ARTIGOS ORIGINAIS
Survey de evidências clínicas de trauma vascular periférico em crianças internadas em pediatria
Raquel Nogueira Avelar e Silva1, Cristina Arreguy-Sena1
1Universidade Federal de Juiz de Fora
RESUMO
Objetivo: Analisar evidências clínicas do diagnóstico “Trauma vascular periférico” quanto à sua ocorrência e tipo em crianças de seis meses a 12 anos.
Método: Survey de punções venosas periféricas realizadas em crianças que tiveram a primeira punção por demítrio. Realizadas avaliações clínicas diárias do sítio de punção e áreas adjacentes em intervalos inferiores a 24 horas com acompanhamento da punção à resolução do trauma ou alta. Excluídas as punções subsequentes das estruturas corporais.
Resultados: Dentre as 338 punções, 53,3% apresentaram pelo menos uma evidência clínica de trauma caracterizada por: dor (30,1%), alteração da coloração da pele (18,6%), integridade da pele (47,7%), capacidade funcional (6,2%) e temperatura local (14,2%).
Discussão: As características definidoras de trauma vascular periférico disponibilizaram alicerces teóricos científicos aos enfermeiros para sua prática clínica, alertando-os para a ocorrência deste evento em crianças.
Conclusão: A caracterização do trauma vascular entre crianças permite uma releitura deste procedimento.
Descritores: Enfermagem; Criança; Diagnósticos de Enfermagem; Veias; Lesões.
INTRODUÇÃO
O avanço tecnológico, aliado ao melhor acesso ao tratamento de saúde, intensificou o número de internações em pediatria em decorrência de doenças graves, incapacitantes e complexas, cujas abordagens terapêuticas são capazes de prolongar a sobrevida e dar qualidade ao atendimento às crianças, além de reduzir as incapacidades(1,2).
Do ponto de vista do uso dos vasos sanguíneos como vias de efetivação para cuidados institucionais à criança, houve um aumento na realização destes procedimentos invasivos(1,3). A punção venosa periférica constitui um exemplo de procedimento invasivo frequentemente utilizado no tratamento de crianças hospitalizadas(1).
Efetua-se tal procedimento com vistas a garantir nível plasmático e absorção rápida de princípios ativos que assegure rápida recuperação da criança; aliviar dores de caráter contínuo ou intenso; operacionalizar tratamentos que por outras vias seriam demorados; atender situações emergenciais com a eficácia desejada e; obter material para exames e diagnósticos(3,4). O uso dos vasos sanguíneos permite a administração de terapias farmacológicas, hemoterápicas, imunológicas e a obtenção de material para fins diagnósticos(3,4).
O processo de punção vascular periférica é uma atividade assistencial inerente ao cotidiano laboral da enfermagem(3). Ele possibilita que o sistema vascular seja acessado por meio de uma sequência de etapas que vão desde o preparo da pele e da seleção de material compatível com o usuário até os cuidados com a pele após a remoção dos cateteres intravasculares(5). A operacionalização deste processo acontece em unidades de saúde, residências domiciliares ou instituições hospitalares(3,4).
O processo de punção de vasos em crianças requer que os profissionais que a executam adquiram/desenvolvam habilidades e competências: técnicas, relacionais, cognitivas, administrativas e de tomada de decisão, demonstrando ser um procedimento que envolve múltiplos fatores intervenientes(6). Mesmo utilizando estas habilidades e competências, os enfermeiros podem se deparar com iatrogenias vinculadas à punção venosa periférica(5,7). Elas são conhecidas como “trauma vascular periférico” e decorrem da instalação, manutenção e remoção dos cateteres e das soluções/volumes infundidos ou drenados.
Para identificar as iatrogenias decorrentes do processo de punção de vasos periféricos a tempo de preveni-las, minimizá-las ou tratá-las com intervenções terapêuticas pertinentes ao perfil laboral do enfermeiro. Tal profissional deverá se respaldar em conhecimentos a respeito das condições/circunstâncias e razões que justificaram o uso dos vasos sanguíneos e do perfil/características da clientela que terá seus vasos manuseados(5,7).
