ARTIGOS ORIGINAIS

 

Ensino de gerenciamento do cuidado: olhar de graduandos – teoria fundamentada nos dados

 


Iraci dos Santos1, Alacoque Lorenzini Erdmann2, José Luís Guedes dos Santos2, Patrícia Klock2, Vilma Villar Martins1, Euzeli da Silva Brandão3

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro
2Universidade Federal de Santa Catarina
3Universidade Federal Fluminense

 


RESUMO
Objetivo: compreender o olhar de estudantes de enfermagem sobre o ensino de gerenciamento do cuidado durante sua formação acadêmica. Método: estudo qualitativo, do tipo teoria fundamentada nos dados. Os dados foram coletados mediante entrevistas semiestruturadas com 18 estudantes de duas universidades brasileiras. Para análise, realizaram-se codificações aberta, axial e seletiva. Resultados: categorias delimitadas: reconhecendo que as interligações entre as disciplinas favorecem a visão do cliente em sua integralidade; associando o gerenciamento do cuidado à descoberta das reais necessidades físicas e mentais do cliente; entendendo o gerenciamento do cuidado como uma atividade ampla e complexa relacionada aos cuidados diretos e indiretos ao cliente, e; referindo que há maior contemplação do conteúdo teórico em relação ao conteúdo prático sobre gerenciamento, que compõe o fenômeno – compreendendo que o gerenciamento propicia ao cliente um cuidado humanizado e integral. Conclusão: os estudantes entendem que o gerenciamento, além de atender demandas institucionais, é uma estratégia para o desenvolvimento de melhores práticas de cuidado.
Palavras-chave: Gerência; Enfermagem; Cuidados de Enfermagem; Educação Superior.


 

INTRODUÇÃO

Historicamente, cuidar e gerenciar se constituíram como as principais dimensões do trabalho do enfermeiro, no entanto, se configuram como processos pouco articulados. Na atualidade, observa-se a existência de um paradigma emergente, o qual se refere ao gerenciamento focado no cuidado de enfermagem, a partir de uma perspectiva que articula gerência e assistência, tendo como centralidade o usuário do serviço de saúde e o cuidado em uma abordagem que extrapole o tecnicismo em direção à integralidade da atenção(1).

Nesse sentido, o termo gerência do cuidado refere-se à articulação entre a dimensão gerencial e assistencial do trabalho do enfermeiro, de tal modo que a gerência pode ser considerada uma atividade meio que cria e implementa condições adequadas para a atividade fim que é o cuidado(2-3).

A complexidade do gerenciamento do cuidar é notória, visto abranger a administração do macro e micro ambientes nos quais os clientes se encontram, qual sejam, hospitais, ambulatórios, policlínicas, unidades de pronto atendimento, comunidades, unidades de saúde da família e empresas de cuidado domiciliar (home care), principalmente considerando as etapas do planejamento estratégico do cuidado ao cliente, onde quer que ele esteja.

Dito dessa forma parece inexistir complexidade. Pois se acredita, que as duas especificidades citadas se conjugam para atender ao cliente. Entretanto, os profissionais que já vivenciaram o gerenciamento - considerando-o como função indelegável, prática administrativa e inerente ao enfermeiro mais do que a outro profissional da equipe de saúde -, encontram dificuldades ao vivenciá-la, tendendo, inclusive, a dimensioná-la em partes complementares entre si: atender/cuidar e atender/gerenciar(1).

Aqui, busca-se considerar o gerenciamento do cuidado como uma função indivisível, pois quer seja administrando o ambiente terapêutico, o micro ambiente do cliente e/ou sistematizando o atendimento de enfermagem, o enfermeiro presta cuidados indiretos e diretos ao cliente(4). Certamente, tal consideração poderá ser corroborada por citações(1,3-4) relacionadas à criação e implementação de condições adequadas à produção do cuidado e de desempenho à equipe de saúde e as intervenções para o cuidado integral ao usuário dos serviços de saúde.    

