TREINAMENTO DE PESQUISA UNIVERSITÁRIA

 

Transtornos de adaptação no pós-parto decorrentes do parto: estudo descritivo exploratório

 


Glauce Cristine Ferreira Soares1, Daniela de Almeida Andretto1, Carmem Simone Grilo Diniz1,Nádia Zanon Narchi1

1Universidade de São Paulo

 


RESUMO
Introdução: A experiência do parto pode ocasionar aparecimento de transtornos de adaptação (TA), com prejuízos à saúde materna e neonatal. Objetivo: Verificar a presença de sinais de TA em puérperas e sua possível relação com a experiência do parto. Método: Estudo descritivo exploratório. Os dados foram coletados em dois momentos: no pós-parto imediato e entre 90 a 180 dias após o parto, com aplicação da Escala de Impacto de Eventos (IES). A população foi constituída por 98 puérperas de um hospital de São Paulo. Resultados: Das 98 mulheres, 9,2% relataram sinais de TA, correlacionando-os à experiência do parto, sendo mais frequente nas que tiveram cesárea e naquelas que não ficaram com acompanhante. Conclusão: O uso da IES possibilitou verificar a presença de sinais de TA, sua associação com o tipo de parto e com a presença de acompanhante.
Palavras-chave: Transtornos de Adaptação; Violência contra a Mulher; Período Pós-parto


 

INTRODUÇÃO

O pós-parto é um período da vida da mulher que deve ser avaliado com especial atenção, pois envolve inúmeras alterações físicas, hormonais, psíquicas e de inserção social, que podem refletir diretamente sobre sua saúde mental(1).

Alguns autores(2,3) salientam que o estado emocional e psicológico da mulher nesse período é fundamental para o saudável relacionamento do binômio mãe-filho, para a saúde materna e de sua família. A esse respeito, Byrom et al(2) ressaltam que problemas psicológicos puerperais podem ser tão comuns como os físicos, associando-os com problemas de saúde mental anteriores, baixos níveis de suporte pós-natal e experiência de parto traumática.

Durante o processo de parto e nascimento as mulheres estão mais vulneráveis e se tornam mais suscetíveis à violência que, segundo Wolff e Waldow(4), é “consentida”, ou seja, aceita. Para as autoras, as mulheres não se manifestam por medo ou opressão, ou ainda por estarem vivenciando algo totalmente novo e desconhecido.

Finalizado o processo de parturição, normalmente tentam esquecer os maus tratos em função das novas demandas e tarefas solicitadas pelo bebê, bem como pela satisfação sobre o nascimento. Entretanto, algumas mulheres sofrerão repercussões psicossociais decorrentes da assistência obstétrica recebida, muitas das quais atreladas a sentimentos e transtornos do período pós-parto.

Têm-se hoje descritos na literatura(1,3,5,6) três tipos principais de transtornos psíquicos no período pós-parto: o denominado “Baby Blues” ou “Maternity Blues”; a depressão pós-parto e; a psicose puerperal, considerada uma emergência psiquiátrica que requer tratamento intensivo.

Todas essas perturbações têm como foco principal o componente individual, seja por deficiência de suporte social ou por problemas anteriores de saúde mental da mulher. A sua determinação pouco leva em conta a forma como o sistema de saúde, em especial a assistência obstétrica, está organizado e como a vivência negativa do parto pode trazer prejuízos no período pós-parto.

Por esse motivo, alguns autores(1-3,6,7) também descrevem problemas associados a eventos estressantes, e, de acordo com Neves(7), eles frequentemente são classificados como transitórios e, por isso, recebem a denominação de Transtornos de Adaptação (TA). Estes comumente se manifestam entre 90 a 180 dias após o evento estressor e são caracterizados, essencialmente, pelo desenvolvimento de sintomas emocionais ou comportamentais importantes, como resposta a um ou mais estressores psicossociais identificáveis, o que leva ao sofrimento e prejuízo significativo no funcionamento social do indivíduo e pode perdurar por meses.

No caso de aparecerem após o parto, os TA podem levar a sintomas de depressão e ansiedade(7), trazendo prejuízos à saúde materna e neonatal e podendo, inclusive, interferir nos cuidados com o bebê, na amamentação, no estabelecimento de vínculo e no desenvolvimento do recém-nascido. Em alguns casos, esses transtornos podem evoluir para distúrbios comportamentais mais complexos(1-3,6).

