ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Repercussões do climatério nas profissionais de enfermagem – estudo exploratório

 

 

Mariana Nepomuceno Giron1, Thamyres Campos Fonseca1, Lina Marcia Miguéis Berardinelli1, Lucia Helena Garcia Penna1

1Universidade do Estado de Rio de Janeiro


RESUMO
O climatério apresenta algumas particularidades, principalmente em relação ao funcionamento corporal. A mulher pode apresentar sintomatologias pelas alterações hormonais, físicas e psicoemocionais e, nesse caso, alega ausência de informação. Objetivos: Identificar os efeitos corporais do climatério nas profissionais de enfermagem que atuam diretamente na assistência. Método: Estudo exploratório, descritivo, desenvolvido com profissionais de enfermagem no climatério em Hospital Universitário do Rio de Janeiro, em 2010. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e submetidos à análise de conteúdo. Resultados: As jornadas exaustivas de trabalho da enfermagem associadas às alterações corporais do climatério aumentam a possibilidade de alterações no cotidiano pessoal e de trabalho. Conclusão: Considerando que a enfermagem é uma profissão ainda eminentemente feminina, é necessário ter um olhar diferenciado para a profissional nesse período da vida, valorizando suas necessidades e as repercussões desse momento, inclusive sobre o seu processo de trabalho e sua vida como um todo.
Palavras-chave: Enfermagem; Climatério; Saúde da Mulher

 

INTRODUÇÃO

A saúde da mulher fora do período reprodutivo passa a ser uma temática valorizada pelas políticas públicas a partir da década de 1980, com a implantação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM(1). Até então, as ações governamentais eram voltadas para as ações materno-infantis, ou seja, para a mulher-mãe e seu filho. O PAISM marca nacionalmente uma mudança paradigmática em relação à saúde da mulher e passa a valorizar as questões de gênero, seu papel social e sexual em todo o seu ciclo vital e em seu contexto social. Com a implantação do PAISM, as mulheres deixam de ser vistas apenas como matrizes parideiras cujo cuidado com a saúde se restringe à atenção pré-natal, ao parto e puerpério; dessa forma, tem início a valorização das outras etapas da vida da mulher que requerem atenção à saúde(1).

Em 2004, o Ministério da Saúde amplia e registra essa visão, transformando o programa em Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM, in portuguese)(2) e iniciando um maior investimento em grupos femininos específicos, como: mulheres idosas, rurais, portadoras de necessidades especiais, negras, indígenas, presidiárias e lésbicas. Nessa perspectiva, a mulher deve ser vista em seu contexto sociocultural e compreendida a partir dele(3). Esses investimentos governamentais são justificados por uma realidade nacional em que cerca de 97.342.162 habitantes da população brasileira são mulheres. Dentre estas, mulheres acima de 50 anos somam uma média de 15.505.461 habitantes (~15% do total de mulheres).

O aumento da expectativa de vida da população, e em particular da mulher, que hoje se afirma em 80 anos de idade(4), ocorreu em consequência da melhoria nos indicadores de qualidade de vida. Com isso, o climatério, transição fisiológica ocorrida na faixa etária de 35 a 65 anos, adquire atualmente maior importância, já que, segundo o Ministério da Saúde, essa população, no ano de 2007, representava cerca de 32% da população feminina(2,5). Além disso, o climatério requer maior valorização, por se tratar de um período em que grande parte da população feminina encontra-se na fase ativa (para trabalho remunerado e não remurado). As análises do mercado de trabalho no Brasil revelam que a participação das mulheres na atividade econômica, fato que teve início no final da década de 1960, cresce, enquanto que as taxas de fecundidade declinam(6).

Em função dos espaços ocupados pelas mulheres no mercado de trabalho, as gestações foram adiadas, houve redução do número de filhos e até mesmo o papel intrafamiliar da mulher se modificou. Considerando o quantitativo de mulheres existentes em nossa população, a longevidade feminina, sua inserção nos espaços públicos e privados, e sua futura expectativa de vida, torna-se relevante atentarmos, como profissionais de saúde, para as reais condições de saúde e as necessidades surgidas nesse novo contexto social que interferem diretamente sobre a saúde dessa mulher trabalhadora.