A existência de peculiaridades da punção venosa periférica no público infantil(6) faz com que este processo necessite de uma releitura e um redimensionamento a partir de novo paradigma, novas tecnologias e conhecimentos que garantam a qualidade do atendimento e a segurança da criança que terá seus vasos sanguíneos puncionados(6).
A fase de desenvolvimento em que a criança se encontra; suas experiências prévias; o tipo de interação que se estabelece entre as crianças e seus pais/responsáveis/profissionais de saúde nas ocasiões em que têm seus vasos sanguíneos puncionados e; as fantasias que possui a respeito de como ocorre a punção de vasos e de como é a hospitalização traduzem como as crianças vivenciam a punção de seus vasos sanguíneos(1,6,8,9).
A inclusão do diagnóstico de enfermagem “Risco para trauma vascular” na taxonomia da North American Nursing Diagnosis Association (NANDA) possibilita a aproximação entre a prática do enfermeiro e o uso da tecnologia de materiais/conhecimentos vinculados à punção dos vasos(5). Entretanto, o processo de punção de vasos nas crianças, por contemplar peculiaridades, constitui-se numa área de atuação laboral para enfermeiros pediátricos que se traduz num desafio(5).
As evidências clínicas de trauma vascular periférico, em crianças de seis meses a doze anos de idade, correspondem ao objeto desta investigação que se justifica pela existência de uma lacuna na abordagem do processo de punção vascular periférica em crianças.
Nesta pesquisa, o diagnóstico de enfermagem “Trauma vascular periférico” foi concebido como o estado no qual o indivíduo apresenta “danos internos ou externos em uma ou mais camadas dos vasos sanguíneos, por causas de origem química, física ou biológica, causados por lesão direta ou indireta nos vasos”(5). Diante do exposto, objetivou-se identificar e documentar as evidências clínicas/características definidoras de trauma vascular periférico na população infantil.
MÉTODO
Pesquisa tipo survey(10) realizada em um setor de pediatria de uma instituição hospitalar da Zona da Mata Mineira, de caráter filantrópico, conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e à rede privada.
População de seleção completa, composta por crianças que tiveram seus vasos sanguíneos periféricos puncionados durante o período de coleta de dados. Foram critérios de elegibilidade: 1) crianças com idade compreendida entre seis meses a 12 anos; 2) crianças cujos vasos sanguíneos periféricos foram puncionados pela primeira vez em cada demítrio; 3) àquelas cujos pais ou responsáveis autorizaram e presenciaram a participação do menor na investigação e a realização do registro fotográfico das manifestações de trauma vascular; 4) participação voluntária e não remunerada da criança, explicitada pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pós-informado (TCLE) de seus pais ou responsáveis; 5) sítios de inserção de cateteres que puderam ser avaliados em intervalo não superior a 24 horas da punção e acompanhados por avaliações clínicas diárias em período similar e; 6) conteúdo dos registros multiprofissionais realizados no prontuário da criança abordando o processo de punção de vasos.
As punções foram acompanhadas até: 1) 48 horas após a remoção do cateter nos casos em que não houve surgimento de evidências de trauma vascular periférico; 2) que a criança tivesse alta por qualquer razão e até 3) a regressão total das manifestações de trauma vascular periférico identificada nos sítios avaliados.
Foram critérios de exclusão: 1) crianças cujos pais/responsáveis não autorizaram a participação do menor na investigação ou não estavam presentes no momento das avaliações; 2) vasos periféricos puncionados fora do período de coleta de dados ou em demítrios previamente puncionados e; 3) punções com cateteres centrais de inserção periféricas.
A etapa de coleta de dados ocorreu dos dias 8 de janeiro de 2011 e 9 de maio de 2011, perfazendo um total de 122 dias consecutivos. Nesta etapa, foi utilizado um instrumento de coleta de dados previamente validado em adultos, idosos(5) e crianças(6), o qual permitiu a triangulação de técnicas para efetivação da coleta, a saber: exame clínico (inspeção, palpação e mensuração), entrevista (interação) e registros fotográficos. Isto significa dizer que, durante o período de coleta de dados, estas técnicas foram utilizadas diariamente para identificar a ocorrência de evidências clínicas (características definidoras) de trauma vascular periférico.
