tem sido alvo de reflexões, sobretudo no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), em virtude das mudanças no panorama da saúde no Brasil nas três últimas décadas. No que se refere à saúde materno infantil, a atenção à gestação, ao parto e ao recém-nascido e suas repercussões sobre a mortalidade peri e neonatal e materna, também ganharam expressão nos últimos anos(1). Nesse sentido, diversas situações se configuram como responsáveis pelo aumento da demanda por cuidados intensivos nessa população, tornando imprescindível o investimento em cuidados intensivos em saúde materno infantil.

Assim, as Unidades de Terapia Intensiva (UTI), que se destinam à recuperação de pacientes em estado crítico que necessitam de observação constante, devem contar com infraestrutura apropriada, recursos humanos especializados e recursos materiais específicos. Além de uma equipe de profissionais com experiência e conhecimentos adequados para planejar e organizar esse setor com base nas necessidades dos pacientes, e nas normas regulamentadoras que norteiam o processo de estruturação das UTIs.

Com vistas ao planejamento e à organização das UTIs no contexto do SUS, vem sendo publicados, desde a década de 1990, diversos dispositivos legais em paralelo às políticas nacionais de avaliação, de educação permanente e de humanização. Estes dispositivos estabelecem critérios de classificação para as UTIs e norteiam os projetos físicos de estabelecimentos.

Em 2005, o Ministério da Saúde (MS) esboçou a proposta da Política Nacional de Atenção ao Paciente Crítico (PNAPC) colocando sua minuta sob consulta pública sem, no entanto, publicá-la(2). No mesmo ano, publicou uma portaria dispondo sobre os requisitos comuns para habilitação das Unidades de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica(3). Em 2010, foram estabelecidos os requisitos mínimos para o funcionamento da UTI(4).

Compreende-se, portanto, a importância do planejamento e da organização dos serviços de saúde atrelada aos processos de avaliação, sendo ela capaz de, por um lado, identificar necessidade de intervenções que modifiquem certos quadros sanitários, e, por outro, verificar as dificuldades enfrentadas por tais práticas na diminuição de indicadores de morbimortalidade, entre outras circunstâncias(5)

Ademais, a crescente preocupação com a qualidade dos serviços enfatiza a importância da avaliação. Nessa perspectiva, Donabedian desenvolveu um modelo sistêmico, com três dimensões: “estrutura”, que corresponderia às características relativamente estáveis dos seus provedores, aos instrumentos e recursos, bem como às condições físicas e organizacionais; “processo,” o conjunto de atividades desenvolvidas na relação entre profissionais e pacientes; e “resultados”, correspondentes às mudanças verificadas no estado de saúde dos pacientes que possam ser decorrentes da intervenção ou do cuidado prévio(6).

Face à relevância da qualidade dos serviços de saúde e considerando a contribuição da avaliação neste sentido e, a despeito disto, cabe ressaltar a escassez de estudos avaliativos na referida área, mesmo diante da sua expansão no cenário nacional.

Diante desta realidade e da relevância destes serviços para a região, este estudo objetivou avaliar a adequação das unidades públicas de cuidados intensivos em saúde materno infantil na macrorregional de Petrolina-PE.

 

MÉTODO

Procedeu-se uma avaliação normativa nas UTIs pediátrica mista e obstétrica de um Hospital materno infantil, localizado no município de Petrolina-PE. Este hospital configura-se como instituição de referência regional em saúde materno infantil e atende a população de toda a macrorregional Petrolina, a qual é composta por 28 municípios, com população de 818.235 habitantes. Estas unidades de terapia intensiva são as únicas unidades de alta complexidade materno-infantil, localizadas no interior dos estados nordestinos.

A coleta de dados, realizada entre janeiro e junho de 2011, ocorreu em duas fases. Na primeira fase, foram elaborados um modelo lógico de funcionamento do serviço e uma matriz de julgamento, cujos critérios de avaliação, os valores ou escores, os padrões de qualidade, as descrições dos valores e os parâmetros de julgamento para classificação das unidades tiveram por base a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), no 7/2010(4).  