O climatério apresenta algumas particularidades, principalmente no que diz respeito ao funcionamento corporal. A mulher pode apresentar sintomatologias decorrentes das alterações hormonais, físicas e psicoemocionais, algumas delas necessitando de acompanhamento. O acompanhamento da mulher no climatério deve ser direcionado para o entendimento desse momento da vida e para a melhor forma de vivenciá-lo.

Nesse sentido, a mulher precisa compreender seu papel na sociedade; conhecer seus direitos e deveres; conhecer o funcionamento de seu corpo, suas possibilidades e limites; e compreender o climatério como período fisiológico de transição como muitos outros vividos em outras etapas de seu ciclo vital. À medida que a mulher compreende o funcionamento de seu corpo, seu papel sexual, social e seus direitos como cidadã, ela passa a se sentir mais empoderada e com maior liberdade e autonomia. De acordo com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher(2), dentre os sintomas que podem ocorrer no climatério/menopausa, alguns são devido ao,brusco desequilíbrio entre os hormônios e outros estão ligados ao estado geral da mulher e ao estilo de vida adotado até então. A autoimagem, o papel e as relações sociais, as expectativas e projetos de vida também contribuem para o aparecimento e a intensidade dos sintomas.

Os principais efeitos corporais do climatério manifestam-se a curto, médio e longo prazo, dentre os quais estão: mal-estar físico e emocional, ondas de calor (fogachos), insônia, dores articulares, nervosismo, irritabilidade, depressão, atrofia dos epitélios, mucosas e colágenos, alterações cardiovasculares e endócrinas(5). Dentre as mudanças que ocorrem no período do climatério, o que mais nos chama atenção são os incômodos que vão desde os “calores” até o desconforto emocional, e todas as dúvidas, tabus e mitos que cercam este momento, fazendo dele, muitas vezes, uma etapa difícil de ser vivenciada. Outro fator estressor para as mulheres é a falta de compreensão de seus companheiros, filhos e familiares para lidar com os sinais e sintomas do climatério. As características próprias do climatério, quando transformadas em sintomas, fazem com que as mulheres fiquem mais vulneráveis à medicalização e ao desenvolvimento de uma enfermidade(5).

Climatério vem do grego Klimactoni, que significa crise. Durante o 1º Congresso Mundial de Climatério em 1976, a Sociedade Internacional da Menopausa definiu os seguintes conceitos oficiais para o climatério: o período da vida da mulher, na qual ocorre a transição da fase reprodutiva para a não reprodutiva; e menopausa, que se define como a interrupção da menstruação por pelo menos doze meses consecutivos(7). Também foi conceituado pela medicina como Síndrome Climatérica, o conjunto de sinais e sintomas manifestados nesse período(8).

A assistência de saúde da mulher deve ser mais específica, integral e deve contemplar um considerável contingente de mulheres no climatério, seja de forma curativa ou preventiva(8), uma vez que as mulheres constituem a maioria dos usuários que procura os serviços de saúde, além de passarem 1/3 de suas vidas com mais de  50 anos(9). Infelizmente, a maioria das mulheres ainda vivencia o climatério em silêncio, sentindo-se desinformadas e despreparadas para este momento. Há uma considerável falta de informações entre a população usuária dos serviços públicos que estão além do conhecimento sobre terapia de reposição hormonal na menopausa, e mecanismos fisiológicos e anatômicos (enfoque biologicista e medicalizador). Na realidade, existem diversos fatores psicossociais envolvidos nesta etapa de vida que é o climatério(10,11,12).

A criação da Política Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher(2) tentou romper com este enfoque nos serviços de saúde, buscando a integralidade e se propondo a atender a mulher em todas as etapas da vida. No entanto, percebe-se uma deficiência de implementação, pois ainda existe uma valorização da doença em parte das ações propostas, além de uma dificuldade em assistir as mulheres em áreas como a do climatério(11).