As variáveis consideradas para ocorrência do trauma vascular periférico foram: alterações na cor da pele (hematoma, equimose e eritema); alteração na integridade da pele (edema, vesícula, endurado e solução de continuidade); sensibilidade dolorosa aumentada; alteração na temperatura local e; limitação na capacidade funcional. Os critérios mensurativos adotados incluíram: 1) edema: mensuração comparativa com contralateral e escala de +/4+(11); 2) alterações de coloração: paleta cromática(6) com mensuração comparativa local e com contralateral; 3) solução de continuidade, vesícula e endurado: mensuração com fita métrica(11); 4) temperatura: palpação com dorso da mão comparativamente com contralateral (busca de diferença de mais de 2oC(5); 5) dor: escala visual analógica(12) e; 6) capacidade funcional: a) relato da criança sobre dificuldade de movimentar o membro puncionado, proporcionado pela interação (entrevista) entre pesquisadora e criança e b) avaliação clínica da capacidade da criança movimentar o membro baseada em duas escalas, a saber: i) Rossi e Mistrorigo: escala com escore de 1 a 5 pontos, sendo que o escore 1/5 corresponde à força muscular mínima, ou seja, a criança não consegue movimentar a estrutura corporal puncionada contra a gravidade, e o escore 5/5 equivale à força muscular normal, isto é, os movimentos da criança estavam preservados e; ii) Robert Lovet: escore de 1 a 5 pontos cuja interpretação é inversa à escala de Rossi e Mistrorigo(11).
Para consolidação e tratametno de dados utilizou-se o software o Statistical Package for Social Science for Windows (SPSS). Os critérios de exclusão foram aplicados em 39 situações: uma rejeição em participar e assinar o TCLE; 38 punções realizadas num período superior a 24 horas da primeira avaliação. Foram, então, incluídos na amostra 338 sítios vasculares periféricos.
O projeto foi submetido ao Comitê de Ética da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora (Parecer 019/2010), sendo atendidos todos os aspectos éticos e legais de pesquisa envolvendo crianças.
RESULTADOS
Dos 338 sítios de inserção de cateteres intravasculares periféricos avaliados, 216 (63,9%) ocorreram em meninos; 155 (45,8%) em crianças com idade compreendida entre seis meses a dois anos incompletos; 105 (31,6%) entre dois a cinco anos incompletos; 78 (22,6%) entre cinco a 12 anos incompletos e; 221 (65,4%) em crianças com pele parda ou negra.
Cateteres, veias e local de inserção: O uso de cateteres com agulhas do tipo flexíveis com mandril e sem extensores foi unânime, dos quais 319 (94,4%) cateteres de calibre 24 Gauge (G). O perfil das veias puncionadas foi: 321 (95%) de pequeno calibre; 93 (27,5%) de calibre tortuoso; 292 (86,4%) não palpáveis; 204 (60,4%) puncionadas fora da articulação e; 242 (71,6%) não visíveis. As punções foram localizadas: 1) quanto à estrutura corporal: no dorso da mão, em 173 casos (51,2%); no antebraço, em 117 (34,6%); nos membros inferiores, em 46 (13,7%) e; no pescoço, em dois casos (0,6%); 2) em relação à raiz do membro puncionado: 83 (24,6%), no terço proximal e 205 (60,7%), na face posterior. A média do tempo de permanência do cateter intravascular foi de 2,7 dias.
Registro das punções realizadas: Os registros de enfermagem a respeito do processo de punção de vasos (nome do profissional que realizou a punção, data de realização e local no qual o cateter foi inserido) estavam ausentes no sítio de inserção do cateter em 289 (85,5%) casos e sem documentação no prontuário do usuário.
Processo de fixação dos cateteres e avaliação das condições locais: O número de adesivos para fixação do cateter intravascular variou de três a sete em 259 (76,6%) casos, sendo 315 (93,2%) deles fixados com esparadrapo comum e 23 (6,8%) com adesivo do tipo antialérgico.
