ARTIGO ORIGINAL

 

Grupos de pesquisa em feridas cadastrados no Brasil: um estudo transversal

 

 

Beatriz Guitton Renaud Baptista Oliveira1; Alacoque Lorenzini Erdmann2; Patricia dos Santos Claro Fuly1; Aretha Pereira de Oliveira3; Ana Luiza Soares Rodrigues4

1Universidade Federal Fluminense
2Universidade Federal de Santa Catarina
3Instituto Nacional do Câncer
4Hospital Federal da Lagoa

 

 


RESUMO
Objetivo: Descrever as principais características dos grupos brasileiros de enfermagem e saúde cadastrados no Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil que pesquisam sobre feridas.
Método: Estudo documental, com delineamento transversal, realizado no período de 03 de março a 10 de abril de 2012, com dados referentes aos grupos de pesquisa que estudam feridas.
Resultados: Dos 61 grupos selecionados, 42,60% se localizam na região sudeste; apenas 44,26% dos grupos contam com a participação de enfermeiros. A maioria dos líderes de grupos é representada por doutores da área médica; 78,70% dos grupos desenvolvem até sete linhas de pesquisa 31,8% das linhas de pesquisa tratam de estudos histopatológicos e de cicatrização.
Conclusão: A enfermagem realiza pesquisas voltadas para a área da assistência de enfermagem e qualidade de vida, mas ainda apresenta uma expressão limitada na pesquisa no contexto interdisciplinar.

Palavras-chave: Cicatrização; Grupos de pesquisa; Enfermagem


 

 

INTRODUÇÃO

Desde a década de 1980 a enfermagem brasileira tem empreendido esforços para publicação de livros e artigos relacionados à prevenção e tratamento de feridas. Com uma produção pouco expressiva no passado, a enfermagem na última década tem ampliado consideravelmente o corpo de conhecimentos na temática, abordando não somente aspectos descritivos da fisiologia das lesões e técnicas de curativos, bem como tem tratado de temáticas emergentes como: a descrição de novos recursos tecnológicos para o reparo de lesões; o gerenciamento de enfermagem; os aspectos econômicos e epidemiológicos que envolvem as lesões; a formação de recursos humanos; o uso de terapias complementares e; discussões sobre autonomia profissional.

Estudos sobre a temática são muito importantes considerando que alguns tipos de feridas, como no caso das úlceras de perna, constituem um problema de saúde pública na atualidade(1). Tais estudos revelam a natureza do trabalho da enfermagem, por meio da prevenção e tratamento de lesões, e atravessam questões como autonomia profissional e economia em saúde.

Existem grupos dedicados às pesquisas com feridas no Brasil que incluem outras áreas que não somente a enfermagem. A produção científica e capacitação de novos pesquisadores estão ancoradas nos grupos de pesquisa. Tais grupos se organizam para operacionalizar projetos que estão vinculados à linhas de pesquisa dentro de um escopo de conhecimento que identifica o Grupo de Pesquisa(2).

Existe um potencial de crescimento dos grupos de pesquisa dedicados a essa temática e um incremento da produção científica dentro desses grupos, dado o atual panorama econômico brasileiro e o progressivo avanço tecnológico na área produtiva industrial. Tais fatos cooperam para a criação de produtos inovadores para a prevenção e tratamento de feridas.

Nesse sentido, para reconhecer a expertise e produtividade de pesquisadores em uma determinada temática, recomenda-se a consulta ao Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, cadastrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O Diretório é um instrumento para intercâmbio e troca de informações, que constitui uma fonte para pesquisas e levantamento de dados censitários sobre grupos, financiamentos e interação dos mesmos com o setor produtivo. Além de representar um instrumento de preservação da memória da atividade científico-tecnológica brasileira(3).

Considerando o contexto descrito, este estudo centra-se na questão: Como se caracterizam os grupos brasileiros de enfermagem e saúde cadastrados no Diretório do CNPq que pesquisam sobre feridas?

Para atender à questão descrita, foi traçado o seguinte objetivo: descrever as principais características dos grupos brasileiros de enfermagem e saúde, que pesquisam sobre feridas, cadastrados no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo documental, com delineamento transversal, realizado com dados referentes aos grupos de pesquisa registrados no Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil que estudam feridas. Estes dados estão disponíveis no site do CNPq, e foram acessados por meio de uma investigação na opção de busca “grupos”.