Ainda nesta fase, realizou-se, em duas etapas, uma técnica de consenso(7) envolvendo seis experts, sendo dois da área de avaliação e quatro da área de terapia intensiva, selecionados em função de sua atuação em UTI não inferior a seis anos, sua inserção nas áreas de gestão e avaliação, bem como sua produção científica na referida área(8,9).

Na primeira etapa, os experts receberam por correio eletrônico a proposta inicial do modelo lógico e da matriz de julgamento, e sugeriram ajustes(7). Na segunda etapa, depois de realizados os ajustes, o modelo e a matriz foram reenviados aos experts para nova apreciação, tendo sido alcançado o consenso que respaldou o processo de identificação e seleção dos critérios importantes para a avaliação(8, 9). Na segunda fase, aplicou-se a matriz de julgamento, obtendo-se a ponderação e a classificação das UTIs.

Desta fase do estudo, participaram 19 informantes-chave que exerciam função de gerência ou gestão nas UTIs ou na instituição hospitalar e possuíam ligação direta com as UTIs, com no mínimo seis meses de atuação no cargo e que não estavam em gozo de férias, licença médica ou licença maternidade, durante o período de coleta de dados. Estes foram entrevistados e concederam acesso às informações, documentos, protocolos institucionais, livros de registros, dados informatizados, censos e inventários e/ou tombamentos, escalas e plantas físicas. Desta forma, esta pesquisa empregou como recursos metodológicos a análise documental, a entrevista e a verificação in loco da estrutura e dos insumos das unidades.

A matriz de julgamento elaborada contemplou as dimensões estrutura e processo, as quais foram atribuídas as pontuações 40 e 60, respectivamente. Para julgamento e classificação da adequação, segundo pontuação atribuída, foram considerados quatro estratos: 100 a 76% - serviço adequado; 75 a 51% - serviço parcialmente adequado; 50 a 26% - serviço inadequado e; menor ou igual a 25% - serviço desfavorável(9).

A realização deste estudo respeitou a Resolução 196/96, que trata da pesquisa envolvendo seres humanos(10), tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), em dezembro de 2010, sob o protocolo no 0001/201110.

 

RESULTADOS

O modelo lógico delineado neste estudo está disposto na figura 1. A matriz de julgamento demonstra os critérios de avaliação, seus escores com descrição, a situação observada e as pontuações atribuídas (por critério, por dimensão e geral) e a classificação de cada unidade conforme ilustra o quadro 1. As unidades foram classificadas como inadequadas, sendo que a UTI obstétrica obteve 28% de adequação e a pediátrica mista 38%.

 

Em relação à dimensão estrutura, a UTI obstétrica obteve 13 pontos (32,5%) e a UTI Pediátrica mista, 18 pontos (45%). Na dimensão processo, à UTI obstétrica foram atribuídos 15 pontos (25%) e à UTI pediátrica 20 (33,3%). Quanto à estrutura, dentre os critérios avaliados, destacaram-se a inexistência do alvará de funcionamento, equipes multiprofissionais incompletas (ausência de odontólogo e psicólogo) e de apoio incompletas (no caso da UTI obstétrica), proporção de especialistas em terapia intensiva menor que 50% (sendo identificados apenas dois profissionais intensivistas em cada UTI), coordenadores de enfermagem e fisioterapia sem título de intensivista e insuficiência de equipamentos (no caso da UTI obstétrica). É válido ressaltar que, por se tratarem de áreas específicas da profissão de enfermagem como a obstetrícia e a pediatria, poderiam ser consideradas para os coordenadores de enfermagem, além da especialização em UTI, as especializações em enfermagem obstétrica, que estava sendo cursada pela coordenadora desta, e também enfermagem pediátrica ou neonatal para os profissionais da UTI pediátrica mista, titulação que não compreendia a coordenação dessa unidade.

Além disso, as unidades apresentaram estrutura física e instalações inadequadas (sem visualização dos leitos pelo posto de enfermagem, sem área de prescrição médica e ambientes de apoio, como salas de espera, de entrevistas, de utilidades, de higienização, administração, sanitários para visitantes, rouparia, depósito de material de limpeza-DML, e copa, sendo esta última ausente apenas na UTI obstétrica); espaço destinado aos leitos (excetuando-se os leitos de isolamento) e as áreas coletivas menores que o preconizado; a distância entre leitos foi respeitada, mas não existiam dispositivos de separação entre eles, comprometendo a privacidade dos pacientes.