Houve 105 (31,1%) punções que apresentaram algum tipo de sujidade, ou seja, alteração na coloração original dos adesivos e 39 (11,5%) com umidade identificada durante a avaliação, cujas razões foram: 16 (4,7%) em decorrência do contato com água; 11 (3,3%) devido à presença de solução intravascular e; cinco (1,5%) pelo contato com material biológico, tendo como marcador a presença de sangue visível.
Tipos e ocorrência de evidências clínicas de trauma vasculares identificados: Foram identificadas em 180 (53,3%) sítios de punção vasculares que apresentaram pelo menos uma evidência clínica de trauma vascular, a saber: 1) alteração na sensibilidade dolorosa: 102 casos (30,1%), considerado a partir do escore 5 numa escala numérica de 0 a 10, em que 10 representa o nível máximo de dor); 2) diminuição da capacidade funcional: 292 casos (86,4%), dos quais 271 (80,2%) identificados pelo relato da criança, a qual referiu apresentar dificuldade para movimentar a estrutura corporal puncionada e 21 (6,2%) identificados por avaliação clínica do profissional, que notou limitação parcial ou total da criança na capacidade de movimentar o membro; 3) alteração na temperatura corporal local: 48 casos (14,2%), sendo 37 (10,9) caracterizados por hipotermia e 11 (3,3%) por hipertermia e; 4) alteração da integridade da pele.
Foram 63 (18,6%) os casos de alteração da integridade que cursaram com modificação da cor, a saber: 24 deles com equimose (38%), 20 com eritema (31,8%) e 19 com hematoma (30,2%). Dentre os 167 (47,7%) casos que cursaram com alterações na integridade da pele, 129 (77,2%) foram caracterizados pela presença de edema (contabilizado a partir de +2/+4); 19 (11,4%) pela presença de rompimento da pele; 14 (8,4%) pela ocorrência de endurado e; cinco (3%) pela presença de vesícula/pápula.
Os registros das evidências clínicas de trauma vascular periférico em criança, que foram documentados por fotografias, estão exemplificados na Figura 1.
DISCUSSÃO
A análise comparativa da taxa de internação do setor de pediatria da instituição investigada por critério de gênero evidenciou redução no número de meninas internadas. Tal fato pode ser explicado, em parte, pelo maior número de acidentes infantis envolvendo meninos(13).
Ao analisar a faixa etária das crianças incluídas na pesquisa, é possível dizer que 71,9% das punções acompanhadas ocorreram em crianças que tinham de seis meses a quatro anos incompletos de idade. Isto é, crianças em fase de maturação fisiológica ou pré-escolar(2). A fase de desenvolvimento infantil intervém sobre a interpretação dada pela criança a estímulos externos, a exemplo da punção venosa periférica(1,2,6).
Crianças na primeira fase de desenvolvimento infantil (nascimento aos 18 meses), ao explorarem espaços físicos, desenvolvem habilidades interacionais, comunicacionais e criam vínculos com as pessoas ao seu redor (pais/familiares). Neste sentido, o lar é favorável ao desenvolvimento de tais habilidades, uma vez que ele se constitui de um ambiente cujos estímulos podem ser monitorados e modelados pelos pais/familiares.
A hospitalização, o acréscimo de pessoas ao convívio da criança e a presença de intervenções terapêuticas são exemplos de estímulos estranhos ao modelo familiar que intervém sobre desenvolvimento/respostas da criança(2). A presença de um responsável junto com a criança durante o tempo de internação(2) nem sempre significa segurança para a criança, uma vez que os acompanhantes também vivenciam o impacto da internação de um parente menor de idade(1). As novidades de o ambiente hospitalar, nestas circunstâncias, não garantem um ambiente e uma rotina de estabilidade necessária ao desenvolvimento da criança nesta fase.