A busca foi realizada no período de 03 de março a 10 de abril de 2012, utilizando-se os seguintes termos de busca: feridas; feridas enfermagem; lesões de pele; cicatrização; lesões tissulares; cicatrização de feridas. Esta busca resultou em um total de 233 grupos, sendo: 55 com a palavra feridas; 21 com feridas enfermagem; 17 com lesões de pele; 113 com cicatrização; 01 com lesões tissulares e; 26 com cicatrização de feridas.

Os critérios de inclusão dos grupos foram: grupos registrados no diretório do CNPq, de enfermagem ou de outras áreas de conhecimento; com linhas de pesquisa direcionadas à feridas crônicas ou agudas, ou cujos líderes tenham produções dentro desta área.

Os critérios de exclusão dos grupos foram: não apresentar linhas de pesquisa relacionadas à feridas e à cicatrização de feridas; grupos da odontologia, por apresentarem linhas de pesquisa relacionadas apenas à cicatrização dentária; grupos com pesquisas exclusivamente direcionadas à animais; grupos que tratavam de cicatrização de outros órgãos que não a pele ou músculos; grupos cuja última atualização é anterior a junho de 2010 ou; cuja atualização do currículo Lattes do líder é anterior a junho de 2010. Os grupos encontrados por meio de duas ou mais palavras foram considerados apenas uma vez.

Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 61 grupos, os quais foram submetidos à análise de elementos específicos definidos previamente para a construção de um banco de dados. As variáveis de análise foram: dados de identificação - ano de formação; universidade ao qual o grupo é vinculado/Estado da federação; última atualização do grupo; área predominante de conhecimento; participação de enfermeiros; dados do líder (titulação acadêmica/área de conhecimento); número de pesquisadores/titulação acadêmica; número de estudantes/titulação acadêmica; número de técnicos; linhas de pesquisa; repercussões do trabalho do grupo; relações com o setor produtivo; caracterização do objeto de estudo do líder; projetos do grupo; produção do grupo; métodos de investigação.

Durante a avaliação dos grupos, percebeu-se um grande quantitativo de linhas de pesquisa desenvolvidas. Do total de 347 linhas de pesquisa, 88 são referentes à temática feridas. Tendo em vista a variedade de linhas de pesquisa encontradas, abordando objetos de estudo diferentes, optou-se por organizar as linhas relacionadas à temática em categorias para analisar as produções dos grupos e os principais tipos de pesquisa realizados.

A apresentação dos resultados foi realizada de forma descritiva com a reunião das linhas de pesquisa referentes a feridas de cada grupo em sete categorias para estudo, a saber: Estudos pré-clínicos; Estudos histopatológicos da ferida; Estudos de tecnologias para o tratamento de feridas; Estudos de lesões tegumentares por doenças endêmicas; Estudos epidemiológicos sobre feridas; Estudos sobre assistência de enfermagem e qualidade de vida de paciente com feridas; Estudos de lesões oncológicas.

Para a discussão dos dados obtidos, optou-se pela ordenação em forma de gráficos e tabelas, visando melhor visualização de sua representação.

 

RESULTADOS

A amostra constituiu-se por 61 grupos e 88 linhas de pesquisa. Com relação à região do país em que se concentram os grupos selecionados, observou-se que 42,6% se localizam na região sudeste, como pode ser constatado no gráfico 1.

Em relação à participação de enfermeiros nos grupos de pesquisa que estudam feridas, verificou-se que dos 61 grupos registrados no Diretório do CNPq, apenas em 27 (44,26%) tinham enfermeiros inseridos entre os membros.

Tendo em vista que outras categorias da área da saúde estão atuando em pesquisas sobre feridas, realizou-se um levantamento sobre os líderes destes grupos quanto à sua titulação e área de conhecimento. Esta análise demonstrou que a maioria dos líderes é representada por doutores da área médica, conforme demonstrado pela tabela 1 a seguir.

Observa-se que, dos 27 grupos que contam com a participação de enfermeiros, 20 são liderados por profissionais desta categoria.
Da mesma forma, identificaram-se as principais áreas de conhecimento dos grupos de pesquisa, destacados no Diretório do CNPq, que ressaltou novamente o predomínio da área médica, como nota-se na tabela 2.