Neste sentido, o gerenciamento do cuidado de enfermagem pode seguir as proposições das políticas públicas do Ministério da Saúde, quanto aos diversos coletivos/equipes implicados nas práticas gerenciais e de produção de saúde visando superar limites e criar novas possibilidades organizacionais para instituições e modalidades de produção do cuidado implementando condições adequadas a esta produção(5).

Assim, a gerência do cuidado de enfermagem mobiliza ações nas relações, interações e associações entre as pessoas como seres humanos complexos, quer sejam profissionais interdisciplinares e/ou clientes, culminando na complexidade de uma prática, envolvendo ações de: gerenciar cuidando/educando/pesquisando; cuidar gerenciando/educando/pesquisando; educar cuidando/gerenciando/construindo  conhecimentos  e  articulando  os  diversos  serviços  hospitalares  e para-hospitalares, portanto, buscando a qualificação do cuidado como direito do cidadão(6-7).

Observou-se em revisão de literatura, que a dimensão gerencial do trabalho do enfermeiro é visualizada por este profissional como uma atividade burocrática e desvinculada da produção do cuidado(8). Isto devido à dissociação entre gerência e cuidado procedente da influência histórica dos modelos: taylorista/fordista, administração clássica e burocrática, ainda utilizados para a organização do trabalho e o gerenciamento no setor saúde(9-10).

Ressalta-se, que no seu cotidiano de trabalho, o enfermeiro enfrenta desafios institucionais relacionados às dificuldades e facilidades e de valorização profissional devido à sua formação em enfermagem, visando solucionar as demandas dos clientes e da instituição de saúde. Portanto, há que reconstruir e construir adequadas formas de cuidar dessas demandas(11). Entretanto, a reconstrução desse saber/fazer deve privilegiar fundamentos tecnológicos para o gerenciamento do cuidado, visando ampliar a visibilidade das atividades de enfermagem(12).   

Então, sobreleva-se a necessidade da incorporação de novos conhecimentos e habilidades ao exercício gerencial do enfermeiro, como competência relacional, ética, política e humanista(7). Para incorporá-los, impõe-se o repensar a formação deste profissional, visando à superação da dicotomia entre cuidado e gerência e propiciando aos graduandos experiências diversificadas ao longo da formação, especialmente para a função de liderança da equipe de enfermagem(8).

Vale recordar que, no Brasil, as mudanças e adequações curriculares propostas para os cursos da área da saúde, buscam, principalmente, a atenção às necessidades de saúde da população e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), ampliando o acesso à população e sua área de abrangência, assim como aos postos de trabalho(13).

A partir deste panorama foram formuladas as questões de pesquisa: Qual é o olhar dos estudantes sobre o ensino do gerenciamento do cuidado em saúde e enfermagem durante seu processo formativo? Como os acadêmicos vislumbram sua formação profissional para a gerência do cuidado nos cenários das políticas públicas e na perspectiva da complexidade que envolve as práticas em saúde e enfermagem?

Este estudo objetivou compreender a percepção dos estudantes de enfermagem sobre sua formação profissional para a gerência do cuidado ao ser humano nos cenários das políticas públicas, na perspectiva da complexidade.,

 

Adotou-se como referencial teórico o pensamento complexo proposto por Edgar Morin(14), cujo sentido etimológico latino da palavra complexidade refere-se à "aquilo que é tecido em conjunto", e questiona os princípios da disjunção, redução e abstração que contribuem para fragmentação do conhecimento em disciplinas, sob a égide de um paradigma de simplificação. Tal paradigma diz respeito “ao conjunto dos princípios de inteligibilidade próprios da cientificidade clássica, e que, ligados uns aos outros, produzem uma concepção simplificadora do universo (físico, biológico, antropossocial)”(14:330).