Ainda sobre os fatores que influenciam a experiência do parto, Byrom et al(2) descrevem alguns procedimentos obstétricos invasivos, tais como a cesárea de emergência, a indução do parto e o nascimento vaginal instrumental, comumente percebidos como trauma pelas mulheres e associados com o transtorno de estresse pós-traumático. Sobre esse tema, Figueiredo et al(8) relatam que a presença e o acompanhamento de pessoa significativa durante o parto, o tipo de parto e a dor vivenciada interferem na forma como a mulher interpreta esta experiência.

Sabidamente o pós-parto é um período de atenção deficitária por parte dos sistemas de saúde, especialmente no que se refere à saúde psicossocial das mulheres. Quando surgem problemas de adaptação, normalmente, as puérperas ou familiares buscam ajuda junto a profissionais médicos ou enfermeiros nem sempre preparados para reconhecer os sinais de transtornos mentais e emocionais próprios do período(1,2).

Nesse contexto, é papel do profissional de saúde estar atento à saúde mental e emocional da mulher no pós-parto. A abordagem deve ser feita no sentido de manter suporte emocional, compreensão e auxílio nos cuidados com o bebê(1), sendo importante que a mulher receba todas as informações sobre o que está ocorrendo e seja encaminhada para atendimento especializado, caso haja persistência por mais de duas semanas de sintomas, o que poderá evitar o surgimento de depressão pós-parto ou até de psicose puerperal(6).

Dada a importância das repercussões do parto sobre a saúde da mulher, surgiu a ideia desse estudo, que se justifica pela importância do diagnóstico precoce e consequente intervenção de suporte ou, até mesmo, de encaminhamento daquelas puérperas que porventura relatem algum tipo de transtorno emocional ou de sinais de TA. Além disso, o estudo poderá dar indícios de como as práticas obstétricas no parto, muitas vezes violentas e impositivas às mulheres, se relacionam com o aparecimento dessas perturbações.

Levando em conta essas considerações, esta pesquisa teve por objetivo verificar a presença de sinais de TA em mulheres que se encontram no período pós-parto e sua possível relação com a experiência do parto.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, com abordagem quantitativa. Os sujeitos da pesquisa compreenderam 98 mulheres que se encontravam no Alojamento Conjunto, nos setores público e privado, de um hospital da zona leste de São Paulo. Os critérios de inclusão foram ter mais de 18 anos e aceitar participar do estudo, assinando em duas vias o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os critérios de exclusão foram: assistência ao parto em outro local (domicílio, transferência de outros hospitais) e perda neonatal.

A coleta de dados ocorreu durante os meses de maio e de junho de 2010 e foi realizada em duas etapas. Na primeira, foi realizado contato direto com as puérperas internadas no alojamento conjunto da instituição, a qual aprovou formalmente a realização da pesquisa. Nesse contato foram coletados dados de identificação e caracterização das mulheres, utilizando-se para isso um formulário, e foi estabelecido vínculo a fim de sensibilizá-las a participar da segunda etapa, ocorrida após 90 a 180 dias do parto. Nessa segunda abordagem, as mulheres foram contatadas por telefone a fim de responder os itens da Escala de Impacto de Eventos - IMPACT OF EVENT SCALE (IES), citando-se como fator estressor o evento parto.

A IES, já traduzida e validada no Brasil(9), é composta de 15 itens que medem, de acordo com atributos de frequência, a presença de sintomas intrusivos e de esquiva após a ocorrência de situações traumáticas, no caso deste estudo situações ocorridas ou vivenciadas durante o parto. Nessa escala, do tipo Likert, as mulheres relataram como estavam se sentindo em cada uma das questões formuladas, conforme quatro atributos de frequência: nunca, raramente, às vezes e sempre.

Segundo Horowitz(10), autor que criou a IES, as questões 2, 3, 7, 8, 9, 12, 13 e 15 são relativas a comportamento de esquiva, enquanto as demais são indicativas de sinais de intrusão. De acordo com Zambaldi et al(11) a esquiva consiste no afastamento de situações, pessoas, lugares e pensamentos que façam o sujeito relembrar o evento estressor; os sinais de intrusão se caracterizam por recordações aflitivas do evento, como imagens, ideias, sonhos ou emoções.