No que se refere à disponibilidade dos recursos assistenciais de diagnóstico e tratamento, as unidades não dispunham de alguns serviços em sua estrutura ou terceirizados, tais como: assistência clínica vascular, ortopedia, urologia, gastroenterologia, hematoterapia, oftalmologia, otorrinolaringologia, infectologia, cirurgia vascular, ortopédica, urológica, bucomaxilofacial, anatomia patológica, além de ecodoplercardiografia e endoscopia, fibrobroncoscopia.

Sobre os protocolos assistenciais, as unidades só possuíam padronização dos procedimentos de enfermagem. Quanto ao fluxo e rotinas para exames e transporte, as UTI não eram responsáveis diretas por nenhuma destas atividades. O hospital possuía uma central de regulação/marcação própria de exames que adequava às questões técnicas e burocráticas para a realização de exames e procedimentos de pacientes e uma central de transporte responsável por providenciar o tipo de veículo apropriado para cada remoção. Contudo, não existiam rotinas ou fluxos estabelecidos para agendamento ou para transporte. Em relação às comissões, as unidades não possuíam comissão de controle de eventos adversos nem comissão de gerenciamento de resíduos.
Em relação à equipe médica, não havia número suficiente de profissionais em nenhuma das unidades, sendo que, na UTI obstétrica, o quantitativo de médicos garantia a cobertura integral das escalas mensais, enquanto na UTI pediátrica mista a quantidade de plantonistas, por vezes, comprometeu a cobertura das escalas. Já no tocante à distribuição por número de leitos e por turno, as equipes médicas das duas unidades estavam distribuídas adequadamente.

Os quantitativos de enfermeiros e técnicos de enfermagem, considerando a maior taxa de ocupação no período do estudo, o grau de dependência dos clientes de terapia intensiva e o menor índice de segurança técnica para cobrir ausências previstas e imprevistas de 15%, mostraram-se inferiores ao necessário. No que diz respeito à distribuição destes profissionais por categoria, observou-se a proporção de apenas 37,5% de enfermeiros na UTI pediátrica mista e 37,7% na UTI obstétrica, em não conformidade com a recomendação de um enfermeiro para cada oito leitos nas duas unidades. Os técnicos de enfermagem apresentavam-se em proporção de um para cada três leitos na UTI obstétrica, também em não concordância com a normatização.
A escala de fisioterapia contava com dois profissionais que se alternavam nos períodos matutinos e vespertinos, de segunda a sexta-feira, de forma que os períodos noturnos e os finais de semana e feriados ficavam descobertos. Além disso, pelo fato de haver apenas um fisioterapeuta por plantão, este ficava responsável pelo atendimento aos pacientes das duas unidades, podendo chegar a uma proporção leitos/profissional de 20/1, por turno.

A UTI obstétrica não possuía auxiliares administrativos, já a pediátrica possuía um técnico de enfermagem exclusivo para atividades administrativas. O serviço de higienização contava com um funcionário por turno para cada uma das UTIs, que não era exclusivo do setor e realizava a higienização de outras áreas hospitalares. Os maqueiros também não eram exclusivos das UTIs, havendo apenas um por turno para todos os setores hospitalares.

No que concerne aos critérios avaliados na dimensão processo, destacaram-se os percentuais dos profissionais que conheciam os protocolos da unidade, inferior a 50% no caso da UTI obstétrica e de 72% para a pediátrica; inexistência de controle de eventos adversos e de resíduos, haja vista a inexistência de comissões e planos de monitoramento ou gerenciamento instituídos, estabelecidos para o ano de 2011; inexistência de registros em prontuário da assistência prestada pela equipe multiprofissional, uma vez que só havia registros da equipe médica e de enfermagem.