Com este pensamento, o citado autor(14) nos convida a prestar conta do despedaçamento e das mutilações do saber e do fazer, articulando o mundo das ideias com o da vida. A lógica da complexidade faz uma torção em diversos sustentáculos do pensamento cartesiano, subverte a lógica da ordem do conhecimento, denuncia a imprevisibilidade do saber e da relação com a vida, derruba as fronteiras entre produtor e produto e causa e efeito para construir um saber aberto à experimentação(15).

 

MÉTODO

Estudo qualitativo orientado pela Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), que tem por base um conjunto de procedimentos sistematizados para a investigação de um determinado fenômeno, mediante a produção e análise dos dados simultaneamente(16).

Trata-se de pesquisa interinstitucional realizada entre o Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FENF/UERJ), a partir de projeto proposto pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração, Gerência do Cuidado e Gestão Educacional em Enfermagem e Saúde (GEPADES) – UFSC.

Participaram da pesquisa 18 graduandos de enfermagem distribuídos em três grupos amostrais conforme a etapa do curso na qual se encontravam: cinco alunos dos períodos iniciais, sete alunos dos períodos intermediários e seis alunos dos períodos finais. Nos grupos amostrais integraram-se estudantes de ambas as instituições, pois um dos principais pressupostos norteadores da TFD é o conceito de amostragem teórica, o qual preconiza o processo de coleta de dados, objetivando a busca de lugares, pessoas ou acontecimentos que potencializem a descoberta de variações entre conceitos e o adensamento das categorias, suas propriedades e dimensões, conforme as necessidades de informações que surgem ao longo da pesquisa(16).

O período de coleta de dados ocorreu de agosto de 2011 a março de 2012, por meio da técnica de entrevista semiestruturada, com eixos temáticos para discussão com os participantes da pesquisa, os quais se expressaram e responderam aos questionamentos do pesquisador(16). As entrevistas foram realizadas individualmente a partir de um roteiro composto com as seguintes questões: como você percebe o gerenciamento do cuidado em saúde e enfermagem? Como você tem experenciado/vivenciado o aprendizado sobre o gerenciamento do cuidado em saúde e em enfermagem durante a sua formação em enfermagem? Como essa temática tem sido trabalhada-enfocada-discutida-ensinada em sala de aula ou ensino prático ou estágio ao longo de sua formação acadêmica? Como você vislumbra a sua formação profissional para o gerenciamento do cuidado?

As entrevistas tiveram duração média de 30 minutos e foram gravadas em um dispositivo eletrônico de áudio. Estas gravações foram armazenadas em CD e transcritas na íntegra. Analisaram-se os dados mediante o processo de análise comparativa constante, por meio das etapas de codificação aberta, codificação axial e codificação seletiva.

Para a codificação aberta, realizou-se um trabalho atento e minucioso, tendo o pesquisador codificado cada incidente em todas as categorias de análise possíveis, questionando exaustivamente os dados, buscando compreender seu significado a partir das respostas dos estudantes. Na codificação axial, ocorreu a reagrupação dos códigos por suas similaridades e diferenças conceituais, formando-se categorias com nomes provisórios e mais abstratos que os códigos. A interrelação entre as categorias e suas subcategorias caracteriza uma etapa marcada por um movimento indutivo-dedutivo, demandando reflexão e sensibilidade teórica do pesquisador. Na codificação seletiva, houve a integração e o refinamento das categorias, que foram organizadas, considerando um conceito explicativo central(16).

Atendendo aos aspectos éticos, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, sendo aprovado com o protocolo 996/2010. Os integrantes da pesquisa foram esclarecidos sobre os objetivos e a metodologia propostos, e tiveram assegurado seu direito de acesso aos dados. Além disso, eles assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, sendo garantida a sua autonomia, anonimato e respostas à pesquisa. Ressalta-se que as gravações das entrevistas foram eliminadas depois de transcritas.