Quanto ao ano de formação destes grupos, percebe-se um crescente desenvolvimento no decorrer do tempo, com um aumento expressivo no número de grupos a partir da década de 2000, visualizado no gráfico 2.

Os quatro grupos mais antigos da amostra foram formados no ano de 1990, coincidindo com o período no qual se começa a observar e divulgar os resultados dos trabalhos iniciados na década de 1980. Já o grupo mais recente foi formado no início do ano 2012.

Para a organização em categorias, realizou-se uma avaliação das linhas de pesquisa desenvolvidas por cada grupo. A maioria dos grupos (93,4%) apresenta mais de uma linha de pesquisa, e 78,7% desenvolvem entre uma e sete linhas, demonstrando alta especificidade quanto aos objetos estudados, conforme mostrado na tabela 3.

Do total de 347 linhas de pesquisa desenvolvidas pelos grupos, foram selecionadas as 88 referentes à temática feridas. Observa-se, portanto, que os grupos, em sua maioria, desenvolvem estudos sobre objetos diferentes e incluem aspectos relacionados a lesões tissulares.

As linhas de pesquisa selecionadas foram distribuídas em categorias para avaliação dos tipos de pesquisa mais comumente trabalhados pelos grupos. Os resultados encontram-se sumarizados na tabela 4.

Observa-se pela análise da tabela 4 que as categorias mais trabalhadas são, respectivamente, os estudos histopatológicos e de cicatrização de feridas, os estudos de tecnologias para o tratamento de feridas e pesquisas sobre assistência de enfermagem e qualidade de vida de pacientes com feridas.

Verifica-se na tabela 5, que a maioria dos estudos da área médica é desenvolvida com a avaliação histopatológica e de cicatrização de feridas; já os estudos da enfermagem são prioritariamente para a assistência de enfermagem e qualidade de vida de pacientes com feridas.

É importante ressaltar que a saúde coletiva também apresenta linhas de pesquisa relacionadas à esta categoria, tendo em vista a presença de pesquisadores enfermeiros em seus grupos. Os estudos referentes à epidemiologia encontram-se divididos entre os grupos da enfermagem e da medicina, e os referentes às tecnologias para o tratamento de feridas são desenvolvidos por diversas áreas, sem concentração em um campo específico.

 

DISCUSSÃO

Um grupo de pesquisa constitui-se no lócus de produção de conhecimentos e formação de recursos humanos em pesquisa(4). Ainda que os mesmos representem uma poderosa estratégia para fortalecimento da enfermagem como ciência e profissão, a enfermagem ainda necessita ampliar suas bases investigativas, considerando que os resultados do estudo apontam para um predomínio de grupos de pesquisa com lideranças e linhas de pesquisa em outras áreas que não a enfermagem.

Considerando a expressão da atividade profissional da enfermagem e sua relação com a temática de feridas, em vista dos múltiplos cenários de pesquisa que o enfermeiro pode assumir, existe um universo a ser ocupado pela enfermagem brasileira. Ainda que o cuidado com feridas seja realizado essencialmente por enfermeiros, ele representa um campo e uma práxis que é multiprofissional, contudo, a atuação interdisciplinar ainda é incipiente devido à dificuldade de ultrapassar os nossos próprios princípios discursivos(5).

O estudo demonstra que a enfermagem não tem participado ativamente em pesquisas interdisciplinares, considerando que participa apenas de sete grupos de pesquisas de outras áreas, haja vista os 41 grupos que não lidera. Essa baixa integração de pesquisas em outras áreas repercute, sobretudo, nas pesquisas de inovação tecnológica, que apresentam forte tendência à interdisciplinaridade com cooperação entre áreas como a farmácia, biologia e biomedicina.

Considera-se também que a enfermagem não participou de nenhum grupo de pesquisa com desenvolvimento de estudos pré-clínicos, o que denota a necessidade de envolvimento com técnicas que envolvem esse tipo de pesquisa. Um fato que pode justificar tal resultado reside no processo de formação de pesquisadores enfermeiros no Brasil que, na sua maioria, se doutoram numa perspectiva que não privilegia a pesquisa básica nem a experimental(6).