DISCUSSÃO

Este estudo objetivou avaliar a adequação das unidades de terapia intensiva obstétrica e pediátrica mista tendo sido identificados diversos desencontros entre sua estrutura e funcionamento e as normativas vigentes. Para tanto, delineou-se um modelo lógico de funcionamento das UTIs, a partir do qual se propôs uma matriz de julgamento que permitiu a avaliação dos serviços.
Acredita-se que este modelo lógico possa ser utilizado para outras unidades de terapia intensiva, uma vez que estas unidades devem possuir a mesma estrutura e desenvolvem os mesmos processos. Quanto à matriz de julgamento, de modo semelhante ao modelo lógico, é possível aplicar este instrumento a outras UTIs no Brasil, já que os critérios estabelecidos devem estar presentes em outras unidades por serem normoderivados.

Assim, a avaliação global das unidades permitiu a classificação de ambas como inadequadas, já que a UTI obstétrica obteve 28% de adequação e a pediátrica mista 38%.
A avaliação por dimensão demonstrou que, embora as unidades estivessem sob a mesma lógica de funcionamento e sob a mesma gestão, a variação nas pontuações atribuídas deve-se às diferenças na condução gerencial das unidades.

A UTI obstétrica obteve menor adequação do que a pediátrica mista na avaliação por dimensões e geral, o que pode estar associado ao tempo de funcionamento das unidades, visto que a UTI obstétrica funciona há apenas dois anos, ao passo que a pediátrica mista funciona há quatro anos. Em relação à estrutura, a diferença de cinco pontos se deveu aos critérios “equipe de apoio completa” e “equipamentos”. Na dimensão processo, a diferença também foi de cinco pontos e se relacionou à “proporção de profissionais que conheciam e utilizavam os protocolos”.
O estudo evidenciou que as unidades investigadas apresentaram melhor adequação proporcional na dimensão estrutura do que na dimensão processo. A UTI obstétrica obteve, proporcionalmente, 32,5% e 25% para as dimensões estrutura e processo, respectivamente, enquanto a UTI pediátrica mista obteve 45% e 33,3%. Tal evidência conduz as unidades ao comprometimento da qualidade, já que o processo está mais próximo dos resultados do que a estrutura e, quanto maior for essa aproximação entre causa e efeito, maior pode ser o impacto(9).

Dentre os critérios avaliados neste estudo, chamou-se atenção para as equipes multiprofissionais, as quais foram identificadas como insuficientes tanto do ponto de vista quantitativo, quanto da composição. Cabe ressaltar que a reestruturação do estado de saúde do paciente na UTI só é possível diante da interação significativa entre profissionais com o intuito de gerenciar a promoção do cuidado de maneira interdisciplinar e com qualidade(11). A partir desta realidade e com o objetivo de proporcionar uma assistência integral, constitui-se uma equipe multiprofissional de saúde em UTI, como estratégia intervencionista centrada nos saberes integrados às ações em saúde e focada no cuidado de vários profissionais envolvidos(11).

Paralelamente a essa situação, a equipe de apoio incompleta e não exclusiva das unidades, evidenciada neste estudo, pode precipitar a transferência de suas atribuições a outros profissionais, inclusive àqueles que se destinam aos cuidados aos pacientes. A despeito disso, um estudo realizado em unidades de terapia intensiva para avaliar a adequação dos recursos humanos chamou atenção para o fato de que tal situação pode gerar sobrecarga de trabalho por acúmulo de funções e a diminuição do tempo dispensado aos cuidados, comprometendo a sua qualidade da assistência(12).

No que se refere à qualificação dos profissionais de saúde de nível superior, o estudo identificou que apenas dois profissionais em cada uma das UTIs possuíam título de especialista em terapia intensiva. A despeito disto, ressalta-se que a participação em cursos de especialização é imprescindível, principalmente no âmbito de uma unidade de cuidados intensivos, sobretudo pelo avanço progressivo e rápido dos novos conhecimentos na área, bem como pelo aparato tecnológico presente nestes serviços. Ainda neste sentido, o estudo evidenciou que os gerentes de enfermagem e de fisioterapia que exercem a liderança de suas equipes também não possuíam especialização em terapia intensiva.