 

RESULTADOS

Após a integração e refinamento das categorias organizadas em torno de um conceito explicativo central da pesquisa, são descritas, neste trabalho, apenas duas categorias emergentes no estudo, a partir das respostas dos estudantes às perguntas 1 e 3, respectivamente: qual é a sua percepção sobre o ensino do gerenciamento do cuidado em saúde e enfermagem durante seu processo formativo? Como esta temática tem sido trabalhada, enfocada, discutida e ensinada em sala de aula ou ensino prático e/ou estágio, ao longo de sua formação acadêmica?

As respostas obtidas formaram quatro categorias: 1) Reconhecendo que as interligações entre as disciplinas favorecem a visão do cliente em sua integralidade; 2) Associando o gerenciamento do cuidado à descoberta das reais necessidades físicas e mentais do cliente; 3) Entendendo o gerenciamento do cuidado como uma atividade ampla e complexa relacionada aos cuidados diretos e indiretos ao cliente e; 4) Referindo que há maior contemplação do conteúdo teórico em relação ao conteúdo prático sobre gerenciamento, as quais compõem o fenômeno: Compreendendo o gerenciamento como estratégia potencializadora de um cuidado humanizado e integral ao cliente. Seguem as descrições das categorias citadas.

A categoria Reconhecendo que as interligações entre as disciplinas favorecem a visão do cliente em sua integralidade destaca que, apesar da fragmentação da grade curricular, para fins didáticos, existe a necessidade de integrar conhecimentos adquiridos nas diversas disciplinas oferecidas durante a graduação em enfermagem, tendo em vista o cuidado ao ser humano, considerando suas dimensões física, mental/emocional e espiritual, conforme se observa nos depoimentos a seguir.

] a gente tenta sempre fazer os links entre as matérias. Isso pra gente é bom porque o ser humano não é dividido, ele é completo. (Estudante A)

 

Observa-se, que a fala da estudante A revela e justifica a necessidade da integração e complementação do conhecimento adquirido nas diferentes disciplinas, entre as quais a administração da assistência de enfermagem, a partir da sua aplicação na prática de cuidar; fato corroborado na fala seguinte.

] geralmente a área assistencial acaba ajudando todas as disciplinas. (Estudante C)

 

O gerenciamento foi ressaltado como essencial para o cuidar

] acho que não tem como você cuidar sem gerenciamento. (Estudante G)

Na categoria Associando o gerenciamento do cuidado à descoberta das reais necessidades físicas e mentais do cliente, os discentes revelaram a necessidade da avaliação e de cuidados personalizados, ressaltando a aplicação da sistematização da assistência de enfermagem.

] A gente tem que ter um cuidado humanizado e olhar integral para o cliente. (Estudante A)

É, eu acho que é isso mesmo ] seguir etapas, fazer bem o que o paciente precisa, necessita. O que a gente pode fazer por ele?  Qual a melhor forma de cuidar dele? ], muitas vezes [o usuário] tem problemas de saúde mental e precisa mais de uma conversa, de diálogo. (Estudante H)

Já a categoria Entendendo o gerenciamento do cuidado como uma atividade ampla e complexa relacionada aos cuidados diretos e indiretos ao cliente revela controvérsias no entendimento dos discentes sobre o gerenciamento do cuidado. Pode-se perceber na fala dos discentes uma fragmentação acerca da compreensão do gerenciamento citado, destacando-se em uma das falas a soberania da gerência da equipe de enfermagem, sob a responsabilidade do enfermeiro, em detrimento da realização do cuidado direto ao cliente.