É possível verificar no cotidiano dos serviços de saúde que ainda é pouco o tempo de atendimento qualificado a esse grupo de mulheres. Infelizmente, o sistema de saúde privilegia a assistência curativa baseada na reposição hormonal, enquanto a educação em saúde, tão importante para o desenvolvimento do autocuidado e participação ativa da mulher nas decisões sobre o zelo de seu corpo, não é uma  prática presente no cotidiano dos serviços de saúde (13).

Atualmente, mesmo com todos os avanços da modernidade e com a proporção crescente de mulheres entrando nessa fase, o climatério permanece desvalorizado e pouco abordado nos cursos de formação desses profissionais, que demonstram pouco conhecimento e percepção em relação às necessidades de atendimento de saúde a essas mulheres(13). Considerando a maturidade feminina, o climatério caracteriza-se pela fase da vida da mulher em que, a partir dos sinais e sintomas decorrentes das alterações corporais, a mulher passa a refletir e questionar sobre sua vida e sobre como os outros passam a percebê-la(7).

Afinal, a sociedade contemporânea ainda estabelece a reprodução como o único papel feminino de valor social. Popularmente, o climatério, comumente confundido com a menopausa, é temido e estigmatizado pela sociedade e repleto de mistérios e tabus. As mulheres de meia-idade temem a aproximação do climatério por acreditarem que, ao cessar seu período fértil, não teriam mais utilidade, uma vez que teriam perdido uma parte de si mesmas, aquilo que as define e as identifica(9).

A essa etapa da vida da mulher, em que as alterações hormonais exigem adaptações físicas, psicológicas e emocionais, soma-se a condição de profissional da saúde, com jornadas de trabalho muito extensas e atividades desgastantes. Além disso, há fatores agravantes como o pequeno contingente profissional e o desgaste psicoemocional vivenciado no ambiente hospitalar(5,14).

A peculiaridade do tipo e ritmo de trabalho dos profissionais de enfermagem desencadeia estresse, dor, sofrimento e desgaste físico acarretado pelo próprio ambiente hospitalar, pelo processo de lidar com clientes com diferentes quadros clínicos e pela própria situação em que passa o Sistema Único de Saúde (SUS) como, por exemplo, a dificuldade em suprir os recursos humanos e materiais. Sendo assim, é verdadeira a afirmação de que as sobrecargas físicas a que as enfermeiras estão submetidas são determinantes para o aparecimento de problemas ósteo-articulares e que, quanto menos intervalos o profissional tem durante sua jornada de trabalho, maior é a probabilidade para o surgimento de doenças(15).

Os plantões noturnos e os problemas de sono geram perturbações familiares, tendências depressivas, problemas gástricos ocasionados pelo longo tempo sem se alimentar ou por intervalos irregulares entre as refeições. No âmbito social, os baixos salários e limitado acesso ao lazer, constituem fonte de angústia e possível fonte de distúrbios psiquiátricos(15).

Imersos nas questões que envolvem o trabalho da enfermagem e as transformações corporais que ocorrem nas profissionais de enfermagem durante o climatério, temos como objeto desta pesquisa as repercussões corporais do climatério nas profissionais de enfermagem. Assim, alguns questionamentos surgem como:Quais os efeitos corporais do climatério nas profissionais de enfermagem que interferem no desenvolvimento da assistência por parte desses profissionais? Logo, para responder a tais questionamentos, este estudo tem por objetivo identificar os efeitos corporais do climatério nas profissionais de enfermagem que influenciam diretamente no desenvolvimento da assistência.