Em relação aos equipamentos, a UTI obstétrica apresentou problemas quanto à quantidade destes em relação ao número de leitos. Apesar disso, um estudo, realizado com o intuito de identificar a disponibilidade de equipamentos em unidades de terapia intensiva no Brasil, apontou situação semelhante à evidenciada no presente estudo, e afirmou que o processo de cuidar nas unidades especializadas como a UTI depende largamente do uso racional e seguro de equipamentos de suporte à vida, revelando a importância da previsão e do controle de tais equipamentos(13)

Quanto à estrutura física das unidades, este estudo evidenciou diversas não conformidades, o que foi também identificado em um estudo realizado em 2000, que denominou de inadequada a estrutura física da UTI investigada e concluiu que tal situação poderia comprometer o desenvolvimento efetivo e seguro das atividades dos profissionais de saúde(13).

Ainda do ponto de vista estrutural, outra questão relevante trata da garantia aos recursos terapêuticos e diagnósticos por meios próprios ou terceirizados. Identificou-se que alguns exames e procedimentos não são realizados pela instituição, bem como não estão acessíveis numa rede terceirizada. Ademais, não havia fluxos definidos para sua realização ou para o transporte dos pacientes. Estas situações comprometem a garantia do princípio da integralidade no que concerne ao acesso a todo e qualquer meio terapêutico e/ou ao diagnóstico ofertado pelo SUS de que se necessite, independentemente do nível de complexidade. Outros estudos sobre integralidade demonstraram que a assistência à saúde, nos níveis de especialidades, apoio diagnóstico e terapêutico, média e alta complexidade, ainda são um ponto de estrangulamento dos serviços de saúde(14).

Outra questão relativa à estrutura identificada por este estudo se refere a pouca e insuficiente padronização das condutas e práticas clínicas. Os instrumentos de padronização têm o objetivo de uniformizar condutas, minimizando a ocorrência de desvios na sua execução. De tal modo, a falta de padronização dos procedimentos consiste na não utilização de metodologias assistenciais, o que pode indicar desorganização do serviço(15).

Ainda com relação à estrutura das UTIs investigadas, no que se refere às comissões hospitalares, tem-se que estas se relacionam diretamente com a organização dos serviços de saúde. Estudos apontam a contribuição das comissões hospitalares, uma vez que estas tentam minimizar ou buscar soluções para os problemas a elas relacionados(16).

Assim, a inexistência de uma comissão de gerenciamento de resíduos, identificada neste estudo, é questão que ultrapassa, mas não exclui, a discussão sobre saúde pública e precipita o debate acerca das políticas de sustentabilidade e meio ambiente. No Brasil, foram definidas regras equânimes para o tratamento dos resíduos sólidos no sentido de nortear os serviços de saúde geradores destes resíduos, na implantação de um plano de gerenciamento(17).

Neste norte, identificou-se também a inexistência de uma comissão de controle e notificação de eventos adversos, considerada indispensável para garantir a segurança dos pacientes. A inexistência desta comissão pode comprometer a execução das práticas seguras, além de não contribuir para o planejamento das ações de educação permanente, definindo eventos adversos como ocorrências indesejáveis, porém previníveis, de natureza danosa ou prejudicial, que comprometem a segurança do paciente sob os cuidados dos profissionais de saúde(18).

Portanto, estas comissões reduziriam os desvios na assistência, assegurando aos usuários um grau elevado de excelência de cuidados por meio de medição e avaliação dos componentes estruturais, das metas, dos processos e resultados, seguidos das alterações necessárias para a melhoria do serviço(18).

Diante de alguns achados deste estudo, em relação à dimensão processo, no que diz respeito aos protocolos, uma vez que as unidades possuem apenas os de enfermagem e considerando-se a proporção destes profissionais que, ao ingressarem no serviço, recebem treinamento acerca destes instrumentos, identificou-se que entre 50 e 70% das equipes conhecia e utilizava os protocolos.

Ainda nessa perspectiva, identificou-se que a inexistência de comissões de gerenciamento de resíduos sólidos em saúde e de notificação e prevenção de eventos adversos impossibilitava a promoção de medidas de seleção e descarte do lixo hospitalar, e de controle para a segurança dos pacientes. Tal situação também explica a baixa avaliação das UTIs na dimensão processo.
O estudo também identificou a ausência de registros em prontuário por profissionais da equipe multiprofissional, excetuando-se equipe médica e de enfermagem. O prontuário destina-se ao paciente e, mais especificamente, ao acompanhamento de seu estado, aos profissionais como a garantia do trabalho executado, à pesquisa, à instituição de saúde e à gestão(19).