Nesse contexto, revela-se o equívoco da possibilidade de gerenciar o cuidado sem, por vezes, conhecer e atender as reais necessidades e desejos do cliente, foco principal do cuidado. Tal fato pode ser evidenciado na fala a seguir:

Eu acredito que o significado do gerenciamento do cuidado é muito amplo e complexo... a gente pode estar direta e indiretamente na chefia de enfermagem, a gente precisa gerenciar as pessoas que estão conosco ]. (Estudante C)

Ele está desde a atenção básica, quando você vai organizar, de repente, uma estrutura de PSF [Programa de Saúde da Família], ou de posto, até a rede mais complexa de hospital, onde você tem que organizar os materiais e administrar os recursos humanos e, no próprio cuidado mesmo com o cliente. Porque se você não tiver uma coisa sistematizada, a coisa fica meio bagunçada, cada um chega e faz de uma forma e o cuidado acaba não sendo tão cuidado assim. Acaba sendo um pouco prejudicial ao cliente. (Estudante A)

] nós estamos fazendo o cuidado do cliente porque nós gerenciamos as pessoas que estarão em contato com o paciente e, não, gerenciar diretamente o cuidado no paciente, mas as pessoas que farão o cuidado. (Estudante F)

Para mim a gerência do cuidado é tudo: o cuidado propriamente dito ao paciente; o cuidado que ele precisa ter na hora certa; são os materiais disponíveis para que eu possa fazer esse procedimento certo, na hora certa; é ter uma boa harmonia na equipe para poder dar essa assistência; ter uma boa inter-relação entre os setores para que possam trabalhar o conjunto e de maneira ótima, para trazer um melhor resultado para o paciente. (Estudante H)

A gerência do cuidado seria o planejamento do cuidado, com todos os processos metodológicos que você escolher, qualquer teoria de enfermagem, processo de enfermagem. E seria também a implementação e evolução desse cuidado. Registro do cuidado que você fez ]. (Estudante I)

] a gerência do cuidado é tentar organizar e administrar todos esses fatores que tem dentro do hospital para um melhor cuidado para o paciente. (Estudante J)

Quanto à pergunta aos estudantes sobre sua experiência/vivência do ensino/ aprendizagem do gerenciamento do cuidado, destacou-se a categoria Referindo que há maior contemplação do conteúdo teórico em relação ao conteúdo prático sobre gerenciamento, revelada na fala a seguir:

A meu ver é função do professor. Porque o conteúdo é muito novo pra gente, então eu acho que o professor que está dando a disciplina ele tem que fazer com que os alunos se encantem por ela e tente ir linkando as coisas pra que a gente não queira só ficar na parte administrativa e burocrática, mas também com o cuidado, que é justamente o que a enfermagem se propõe. (Estudante D)

 

] É o que eu sinto. Falta, muitas vezes, a prática [...].. Conteúdo teórico é tudo muito lindo, muito bonito. Ler o quadro, ler os textos, ler artigos, mas, a prática nos falta. (Estudante E)

A complementaridade entre os conteúdos teóricos e práticas de gerenciamento foi ilustrada por um dos estudantes ao mencionar que, apesar dos conteúdos teóricos referentes à gestão de pessoas e ao dimensionamento de pessoal, o aprendizado de como se realiza uma escala de serviço ocorreu durante o estágio supervisionado da disciplina de Gestão e Gerenciamento em Enfermagem e Saúde:

A parte de gestão de pessoas eu acho que elas [professoras] poderiam ter feito mais atividades voltadas para a prática ]. Nós até fizemos uma escala fictícia ]. Mas, eu fui aprender mesmo como se faz uma escala no meu campo de estágio. (Estudante R)

 

Os estudantes consideram a gerência uma dimensão importante da atuação do enfermeiro e reconhecem que, ao longo do curso realizam ações relacionadas ao gerenciamento, mas sem uma discussão teórica e um aprofundamento sobre o tema. Isso é feito, como referiram os participantes do estudo, nos últimos semestres do curso.