Sobre a IES, faz-se importante acrescentar que existe referência de Horowitz (10) e de trabalhos recentes(12,13) quanto à necessidade de estabelecimento de escores para cada uma das respostas. Os citados autores(10,12,13) propõem atribuição de valores da seguinte forma: nunca = 0, raramente = 1, às vezes = 3 e sempre = 5. O limite de corte, conforme os critérios propostos na classificação mais recente da IES é pontuação maior que 25(12,13), ou seja, os indivíduos que alcançam esse patamar podem apresentar sinais de transtorno relacionados ao evento estressor.

A análise de todos os dados foi efetuada com auxílio de ferramentas da estatística descritiva, sendo utilizadas medidas de frequência absoluta e relativa.

De acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, foi solicitada a permissão das mulheres mediante leitura e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, sendo a confidencialidade dos dados garantida em todo o processo. Além disso, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Parecer no. 912/2010/CEP-EEUSP.

 

RESULTADOS

A Tabela 1 mostra os dados de caracterização social, demográfica e obstétrica das 98 participantes do estudo.

As mulheres participantes do estudo se caracterizaram por possuir escolaridade de nove a 11 anos de estudo (73,5%), o que equivale ao ensino médio incompleto ou completo; ter 21 a 25 anos de idade (35,7%); exercer trabalho remunerado (58,2%); viver em união consensual (46%), enquanto 13,3% estavam sem companheiro; ter pelo menos um filho vivo anterior ao parto mais recente (57,2%); ter sido submetida ao parto cesárea (51%); e permanecer com acompanhante de sua escolha durante o momento do parto (75,5%).

A Tabela 2 apresenta a resposta das mulheres durante a aplicação da IES. Observa-se que os itens da escala estão devidamente adaptados ao fator estressor parto, tal como foi perguntado às participantes durante o contato telefônico. Todos os itens da IES foram citados com o atributo de frequência “Sempre” pelas puérperas, ainda que em pequenas percentagens. As questões com maior frequência de resposta “Ás vezes” ou “Sempre” foram as de no. 10 (30,6%) e no. 1 (18,4%), que pertencem ao grupo de intrusão, seguidas pela questão no. 2 (17,3%), pertencente ao grupo de esquiva.

Na Tabela 3 pode-se verificar a pontuação obtida conforme o tipo de parto. As mulheres submetidas ao parto cesárea obtiveram maiores escores finais, maior valor de mediana e maior valor do desvio padrão em relação àquelas que tiveram seus bebês por via vaginal.

No que se refere à pontuação total da IES, 90,8% das mulheres não alcançaram o limite de corte de 25 pontos. Das restantes, 7,2% obtiveram entre 30 e 39 pontos; 1% alcançaram 48 pontos e; 1% pontuaram 71. Estas correspondem a nove puérperas que, segundo a IES, indicaram sinais de TA relacionados com o fator estressor parto.

A caracterização das mulheres com pontuação maior que 25 na IES pode ser verificada por meio da Tabela 4. As pontuações acima do limite de corte ocorreram em sua maioria nas mulheres submetidas à cesárea (66,7%), bem como naquelas com maior escolaridade (88,9%), vivendo em união consensual (55,6%), primíparas (44,4%) e que não permaneceram com acompanhante durante o processo de parto e nascimento (55,6%).

 

DISCUSSÃO

Com relação aos dados de caracterização das mulheres, especificamente no que se refere ao grau de instrução, autores(14) relacionam a baixa escolaridade a um aumento da vulnerabilidade psicossocial, o que pode ser um fator que interfira no aparecimento de sintomas de TA.

Coutinho et al(14) descrevem também a relação entre variáveis sociodemográficas e distúrbios afetivos, ansiosos, fóbicos ou somatoformes. No citado estudo, a presença desses quadros, comumente referidos como morbidade psiquiátrica menor, associou-se ao gênero feminino, à baixa escolaridade e ao desemprego, podendo ser modificada pela relação destas com outras variáveis.

Entretanto, nesta pesquisa não se verificou associação entre a baixa escolaridade e outros itens de caracterização e o surgimento de TA. Pelo contrário, a maioria das mulheres com escores superiores a 25 referiu nove a 11 anos de estudo, havendo uma delas com ensino superior completo. Além disso, não foi possível identificar, semelhantemente a outros estudos, características sociais e demográficas mais frequentemente associadas aos transtornos do pós-parto(6).

Nesse sentido, é importante ressaltar que uma combinação de fatores biológicos, obstétricos, sociais e psicológicos são apontados na determinação de transtornos e depressão pós-parto.  Autores(6) afirmam ser possível existir associação entre a ocorrência de transtornos desse tipo e o pouco suporte oferecido pelo parceiro ou por outras pessoas com quem a mulher mantém relacionamento; o não planejamento da gestação; o nascimento prematuro e a morte do neonato; a dificuldade em amamentar e as dificuldades durante o parto.