A ausência de registros implica questões éticas e legais e ainda interfere no processo de comunicação entre profissionais, o que, por conseguinte, pode comprometer a qualidade dos serviços de saúde(19). Nesse sentido, imprimi-se a importância de se investir na melhoria do preenchimento dos prontuários hospitalares e em avaliações periódicas, as quais podem ser medidas indispensáveis para a elevação da qualidade dos serviços de saúde(19).

Foram identificados, neste estudo, aspectos limitantes nos serviços avaliados que permitiram a classificação do funcionamento de forma inadequada, o que evidencia uma situação local. Contudo, faz emergir a preocupação com a realidade de outros serviços que ainda não foram avaliados. Nessa perspectiva, resultados de pesquisas avaliativas devem ser incorporados à gestão dos sistemas e serviços de saúde, já que podem contribuir para o aperfeiçoamento do processo de tomada de decisões, planejamento, programação e organização dos serviços e identificar fragilidades políticas, debilidades organizacionais e lacunas no conhecimento acerca dos problemas que se apresentam em vários níveis e planos da realidade do SUS(20).

 

CONCLUSÃO

Este estudo apresenta uma possibilidade de caminho para a avaliação de unidades de terapia intensiva e enfatiza a importância da incorporação de práticas avaliativas no cotidiano das instituições de saúde. Seus achados ratificam a ponderação da dimensão processo, em comparativa à dimensão estrutura, já que os serviços classificados como inadequados apresentaram maior adequação proporcional em relação à dimensão estrutura. Ademais, evidenciou-se que critérios estruturais percebidos como inexistentes repercutiram diretamente em critérios processuais igualmente inexistentes. Assim, a inexistência de comissões inviabiliza a promoção de determinadas ações permeadas pelos processos de trabalho, bem como a estrutura física compromete a execução adequada desses processos.

Concluiu-se ainda que a adequação de um serviço está mais fortemente ligada aos recursos humanos do que aos materiais. As duas unidades investigadas receberam pontuação máxima no critério “materiais” e também pontuaram no critério “equipamentos”. Contudo, a disponibilidade de materiais e equipamentos não garantiu a adequação dos serviços, o que sugere que os maiores investimentos devam ser direcionados aos recursos humanos, que, notadamente, apresentaram uma fragilidade relacionada à qualificação em terapia intensiva, sobretudo no que se refere à gerência das unidades.

Por fim, apontou-se a insuficiência organizacional das unidades, evidenciada pela falta de padronização das condutas, ausência de fluxo para transporte e realização de exames, além de dificuldade para garantir o acesso aos recursos terapêuticos e diagnósticos.

O consenso dos experts, a aplicação e a análise ponderada dos resultados obtidos a partir do instrumento proposto, neste estudo, sugerem que ele possa ser aplicado em outras unidades de terapia intensiva em todo o cenário nacional. Assim como reproduzido com segurança em outras UTIs, uma vez que os critérios de avaliação nele definidos foram baseados nas normativas brasileiras, devendo, portanto, se acharem presentes em todas as unidades deste espécime.

 

REFERÊNCIAS

1. Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas. Saúde da Criança e Aleitamento Materno. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2009.

2. Ministério da saúde (Brasil). Portaria nº 1071, de 04 de Julho de 2005. Estabelece a Política Nacional de Atenção ao Paciente Crítico. Diário oficial da União 08 jul 2005.

3. Ministério da Saúde (Brasil). Portaria n°. 11, de 05 de janeiro de 2005.  Dispõe sobre os requisitos comuns para habilitação das Unidades de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica. Diário Oficial da União 06 Jan 2005.

4. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Brasil). Resolução nº. 7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Diário Oficial da União 25 Fev 2010; Seção 1.

5. Serrapione M. Avaliação da qualidade em saúde: a contribuição da sociologia da saúde para a superação da polarização entre a visão dos usuários e a perspectiva dos profissionais de saúde. Saúde debate. 1999; 23(53): 81-92.