Eu ouvi falar [sobre a importância do gerenciamento na enfermagem] e perguntei para a professora para saber direitinho o que era, e a resposta que eu tive é que eu aprenderia isso na sétima fase, no final do curso ]. (Estudante C)

Apesar de que, na terceira fase a gente já começa a ver, ter que deixar o ambiente organizado. Isso já é gerenciar. É organização. Mas a gente não vê esse conceito com a forma de gerência, não faz essa relação. (Estudante J)

Eu acho que é uma área bem interessante, mas pouco trabalhada no curso, eu acho que deveria ser mais abrangente. (Estudante P)

 

A partir da interligação das categorias apresentadas, constituiu-se o fenômeno Compreendendo o gerenciamento como estratégia potencializadora de um cuidado humanizado e integral ao cliente, que se configura, a partir do entendimento dos graduandos acerca do gerenciamento do cuidado, como uma condição necessária para a promoção de um atendimento digno, com visão do ser humano em sua totalidade e complexidade.

 

DISCUSSÃO

Os resultados deste trabalho apontam a necessidade de se envidar esforços no ensino de gerenciamento do cuidado, visando à adoção de modelos e tecnologias gerenciais voltados para a abrangência e complexidade do ambiente terapêutico e do atendimento, não só da equipe de saúde, que cuida do cliente, mas também(1, 3-4)  do cuidado integral a este. Tal modalidade de cuidado poderá ser facilitada pelos instrumentos tecnológicos e metodológicos vigentes na sistematização da assistência de enfermagem(2-3,12).

Em algumas falas, percebe-se um olhar restrito do gerenciamento do cuidado, valorizando principalmente o cuidado direto ao cliente e o registro das ações de enfermagem realizadas, o que expressa a dicotomia existente no entendimento acerca do tema. Assim, pontua-se que a integração dos saberes das diversas disciplinas oferecidas ao longo da formação profissional poderá ser mais valorizada pelos docentes, alertando aos discentes não só seu significado, mas também sua utilidade para um desempenho profissional(7), no qual se evidenciará a ética e estética do fazer enfermagem além da superação da dicotomia entre cuidado e gerência(10-12).

Os estudantes que estão concluindo sua formação acadêmica compreendem a articulação existente entre gerência e assistência na prática de gerenciar o cuidado realizado pelos enfermeiros, exemplificando-a por meio da realização do cuidado em si, da coordenação do processo de cuidar compartilhado com os demais profissionais da equipe de saúde e da previsão e provisão dos insumos necessários para uma assistência com qualidade. 

Outro achado importante da pesquisa é que os acadêmicos participantes da pesquisa valorizam a articulação com a prática e interação com os docentes no processo de ensino/aprendizagem. Considerando que a educação é potencializada pela dialogicidade entre professores e alunos(17), por meio do diálogo é possível incentivar os alunos a adotarem escolhas de práticas compatíveis com a filosofia e ideologia da enfermagem e não apenas destinadas ao cumprimento das normas institucionais estabelecidas.

Nesse sentido, cabe destacar que a contribuição da graduação e da prática profissional para o desenvolvimento de competências acontece de diferentes maneiras no gerenciamento do serviço e no gerenciamento do cuidado. De modo geral, as disciplinas curriculares abordam os conceitos básicos e apontam diretrizes para tais processos. Contudo, é papel do professor de disciplinas de Administração aplicada à enfermagem discutir com o aluno a relação da teoria com a realidade da prática gerencial. Isso é possível pelo desenvolvimento de atividades teórico-práticas junto a serviços de saúde que aproximam o aluno à prática gerencial de enfermeiros. Como resultados de aproximações teóricas e reflexivas com o auxílio docente, o aluno ampliará seu entendimento sobre a interseção entre o gerenciamento do serviço e do cuidado, entre outros objetivos do seu processo de ensino-aprendizado(18).

Também cabe aos docentes gerar reflexões entre os estudantes sobre a dimensão política do processo gerencial, para a instrumentalização do aluno para uma ação crítico-reflexivo frente a situações reais de trabalho. Isso significa o aluno compreender as determinações de caráter político-ideológicas e econômicas da organização; da sociedade; bem como das políticas públicas de saúde e de educação e; relacionar as teorias de administração com o processo de trabalho do enfermeiro e a atuação deste profissional em um determinado contexto(19).