Na segunda fase de desenvolvimento infantil, fase pré-escolar (18 meses a quatro anos), o desenvolvimento físico é compatível com as iniciativas de mobilidade, de expressão e de interação da criança, a ponto de favorecer sua permuta com outras crianças com idades semelhantes. Neste sentido, a hospitalização e a realização de procedimentos invasivos, tais como a punção vascular periférica, são interpretadas como fontes de estímulo capazes de favorecer o retrocesso da criança, na medida em que elas se retraem diante da insegurança e medo gerados pelo ambiente inóspito e procedimentos interpretados por elas como ameaçadores(1,2).
Outro fator que interfere no processo de desenvolvimento da criança hospitalizada são as concessões feitas pelos pais como forma de barganhar com a criança, a ponto de favorecê-la pelo sofrimento e pelo enfrentamento à doença(1,2). Estas concessões comprometem a capacidade da criança em interagir, compartilhar e utilizar com êxito símbolos para exprimir-se com tranquilidade(1,2).
A análise da ocorrência da cor de pele das crianças mostrou que um maior número de crianças de pele parda e negra internadas, tanto no setor de pediatria no qual a pesquisa foi realizada quanto no município: 65,4% e 71% respectivamente(14).
Cateteres, veias e local de inserção: A análise do tipo de cateter intravascular periférico, a identificação das vantagens e desvantagens de cada equipamento usado num determinado segmento populacional embasam o processo de tomada de decisão de enfermeiros no contexto do processo de punção de vasos. A caracterização das veias puncionadas, analisadas no conjunto de critérios classificatórios(5,7), retratou que o processo de punção vascular periférico em crianças, possui especificidades, tais como o pequeno calibre e não visibilidade da veia. O olhar do profissional que irá puncionar a veia, embasado nestas peculiaridades, constitui-se numa estratégia capaz de fornecer subsídios para a escolha/processo de seleção de materiais, de forma a adequá-lo às individualidades dos usuários. Um exemplo é o uso de materiais que contribuem para o evidenciamento de vasos(1,15), que reduz o número de tentativas aleatórias de punção e minimizam a ocorrência de trauma vascular periférico(1,5).
Registro das punções realizadas: Os registros de enfermagem têm caráter obrigatório e a análise(16) de suas ocorrências possibilitou constatar que a equipe de enfermagem, no período avaliado, não atendeu às recomendações legais previstas na resolução 358/2009 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEn)(16). Os registros são instrumentos utilizados pelos profissionais de enfermagem capazes de nortear, comunicar aos demais membros da equipe e assegurar o compartilhamento de informações nas 24 horas e de forma contínua a respeito de como a condução do processo de punção de vasos é realizada(16).
Processo de fixação dos cateteres e avaliação das condições locais: A análise do processo de fixação mostrou número elevado de adesivos de fixação e uso predominante do esparadrapo comum. Este fato vai de encontro ao consenso sobre os benefícios do uso de coberturas transparentes estéreis, as quais possibilitam acompanhamento diário, redução da exposição à patógenos, umidade e sujidade de origem externa(4).
A presença de sujidade e umidade nos sítios de inserção e/ou áreas adjacentes dos cateteres periféricos pode estar relacionada à ocorrência de mais de 50% das punções realizadas na mão da criança e ao fato das crianças levarem a mão à boca com frequência(2).
Tipos e ocorrência de evidências clínicas de trauma vasculares identificados: Dentre as 338 punções vasculares periféricas acompanhadas, 180 (53,3%) tiveram pelo menos uma das cinco evidências clínicas investigadas, fato que permitiu identificar os tipos de “Trauma vascular periférico” em crianças de seis meses a 12 anos de idade.
Dentre as alterações na cor da pele, foram encontrados hematoma, equimose e eritema. Hematoma e equimose decorrem do extravasamento e do acúmulo de sangue no espaço intersticial, podendo evoluir para infecção, uma vez que o sangue constitui-se de um meio de cultura para microrganismos(17).
O mecanismo de evolução de um hematoma ou de uma equimose é desencadeado pelo acúmulo de sangue fora do vaso(17). Macrófagos atuam fagocitando as hemácias infiltradas no espaço extracelular, numa atividade na qual a hemoglobina é degradada em hemossiderina e porfirina, pigmentos de cor acastanhada e púrpura, respectivamente(17). Estas evidências podem ocorrer em virtude da: transfixação do vaso sanguíneo(5), remoção do cateter IV antes da remoção do garroteamento e a não compressão do sítio de inserção do cateter até que haja a finalização completa da coagulação local(5,7). Estas lesões correspondem a modalidades de trauma vascular periférico abordado na presente investigação.