Outro fato relevante reside na natureza dos estudos realizados pela enfermagem, essencialmente concentrados na categoria estudos sobre assistência de enfermagem e qualidade de vida de pacientes com feridas. Os estudos enquadrados nessa categoria são muito heterogêneos com temáticas que variam desde a educação em saúde, passando pela bioética, até o diagnóstico de enfermagem e tratamento de lesões. Os cuidados com ostomias e as feridas propriamente ditas são termos dominantes dentre as palavras-chave descritas. Ao analisarmos essa categoria observa-se uma dispersão de palavras-chave em alguns grupos, o que caracteriza uma baixa especificidade das pesquisas.

Destaca-se ainda a desigualdade de distribuição dos grupos que trabalham com feridas por regiões geográficas e unidades da federação, pois 42,6% desses grupos de pesquisa estão concentrados em instituições localizadas na região sudeste do Brasil.

Foi possível ainda identificar poucas relações dos grupos com o setor produtivo. Com isso percebe-se um potencial restrito para a geração de patentes e consequente produção de biomateriais que possam subsidiar a melhoria da qualidade de vida dos pacientes com feridas.

Apontamos como limitação desse estudo o fato de que alguns currículos de pesquisadores, no momento da amostragem, não constavam na plataforma lattes, o que prejudicou a análise dos dados, tendo em vista que os grupos liderados por estes pesquisadores foram excluídos da amostra. Tal fato gerou preocupação considerando que desde 2002, tendo em vista a integração dos sistemas Grupo e de Currículo Lattes, tornou-se obrigatório que pesquisadores e estudantes possuíssem um currículo Lattes cadastrado no CNPq para participar do Diretório(7). A ausência de um currículo lattes cadastrado e a presença do mesmo desatualizado prejudica a visibilidade da pesquisa em enfermagem.

 

CONCLUSÃO

O Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq constitui uma importante ferramenta que oferece uma fotografia da pesquisa no Brasil. Nota-se que a enfermagem ainda apresenta uma expressão limitada em pesquisas na temática feridas, dentre os grupos cadastrados no Diretório, sobretudo em estudos pré-clinicos, onde não existem grupos trabalhando com essa temática.

Essa importante lacuna no conhecimento de enfermagem aponta para reflexão sobre a formação de pesquisadores de enfermagem no Brasil, que tem privilegiado a abordagem qualitativa em função da quantitativa.

A enfermagem também tem uma integração limitada na pesquisa no contexto interdisciplinar, especificamente na temática feridas. Tal limitação prejudica a visibilidade das pesquisas realizadas por enfermeiros para outras áreas de conhecimento.

 

REFERÊNCIAS

1.Leite AP, Oliveira BGRB, Futuro DO, Castilho SR. Effectiveness of using the gel of papain in the wound healing: clinical trial. Online braz j nurs [ serial on the internet ]. 2011 Oct [ cited 2012 May 10 ] 10 (2). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3351/html_1

2.Erdmann AL, Mello ALF, Andrade, SRS, Klock P. Funcionalidade dos grupos de pesquisa de administração/gestão/ gerência de enfermagem. 2010 Apr; Rev Rene. 11(2): 19-26.

3.Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [ Homepage on the internet ]. Diretórios de pesquisa [ cited 2012 May 16 ]. Available from: http://www.cnpq.br/gpesq/aprese ntacao.htm.

4.Erdmann AL, Lanzoni GMM. Características dos grupos de pesquisa da enfermagem Brasileira certificados pelo CNPq de 2005 a 2007. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008 Jun; 12 (2): 316-22.

5.Oliveira MAC. A interdisciplinaridade no ensino e na pesquisa em Enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2012 Apr; 46(2):01-2.

6.Cabral IE, Tyrrel MAR. Pesquisa em enfermagem nas Américas. Rev Bras Enferm. 2010 Jan; 63(1): 104-10.

7.Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [ Homepage on the internet ]. Mudanças importantes introduzidas a partir de 2002 [ Cited 2012 Apr 23 ]. Available from: http://dgp.cnpq.br/censos/inf_gerais/aquisicao_arquivos/central_que_eh.htm.

 

 

Recebido:17/07/2012
Aprovado:28/01/2013