6. Donabedian A. Qualidades na assistência à saúde. São Paulo: FGV;1992.

7. Souza LEPF, Silva LMV, Hartz ZMA. Conferência de consenso sobre a imagem-objetivo da descentralização da atenção à saúde no Brasil. In: Hartz ZMA, Silva LMV [ organizadores ]. Avaliação em saúde - dos modelos teóricos à prática na avaliação de programas e sistemas de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2005. p. 65-91.

8. Felisberto E, Freese E, Bezerra LCA, Alves CKA, Samico I. Análise da Sustentabilidade de uma política de avaliação: o caso da atenção básica do Brasil. Cad Saúde Pública. 2010; 20(6):1079-95.

9. Samico I, Felisberto E, Figueiro AC, Frias PG [ organizadores ]. Avaliação em Saúde: Bases Conceituais e Operacionais. Rio de Janeiro: MedBook; 2010.

10. Ministério da Saúde [ BR ]. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos.Diario Oficial da União 16 out 1996; seção 1.

11. Franco TB, Magalhães Júnior HM. Integralidade na assistência à saúde: a organização das linhas do cuidado. In: Merhy EE, Magalhães Júnior HM, Rimoli J, Franco TB, Bueno WS. O Trabalho em Saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano; 2ª ed. São Paulo: Hucitec; 2004.

12. Sallun RDL. Avaliação de dimensionamento e distribuição do pessoal de enfermagem em unidades de terapia intensiva [ Trabalho de Conclusão de Curso ]. Petrolina (PE): Universidade Federal do Vale do São Francisco; 2010.

13. Madureira CR, Veiga K, Sant’ana AFM. Gerenciamento de tecnologia em terapia intensiva. Rev Latino-Am Enfermagem. 2000; 8(6): 68-75.

14. Haddad MCL. Qualidade da assistência de enfermagem: processo de avaliação em hospital universitário público. [ Tese de Doutorado ]. Londrina (PR): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 2004.

15. Guerreiro PG, Beccaria LM, Trevizan MA. Procedimento operacional padrão: utilização na assistência de enfermagem em serviços hospitalares. Rev Latino-Am Enfermagem. 2008 [ cited 2010 May 02 ]16(6):26-32. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v16n6/pt_05.pdf

16. Silva MFI, Santos BMO. Estudo histórico - organizacional da comissão de controle de infecção hospitalar de um hospital universitário. Rev med. 2001 [ Cited 2012 Feb 12 ] ; 34: 170-6. Available from:  http://www.fmrp.usp.br/revista/2001/vol34n2/estudo_historicoorganizacional.pdf

17. Ministério da Saúde (Brasil). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Manual de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde.  Brasília: Ministério da Saúde; 2006.

18. Padilha KG. Ocorrências iatrogênicas na prática de enfermagem. In: CASSIANE SHB, UETA J. A segurança do paciente na utilização da medicação. São Paulo: Artes Médicas; 2004. p. 111-21.

19. Mendes ACG. Delicadeza esquecida: avaliação da qualidade das emergências. Recife: UFPE; 2010.

20. Vedootto D, Silva R. Humanization with the family in an intensive care unit: a descriptive study. Online Brazilian Journal of Nursing [ Internet ]. 2011 [ Cited 2012 Aug 3 ] 9(3).  Available from: http://www.OBbjnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3135

 

 

Recebido: 07/08/2012
Aprovado: 26/02/2013

 

Participação dos autores:
Amanda de Figueirôa Silva Carmo - Concepção e design, coleta de dados, análise e interpretação dos dados, escrita do artigo e aprovação final do artigo.
Fernando Antônio Ribeiro de Gusmão, filho - Concepção e design, revisão crítica e aprovação final do artigo.
Suely Arruda Vidal - Revisão crítica e aprovação final do artigo
Rosana Dourado Loula Salum - Coleta de dados, interpretação e análise, escrita do artigo.
Richardson Augusto Rosendo da Silva - Revisão crítica e aprovação final do artigo.
Ana Dulce Batista dos Santos - Design, interpretação e escrita do artigo, revisão crítica e aprovação final do artigo.