No caso do eritema, a cor avermelhada se deve ao maior aporte sanguíneo em consequência da hiperemia reativa (dilatação das arteríolas)(17). Isso equivale dizer que o aumento da atividade tecidual faz com que as células consumam mais nutrientes e, vasodilatem-se para suprir as demandas de oxigênio local(17).
Entre as manifestações de trauma vascular que cursam com alteração da integridade da pele foram identificados: o edema; o endurado; a vesícula/pápula e a solução de continuidade.
Entre as possíveis causas de edema vinculado ao processo de punção de vasos estão: o extravasamento de volumes infundidos/drenados/acumulados no espaço extravascular (intracelular ou extracelular)(5).
O extravasamento de líquidos para o espaço intracelular pode ser originado do processo inflamatório (reações aos componentes do cateter), do processo infeccioso (coleção de pus)(5) ou da transfixação dos vasos(5). Quando este processo está instalado, ele aumenta a permeabilidade celular, propiciando a entrada do sódio e outros íons para o interior da célula, desencadeando o processo de osmose e por consequência, o edema(5).
Em caso de edema de origem extracelular, a transfixação do vaso favorece o extravasamento do sangue para o interstício até que o processo de coagulação seja ativado, quando permanece o extravasamento de plasma até a conclusão do processo, desencadeando edema(5).
Outra manifestação de trauma vascular é o endurado. Ele se caracteriza pelo espessamento celular, manifestando-se pelo enrijecimento da área ao redor do sítio de inserção do cateter IV periférico ou do próprio vaso. Neste caso, o edema secundário à proeminência celular e à dilatação dos poros dá à pele local a aparência de “casca de laranja”(5). Entre as causas do surgimento do endurado estão: o contato da agulha com a íntima (manifestações de sítio) ou um espessamento da íntima em decorrência do pH/concentração das soluções (manifestações em trajeto)(5). Em ambos, a f undamentação da ocorrência se estrutura no desencadeamento de uma reação inflamatória(5).
As pápulas e/ou vesículas são lesões sólidas identificadas nas manifestações de trauma vascular que possuem consistência endurecida, circunscritas, superficiais, pequenas (menos de 5mm) e apresentam-se em alto relevo(5,17). Elas são causadas pelo acúmulo de células, que, por sua vez, pode ser provocado por reação alérgica(5). A ocorrência de pápulas e/ou vesículas no processo da punção vascular periférica pode ocorrer, por exemplo, pela instalação de reação alérgica ao esparadrapo.
A solução de continuidade que ocorre com a inserção do cateter IV, ao perfurar o estrato córneo até atingir o vaso(5) causa um rompimento da integridade cutânea, que por si, constitui-se numa preocupação de interesse para a atuação da enfermagem, uma vez que a lesão provocada torna a criança mais vulnerável à possibilidade de deslocamento/introdução de germes da própria flora(5). Tal fato é retratado na taxonomia da NANDA no diagnóstico intitulado “Risco para infecção” relacionado a procedimentos invasivos(18).
Manter o sítio de inserção de cateteres intravasculares seco, limpo e em contato com material estéril, até que se forme a ponte epitelial de cicatrização, é a base da discussão para novos equipamentos que necessitam ser inseridos na realidade institucional onde os vasos são puncionados(5).
O trauma também cursou com alterações na temperatura local/áreas adjacentes de inserção do cateter intravascular periférico. A temperatura corporal é um sinal vital, um dado objetivo que indica o estado de saúde de um indivíduo. Há dois tipos de temperatura que regulam o corpo humano, a saber: a central e a cutânea(11).
A temperatura central refere-se aos tecidos profundos do corpo e permanece constante, em torno de 0,60C, até mesmo quando um indivíduo nu é submetido a temperaturas que oscilam entre 130C a 600C(11). A temperatura cutânea tem a capacidade de aumentar e diminuir de acordo com a temperatura do meio ambiente, portanto, é uma temperatura que oscila com certa facilidade quando comparada à temperatura central(11).