 

MÉTODO
                                        
Neste estudo optamos pela abordagem qualitativa do tipo descritivo-exploratória. A pesquisa foi desenvolvida em um Hospital Universitário do município do Rio de Janeiro. Escolhemos para depoentes profissionais de enfermagem lotadas em duas unidades clínicas e duas cirúrgicas, entre elas estão: Enfermaria de Clínica Médica, Enfermaria de Urologia, Enfermaria de Ginecologia e CTI Geral. Os sujeitos do estudo foram 09 profissionais de Enfermagem, sendo 06 Técnicas de Enfermagem e 03 Enfermeiras que atuam nas unidades acima descritas, nos horários da manhã e tarde e em regime de plantão.

Os critérios de inclusão dos sujeitos foram: profissionais de enfermagem, que se encontravam na faixa etária entre 35 a 65 anos, conforme definição estabelecida pelo Ministério da Saúde para o período do climatério, interessadas em participar voluntariamente do estudo(5). Esta pesquisa foi realizada atendendo ao disposto na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/MS, que norteia a pesquisa com a participação de seres humanos(16).

Seguindo esses propósitos, o projeto foi submetido à análise pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário e autorizado para o seu desenvolvimento, conforme Protocolo n° 2569-CEP/HU – CAAE: 0008.0.228.00-10. Todas as participantes, após terem conhecido os objetivos do estudo, aceitaram voluntariamente, além de confirmarem seu aceite formal através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A técnica de coleta de dados foi por meio da entrevista semiestruturada individual, seguindo um roteiro previamente elaborado e composto por 04 perguntas abertas principais e 08 complementares.

As entrevistas foram gravadas através do aparelho eletrônico MP3 e posteriormente transcritas na íntegra e organizadas em ordem cronológica. Os dados produzidos foram submetidos à técnica de análise de conteúdo(17) até a elaboração das categorias, seguindo as etapas necessárias, a saber: leitura flutuante de todo o material para alcançar a ideia geral dos dados; identificação dos conteúdos relevantes, ou seja, dos trechos que marcaram os discursos por serem similares ou diferentes. Depois, esses conteúdos foram separados por unidades de registros, dando origem às categorias emergentes denominadas: Alterações corporais oriundas do climatério apresentadas pelas mulheres da equipe de enfermagem e as Interferências do climatério na qualidade de vida das mulheres profissionais de enfermagem. Ressalta-se que neste artigo apenas a primeira categoria será analisada. Em seguida, os dados foram analisados e comparados com a literatura pertinente. A fim de manter o anonimato das participantes, as mesmas receberam o pseudônimo de pedras brasileiras.

 

RESULTADOS

As participantes do estudo foram 09 profissionais da enfermagem, dentre elas, 06 técnicas de enfermagem e 03 enfermeiras. A caracterização da população do estudo segue no Quadro 1.

Ao serem questionadas quanto às alterações físicas/biológicas e psicológicas/emocionais vivenciadas nesse período, aproximadamente metade delas (55,5%), independente da idade, afirmou em seu discurso não sentir nenhuma alteração até o dado momento da entrevista.
Nenhuma em especial, não entrei ainda na menopausa, então pra mim não modificou nada, continuo uma mulher extremamente produtiva, já sou calorenta por natureza, então nada além do que já é normal(...) (Ametista)

Não sinto nada não. Assim, nem TPM eu não tenho, não tenho cólica, não tenho nada. Eu não sinto nada, não sinto nada, minha menstruação é normal, tudo normal. (Granada)

No entanto, as mesmas mulheres que dizem não perceber nenhuma alteração relatam alguma modificação no seu corpo ou comportamento no decorrer da entrevista conforme relatos a seguir:

O que mais assim me aflige mesmo, é a questão emocional, né? Qualquer coisinha eu já fico mais emocionalmente abalada, mais sensível, isso é o que afeta mais.[...] Me emociono com mais facilidade. Me irrito com mais facilidade. [...] Porque eu me sinto que nem uma panela de pressão, pronta pra explodir aí, quando mestruava, dava aquele alívio, aquela sensação de bem-estar. (Esmeralda)

É você tá bem, daqui a pouco você não tem paciência com as coisas, tudo irrita [...] eu fiquei menos paciente. (Rubi)