Do mesmo modo, ressalta-se a situação de enfermeiras gestoras do SUS, ocupando cargos relevantes, embora atuando predominantemente como executoras de macrofunções gestoras de saúde(20). Tal fato caracteriza a complexidade do gerenciamento em saúde, sobretudo quando este se faz no nível de supervisão dos agentes comunitários e da equipe de enfermagem, envolvendo outros profissionais da equipe de saúde, para os quais há que se prover os recursos indispensáveis ao cotidiano do cuidar do cliente(20).

É nesse sentido, que os estudantes alertam para a complexidade(14) do saber, do poder ensinar para fomentar o saber e do aprender/adquirir conhecimentos para o fazer. Práticas estas, do domínio de professores e alunos interessados em transformações de realidades estáticas e sem contribuições para o crescimento individual e profissional de ambos.

 

CONCLUSÃO
           
Historicamente é notório o enfrentamento de desafios institucionais quanto à obrigatoriedade de chefia e liderança de enfermagem geral e nas unidades de instituições de saúde. O exercício do cargo/função de chefe sempre demanda sérias dificuldades ao enfermeiro, por estarem vinculadas, geralmente, ao que se acredita serem facilidades devido à valorização desse profissional procedente de sua formação em enfermagem, que privilegia a disciplina de administração/gerenciamento. A maior dificuldade refere-se à resolução de demandas institucionais caracterizadas na promoção do micro e macro ambiente terapêutico para acolher os usuários da instituição referida.

Importa destacar que, nela, a previsão, provisão e manutenção do ambiente terapêutico depende da competência e habilidade do enfermeiro chefe, considerado o profissional da área de saúde, que possui adequado preparo para tanto. Apesar de que, na atualidade, outros profissionais desta área buscam, cada vez mais, formação especializada em administração/gerência e assumem cargos de chefia sem, contudo, se preocuparem com a disponibilidade de pessoas e de recursos materiais, ambientais e documentais indispensáveis ao atendimento ao cliente.   

Portanto, o investimento educacional relacionado ao ensino de teorias de administração, na formação do enfermeiro justifica-se a partir do cumprimento da legislação do exercício de enfermagem. Porém, entende-se que tal fato é injustificável, se ele se afastar da aplicação de seus conhecimentos sobre o cuidar do cliente, utilizando a sistematização do atendimento de enfermagem, principal razão de existir desta profissão.

Analisando os resultados obtidos nesta pesquisa, concluiu-se que os graduandos de enfermagem percebem esta realidade e têm pensamentos coerentes sobre a necessidade de mudança na perspectiva do gerenciamento do cuidado e, consequentemente, do seu ensino, visando atender ao cliente - instituição de saúde, a partir das demandas de atendimento com qualidade e bem-estar de seu usuário, o que já é uma missão institucional, a qual as lideranças e equipes disciplinares e interdisciplinares devem se propor a alcançar. Para a continuidade e aprofundamento da temática em estudo, sugere-se a realização de pesquisas que integrem a perspectiva de docentes de gestão/gerenciamento de enfermagem ao olhar de estudantes de enfermagem, aspecto não contemplado no presente trabalho.

 

REFERÊNCIAS


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Contribuição dos autores

Pesquisa bibliográfica e coleta de dados da pesquisa: Iraci dos Santos, Vilma Villar Martins, Euzeli da Silva Brandão, José Luís Guedes dos Santos e Patrícia Klock; Concepção e desenho do artigo: todos; Análise e interpretação dos resultados: todos; Escrita do artigo: todos e; Revisão crítica e aprovação final do artigo: Iraci dos Santos e Alacoque Lorenzini Erdmann.

 

 

Recebido: 27/05/2012
Aprovado: 27/11/2012