No contexto do processo de punção vascular periférica, avaliar a temperatura cutânea no sítio de inserção do cateter IV e áreas adjacentes a ele constitui um mecanismo para detectar a ocorrência de uma das manifestações do trauma vascular.
A alteração de temperatura nos locais de punção dos vasos quando comparada com seu contralateral, excluindo-se alterações sistêmicas da temperatura corporal, sinaliza para a instalação de trauma vascular(5).
Considerando que a temperatura cutânea sofre influência da temperatura ambiental(11), é necessário analisar a alteração da temperatura no sítio de inserção e nas áreas adjacentes à punção dos vasos à luz da ocasião em que a pesquisa foi realizada (janeiro a maio). Isso equivale dizer que havia expectativa de ocorrer maior ocorrência de hipertermia, quando se considera a temperatura ambiente. Porém, detectou-se a ocorrência de hipotermia (37%) e de hipertermia (11%), ou seja, tendência contrária à influência da temperatura ambiente.
Se, por um lado, um dos fatores que provocaram a hipotermia é a característica de temperatura mais fria das soluções intravasculares infundidas quando comparada à temperatura corporal, por outro, a hipertermia (11%), para ser explicada, necessita ser analisada junto com as alterações de coloração da pele (18,6%) e a ocorrência de eritema (5,9%), elementos que sinalizam para a instalação de trauma vascular periférico em decorrência de processos inflamatórios e/ou infecciosos(5).
O trauma vascular periférico por alteração na capacidade funcional foi avaliado segundo relato das crianças, de limitação parcial ou total dos movimentos do membro puncionado e pela avaliação clínica da pesquisadora, a respeito da mesma limitação. A ocorrência desta evidência clínica foi discrepante do ponto de vista do critério de mensuração (relato da criança ou avaliação clínica profissional), 80,2% e 6,2%, respectivamente. Este fato explicitou uma especificidade do processo de punção vascular periférico no público infantil(6). Sentimentos de ameaça diante da iminência de nova punção de vaso (angústia, tristeza e medo)(1,19) justificam o porquê das crianças investigadas relatarem não conseguir movimentar seus membros puncionados, quando comparada à análise clínica de restrição de movimento.
A dor, evidência clínica de trauma vascular, é definida como um experimento subjetivo, de sensação desagradável(6), associada a danos reais ou potenciais nos tecidos. A frequência com que a dor foi identificada nesta pesquisa pode ser considerada uma especificidade do público infantil, quando comparada à avaliação do mesmo fenômeno entre adultos ou idosos(5).
A forma como este momento é vivenciado pelas crianças e a maneira como é abordado por profissionais requer monitoração terapêutica e abordagem num enfoque científico(1). Ele representa uma oportunidade de minimizar iatrogenias, reduzir a exposição ao estresse, favorecer e consolidar o desenvolvimento de mecanismos adaptativos indispensáveis a um crescimento saudável(1,20).
Considerando a dimensão subjetiva da dor e a peculiaridade do processo infantil em suas várias etapas, a percepção de sensibilidade dolorosa individual, vivida pelo público infantil, possui como especificidade fatores tais como: a personalidade, os aspectos cognitivos, as manifestações comportamentais, o contexto socioambiental.
A personalidade enquanto um conjunto de características psicológicas influencia o padrão de pensar, de sentir e de agir, exprimindo-se pela individualidade da criança(1). Ela explica a percepção da dor de forma diferenciada, mesmo entre crianças de faixas etárias semelhantes(1).
Dependendo de como a criança vivencia e interpreta a dor e de quais são os determinantes predominantes (pessoais, sociais ou relacionais), ela adotará uma forma de enfrentamento que poderá ser mais ou menos marcante. Seu comportamento poderá ser percebido pelo fato de a criança manifestar-se com mais ou menos intensidade, estando presentes traços de agressividade/embotamento; comportamentos de xingar/barganhar; expressões de brigar ou gritar, mostrar-se acuada ou passiva diante da “força” que ela considera que a equipe de saúde e/ou seus pais enviam em sua direção.