 

Em seguida, foram identificados os sintomas que mais incomodam as mulheres durante o climatério, são eles: as “ondas de calor” (fogachos), juntamente com o relato de sudorese intensa. Tais reclamações mostraram-se presentes na fala de quatro participantes.
O que mais me incomodava era aquela sudorese que eu tinha de ensopar a roupa mesmo. [...] Ela não inibe completamente, às vezes é uma vez por dia, às vezes fico três, quatro sem sentir, mas sinto. Dá sudorese, sabe, aquela quentura por dentro, eu fico com o rosto todo molhado, eu não transpiro, não sou de transpirar assim. Ai dá, o rosto molha de descer água. (Safira)

O calor, que é demais, e umas dores eu sinto nas pernas na hora em que vem o calor, né? [...] Olha, às vezes, vem dia assim seguido, três dias, fica uma semana sem ter, não é regular [...] e períodos no dia, períodos durante as 24 horas. (Pérola)

 

As mulheres percebem nesse período que o seu corpo está em transição e que as mudanças não ocorrem somente no seu organismo e sim nos aspectos psicossociais e de relacionamento. Das entrevistadas, três mulheres, relataram a mudança de humor como um dos fatores que mais incomodam, juntamente com a labilidade emocional referida anteriormente.
A mudança de humor, pra mim, é o pior. É você tá bem, daqui a pouco você não tem paciência com as coisas, tudo irrita. [...] Mas a mudança de humor foi grande, muito brusca. Muito brusca mesmo, tipo assim, de você não ter paciência, de querer que as pessoas façam tudo rápido. Sabe? Isso é ruim. [...] Muda muito, o problema é o humor, porque muda muito o humor da gente. [...] Nas mudanças que eu te falei do climatério, tinha dias que eu tava bem, tinha dias que o meu humor... (Rubi)

Mediante os desagradáveis sinais e sintomas vivenciados pelas mulheres no climatério, também merecem destaque as dores em geral, modificações nos fâneros e ressecamento da pele e mucosa vaginal.

Ressecamento vaginal me incomoda muito, porque você tem libido, mas é desconforto na hora do relacionamento. Isso me causa assim muito transtorno. Meu marido é uma pessoa muito compreensiva, sabe, mas isso realmente é o que me causa mais desconforto, porque às vezes vou até com medo, sabe, você sente desejo, você sente a vontade, teu corpo pede, mas você trava. Ai escangalha tudo né, entendeu? Isso é o que hoje, assim, me causa maior problema. (Safira)

Às vezes eu fazia, vamos supor, vou fazer uma determinada coisa, aí voltava porque eu não lembrava o que ia fazer. Envelhecer é uma arte, porque eu vou te contar, comecei a perceber que eu estava envelhecendo, entendeu? (Rubi)

 

DISCUSSÃO

O climatério não é uma doença e sim uma etapa natural da vida da mulher, muitas delas passam por ela sem queixas, como referiram as participantes da pesquisa. Entretanto, ao longo da análise das entrevistas, percebemos que apesar de elas negarem os sintomas, as mesmas profissionais relataram que apresentam alguma modificação no seu organismo. Tais sintomas poderiam não ser relatados pelas mulheres por duas possibilidades: seus sinais e sintomas são tão discretos que elas ou não os percebem ou convivem harmonicamente com eles. Ou mesmo, por serem considerados normais no processo de envelhecimento, não seriam valorizados. Com a queda dos níveis de estrógenos durante o período do climatério, podem ocorrer diversas alterações no corpo e mente feminina, desde físicas e hormonais até mesmo psíquicas e sociais.