Observa-se neste estudo, ainda, a relação entre a paridade e a presença de sinais de TA. Mulheres que vivenciaram o primeiro parto foram a maioria. Entretanto, não foi possível encontrar tal associação na literatura disponível sobre o tema.

Conforme exposto, o tipo de parto de maior predominância entre as participantes foi a cesárea. Quanto a esse aspecto, é importante salientar que a taxa encontrada (51%) está numa proporção quase duas vezes e meia maior que o índice de 15% indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para qualquer país(15,16).

Ainda, de acordo com diversos autores(8,15-17) a cesárea desnecessária aumenta muito o risco de complicações para a mãe e para o bebê, seja no aspecto físico ou psicossocial.

A cesárea foi mais frequente também nas mulheres que alcançaram escores superiores a 25 na IES. Além disso, os maiores escores ocorreram nas participantes submetidas ao parto operatório, ainda que estas não atingissem valores que pudessem indicar a presença de transtornos. Pode-se pensar, dessa forma, que esse tipo de parto seja fator predisponente para o desenvolvimento de TA, o que condiz com a literatura a respeito do tema.

Revisão realizada por Figueiredo(8) mostra que diversos autores relataram que as mulheres que se submeteram à cesárea, em especial as de emergência, tinham uma percepção muito menos positiva da experiência de parto quando comparadas com as mulheres que vivenciaram o parto normal. De um modo geral, elas experienciavam medo maior durante o processo, demoravam mais tempo para estabelecer vínculo com o bebê, prestar cuidados e proporcionar o aleitamento materno nos primeiros dias de vida.

A maior percentagem das puérperas desta pesquisa (75,5%) relatou ter ficado com acompanhante de sua escolha no momento do parto. A esse respeito, observa-se que as restantes, 24,5%, não puderam usufruir desse direito, o que está em desacordo com a Lei no. 11.108(18), que garante as parturientes o direito à presença de um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.

Nesse contexto, Rattner(19) afirma que a presença de um acompanhante significativo para a mulher é a melhor "tecnologia" disponível para um parto bem sucedido. A autora ressalta que mulheres que tiveram suporte emocional contínuo durante o trabalho de parto e no parto tiveram menor probabilidade de receber analgesia, de ter parto operatório e relataram maior satisfação com a experiência. Esse suporte emocional estava associado a benefícios maiores quando quem o provia não era membro da equipe hospitalar e quando era disponibilizado desde o início do trabalho de parto.

De forma mais contundente, fato que chama muita atenção é o grande aumento da percentagem de mulheres que não tiveram acompanhante, que passou de 24,5%, na população, para 55,6% naquelas mulheres com indícios de TA, sendo que a presença do acompanhante já foi ressaltada e relatada por diversos autores (8,17) como relevante para uma experiência positiva do parto.

É necessário considerar que, além das variáveis quantitativas que foram utilizadas nesse estudo, tem-se também e, principalmente, a presença de sentimentos e percepções que são fundamentais para a experiência do parto. Revisão realizada por Zambaldi(11) mostra associação entre transtornos no pós-parto relacionados ao parto e a percepção da mulher de haver recebido pouco suporte pela equipe de saúde nessa ocasião. Para a autora, “esse fator poderia ser minimizado se a equipe de saúde que assiste mulheres durante o parto estivesse atenta à possibilidade de ocorrência de partos vividos como psiquicamente traumáticos e, além disso, se dispusesse a dar mais informações e suporte às mulheres nesse momento tão significativo”.

Cabe salientar que, apesar desse estudo ter como foco a experiência do parto, sentimentos relacionados à adaptação no pós-parto podem surgir também de mudanças no cotidiano, no comportamento e nas mudanças físicas que ocorrem no período, tal como foi descrito por Salim et al(20). Para esses autores, os novos papéis frente à maternidade e parentalidade e o seu desempenho exigem adaptações em relação ao novo ser que se torna real, diferente do período gestacional, momento em que a criança era sonhada e imaginada. 