O fato de as crianças estarem em desenvolvimento (estruturas físicas, neurológicas, cognitivas e comportamentais) explica sua imaturidade para vivências inovadoras, a exemplo daquelas da punção vascular periférica(1). É frequente as crianças retratarem instabilidade na forma de reagir, pensar, sentir(1).
As mudanças e a consolidação de um comportamento favorável somente emergem após várias experiências, nas quais as crianças terão a oportunidade de experimentarem comportamentos diversificados até que encontrem uma forma de enfrentamento positivo diante da situação vivida(1).
Durante a identificação da ocorrência dos tipos de evidências que emergiram nas crianças de seis meses a 12 anos foi possível identificar que algumas delas não cursaram sozinha, sendo identificadas em concomitância com outras. Um exemplo é o aumento da temperatura corporal local que foi acompanhada de eritema e/ou dor. Tal fato justifica a seguinte indagação: será que estas características definidoras ocorreram simultaneamente ou sequencialmente? A resposta a esta questão poderá nortear a avaliação do enfermeiro para identificação precoce das primeiras manifestações de trauma, evitando assim sua progressão ou instituindo em tempo hábil condutas terapêuticas para minimizá-las.
O fato das manifestações de trauma vascular periférico surgirem em decorrência da presença do cateter, do tipo de solução infundida e/ou do conteúdo drenado/extravasado(5,6) faz com que ele nem sempre possa ser prevenido. Nos casos em que o trauma pode ser evitado, diagnostica-se “Risco para trauma vascular”(5). E, nos casos contrários, em que se diagnostica “Trauma vascular periférico”, ele poderá, com condutas de enfermagem, ser minimizado ou tratado.
CONCLUSÃO
Ao avaliar diariamente os sítios de punções vasculares periféricos e áreas adjacentes a eles foi possível identificar cinco tipos de evidências clínicas, características definidoras de “Trauma vascular periférico”, em crianças de seis meses a 12 anos.
As técnicas de coleta de dados permitiram quantificar e identificar os tipos de trauma que ocorreram no processo de punção de vasos em crianças. Foram identificados: de alterações na cor da pele, manifestadas por hematoma, equimose e eritema (4,1%); alteração na integridade da pele, sendo identificados edemas, endurados, vesículas e soluções de continuidade; alteração na temperatura local; 4) alteração na capacidade funcional e; alteração na sensibilidade dolorosa. Estas manifestações ocorreram com um ou mais componentes.
A presença de pelo menos uma das evidências clínicas anteriormente mencionadas, quando vinculadas ao processo de punção de vasos foi suficiente, do ponto de vista conceitual, para afirmar a presença de características definidoras de trauma vascular periférico(5). Neste sentido, a presente investigação contribuiu na identificação de tipos de trauma e de especificidades do processo de punção vascular periférico na população infantil de seis meses a 12 anos de idade e na identificação.
Tais contribuições constituem alerta para a categoria de enfermeiros quanto à necessidade de reorientação de sua conduta e das demandas de cuidado de enfermagem oriundas de todo processo de punção vascular. Deve-se assegurar a qualidade do cuidado e a segurança física, emocional, social, psicológica e moral das crianças que têm seus vasos sanguíneos periféricos puncionados.
O processo de punção de vasos periféricos envolvem várias evidências clínicas, as quais fizeram emergir a seguinte indagação: Qual(is) seria(m) a(s) manifestação(ões) inicial(is) do trauma vascular periférico, capaz de servir como parâmetro pelo enfermeiro para diagnosticar a ocorrência do trauma vascular e de interromper tal processo em suas etapas preliminares?
Diante do exposto, sugere-se a criação de um protocolo de registro do processo de punção de vasos no prontuário da criança e registro sintético (data de instalação, troca de curativo e calibre do cateter) no adesivo de fixação, sem que o mesmo impeça a visualização do sítio de inserção do cateter.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 31/07/2012
Revisado: 18/02/2013
Aprovado: 08/04/2013