Entretanto, essas diminuições podem se manifestar ou não em sinais e sintomas característicos do período(9). Para algumas mulheres o climatério passou despercebido, sendo superado pelos acontecimentos, preocupações e atividades do cotidiano. A sobrecarga de tarefas, dupla jornada (mulher-mãe e profissional), comumente vivenciada por mulheres que desenvolvem atividades laborais no mundo público, acabam por ter menos tempo disponível, designando uma parcela pequena deste tempo para si própria e para o seu autoconhecimento. No que tange ao conhecimento sobre essa etapa da vida, verificamos que há diferença de conhecimento entre as profissionais de nível médio e as de nível superior. As profissionais com nível superior são mais empoderadas em relação às demais. Percebemos que as enfermeiras conseguiram identificar precocemente as modificações provenientes do climatério e buscam recursos para lidar com as demandas dessas alterações.

No que diz respeito aos sintomas que mais incomodam essas mulheres, a irritabilidade e labilidade emocional mostraram-se mais evidentes, presentes nas falas de 06 (66,6%) mulheres. Percebe-se que existe certa contradição nos depoimentos, muitas vezes por conta das diferentes idades das participantes, algumas estão iniciando o climatério e nem percebem ainda os sintomas (ou simplesmente não querem acreditar) e outras, porque os sintomas já estão instalados, se tornam incapazes de reconhecer as modificações corporais. Porém, é fato que algumas mulheres passam pelo climatério sem queixas ou necessidades de medicamentos e outras referem sintomas que variam na sua diversidade e intensidade(5).

Geralmente, os sintomas referidos por uma parcela das mulheres nesse período são caracterizados por alterações metabólicas e hormonais, que podem também trazer mudanças que envolvem o contexto psicossocial. Sabe-se que os estrogênios podem desempenhar uma ação moduladora sobre os neurotransmissores, em especial a serotonina, relacionada com o humor. Há também uma relação da diminuição do estrogênio com um aumento nos casos de depressão durante o climatério em mulheres predispostas, por influenciar nos níveis de serotonina(5).

As mulheres que se encontram no período do climatério, vivem uma fase da vida conturbada de acontecimentos. Muitas enfrentam baixas de autoestima, sentem-se mais deprimidas, incompreendidas e isoladas, o que na maioria das vezes é o período de transição que toda mulher vivencia em algum momento da vida. Algumas destas mulheres profissionais de saúde enfrentam uma rotina de trabalho exaustiva, física e psicologicamente, o que ajuda a torná-las mais irritadiças e depressivas, acentuando sua labilidade emocional.

Complementado essa ideia, algumas pesquisas têm apontado que muitas vezes o trabalho deixa de ser apenas um lugar de execução de tarefas e passa a ser olhado como um ambiente que pode provocar adoecimento, prazer ou mesmo qualidade de vida, principalmente pelo fato dessas mulheres não se sentirem mais atraentes e ativas como anteriormente(18,19). É necessário revisitar esta questão para que se pense em uma forma de promover qualidade de vida no trabalho a fim de neutralizar as ações advindas do processo de desgaste gerado por ele(17).

Retomando as questões que envolvem a sintomatologia, as “ondas de calor” (fogachos) e a sudorese intensa foram eleitas como os sintomas que mais incomodam as depoentes. Conforme relato das entrevistadas, este sintoma caracteriza-se por uma elevação da temperatura corporal, sem hora nem tempo de duração pré-determinados, que pode ocorrer variando de uma a várias vezes no dia, da mesma forma que pode acontecer em dias consecutivos ou ficar dias sem se manifestar. Na perimenopausa, mais da metade das mulheres apresentam clássicos sintomas neurovegetativos ou vasomotores como os fogachos, com ou sem sudorese, e uma variedade de sintomas neuropsíquicos.

Os fogachos ou “ondas de calor” “manifestam-se como uma sensação transitória súbita e intensa de calor na pele, principalmente no tronco, pescoço e face, que podem apresentar hiperemia, acompanhada na maioria das vezes de sudorese”(5:34). As ondas de calor mostram-se muito frequentes no climatério, tornando-se, portanto inconvenientes e desagradáveis à mulher. A mulher nesse período já se submete a muitos constrangimentos sociais e pessoais como, por exemplo, ressecamento vaginal, ganho ponderal de peso, irritabilidade e os fogachos, que aumentam consideravelmente seu desconforto habitual(19).