Para ilustrar, apresenta-se a fala de uma mulher com sinais identificados de TA pela aplicação da IES. Ao responder as questões, ela demonstrou sentimentos de intrusão e de esquiva, característicos do transtorno:
Evito pensar no parto. Quando penso, ligo a TV para ver outra coisa. (24 anos, parto cesárea, escore = 39 pontos)

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que foi possível verificar a presença nas mulheres, por meio do uso da Escala de Impacto de Eventos, de possíveis sinais de TA relacionados ao parto como fator estressor, bem como sua associação com algumas características, tais como tipo de parto e presença de acompanhante.

Cabe informar que as puérperas identificadas com escores superiores a 25 foram encaminhadas para avaliação profissional específica.

Em relação à metodologia empregada na pesquisa, é necessário destacar que o uso de escalas, como a IES, pode contribuir na triagem, no acompanhamento e no suporte adequado às mulheres com indícios de TA que possam resultar em transtornos mais complexos ou sérios.

No entanto, lembranças sobre o parto, que é um evento da vida atrelado a muitas emoções e sentimentos, não se associam necessariamente à transtornos emocionais. A utilização de uma escala pode possibilitar maior aproximação com as mulheres no intuito de levantar informações sobre os aspectos emocionais do pós-parto, mobilizar sentimentos e lembranças que, inclusive, possam requerer maior suporte por parte do sistema de saúde. Faz-se importante destacar, ainda, que o estado emocional da mulher no pós-parto é difícil de ser analisado unicamente por meio de um instrumento que siga uma padronização pré-definida.

Apesar de ser verificada a presença de sinais indicativos de TA em 9,2% das mulheres, não houve possibilidade de ser realizado aprofundamento na história individual de cada uma delas, bem como o relato de sua experiência durante o parto, o que poderia contribuir para a melhor compreensão dos sentimentos vivenciados.

As variáveis foram analisadas de forma única, considerando as mulheres que apresentaram sinais de TA e observando as percentagens absolutas e relativas para cada categoria. Porém, alterações comportamentais são muito mais complexas do que isso, as informações e categorias se inter-relacionam e produzem um terceiro efeito, que pode ser protetor ou produzir danos. São essas as principais limitações deste trabalho que conduzem ao necessário aprofundamento sobre o tema.

Faz-se importante acrescentar como a presença do acompanhante de escolha da mulher pode ter sido um fator protetor para não desenvolvimento de TA. Vale ressaltar a necessidade de uma melhor fiscalização por parte das autoridades para que a Lei do Direito ao Acompanhante (18) seja, de fato, cumprida nas instituições de saúde, pois, além de ser um direito da mulher, pode contribuir para que esta tenha uma percepção mais positiva de sua experiência de parto e seja protegida, inclusive, do aparecimento de transtornos emocionais no pós-parto.

Nesse contexto, deve ser dado destaque ao tipo de parto, cesárea, e sua relação com os indícios de TA nas mulheres deste estudo. Mudar a cultura do parto em nosso país deve ter relação não somente com a necessária diminuição dos índices de morbimortalidade materna e perinatal relacionados com a cesárea, como também com as repercussões dessa cirurgia sobre o estado psicossocial das mulheres. Diante de tudo o que existe publicado sobre o tema, é inaceitável que ainda se verifiquem índices tão altos como os encontrados neste trabalho e que provavelmente resultaram em transtornos emocionais desnecessários para as mulheres.

Reverter esse quadro é uma questão de respeito aos direitos humanos, pois as mulheres são afetadas biológica e psicologicamente por um procedimento na maior parte das vezes realizado sem a devida indicação.
Tanto a questão do acompanhante quanto a do tipo de parto se relaciona, sobretudo, ao modelo de atenção obstétrica prevalente na maior parte das instituições de saúde, que não leva em conta os direitos legais e o protagonismo das mulheres no processo de parto e nascimento.

 

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Contribuição dos autores:
Concepção e desenho: Glauce Cristine Ferreira Soares e Nádia Zanon Narchi; Análise e interpretação: Glauce Cristine Ferreira Soares e Nádia Zanon Narchi; Escrita do artigo/revisão crítica do artigo/aprovação final do artigo: Glauce Cristine Ferreira Soares, Nádia Zanon Narchi e Daniela de Almeida Andretto; Coleta de dados: Glauce Cristine Ferreira Soares e Daniela de Almeida Andretto; Pesquisa bibliográfica: Glauce Cristine Ferreira Soares, Nádia Zanon Narchi, Daniela de Almeida Andretto, Carmen Simone Grilo Diniz.

 

 

Recebido: 19/04/2012
Aprovado: 12/11/2012