Vale destacar também no discurso das profissionais as modificações ocorridas nos fâneros, pele e mucosa vaginal. Constata-se então, que tais alterações físicas/fisiológicas podem interferir diretamente sobre suas relações familiares, sociais, e de trabalho. Considerando as premissas do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, é necessário valorizar as condições de vida da profissional que se encontra nesse período, promovendo o autoconhecimento, o autocuidado e também observando seus limites e mesmo suas novas aptidões adquiridas com esse novo estágio da vida. O aumento da expectativa de vida da população brasileira, especificamente da mulher brasileira, que ultrapassa cerca de dez anos a masculina, deve ser considerado, em particular, nos ambientes de trabalho. Contudo, há em nossa sociedade a supervalorização da beleza física padronizada e a associação da relação direta entre o sucesso e a juventude. Isso acaba por promover tensionamento e interfere na autoestima das mulheres, repercutindo sobre sua saúde física, mental, emocional e consequentemente, nas relações familiares, sociais, em particular no trabalho(5).

 

CONCLUSÃO

Nesse estudo, identificou-se que as participantes mencionaram os seguintes efeitos corporais: fogachos, sudorese, irritabilidade, labilidade emocional, mudança de humor, dores em geral, modificações nos fâneros, ressecamento da pele e mucosa vaginal, e percepção de envelhecimento. Esses dados correspondem aos referidos na literatura, no entanto, muitas vezes são ocultados, negados ou negligenciados pelas mulheres. As alterações corporais decorrentes do climatério repercutem na vida das mulheres em diversos aspectos: nas relações interpessoais; no desenvolvimento de seus papéis sociais, tanto de mãe-mulher como de profissional; nos desconfortos vividos com as mudanças em seu corpo; na representação de sua imagem corporal, de acordo com a visão de mundo, o contexto cultural e, principalmente, na maneira como entendem o envelhecimento.

Entretanto, considerando que o climatério é um período fisiológico na vida de toda a mulher, é possível compreender que as alterações corporais sentidas variam conforme as individualidades de cada mulher. A grande maioria das profissionais de enfermagem estudadas relatou não sentir nenhuma modificação ou alteração no primeiro momento da entrevista, seja no seu corpo, sejam nos aspectos psicossociais. É possível pensar que a resposta negativa das alterações pode revelar uma negação do processo de envelhecimento, sendo difícil para elas admitirem que as alterações possam ser decorrentes dele, estando elas em franco desenvolvimento de suas atividades profissionais, o que torna  difícil a associação entre os  sintomas e o  climatério. Nesse sentido, é mais comum afirmar que as modificações vivenciadas nesse período se justifiquem por uma transição no ritmo de vida ou modificação de um hábito, e não pelas alterações que o corpo sofre durante o climatério. O climatério para algumas mulheres é um período de exacerbações de alguns problemas psicológicos e de sentimentos e sensações corporais desagradáveis.

A constatação da chegada do envelhecimento associada à avaliação retrospectiva sobre sua vida pode ocasionar reações psicológicas e o sentir-se velho pode constituir por si só uma causa da depressão. Embora seja mais uma etapa da vida, nem todas as mulheres se preparam para vivenciá-la. As profissionais da enfermagem participantes do estudo, apesar de reconhecerem as transformações corporais possíveis, não valorizaram tais sensações, possivelmente por não encontrarem tempo para cuidar de si mesmas. Logo, é fundamental que se tenha um olhar diferenciado dos profissionais da saúde sobre essas mulheres, privilegiando uma atenção integral à sua saúde. Os departamentos de atenção à saúde do trabalhador devem promover espaços para a discussão sobre os assuntos relacionados ao climatério onde as mulheres possam expor suas dificuldades e formas de lidar com as mudanças, de modo a criar uma rede de apoio entre as profissionais. A partir do momento em que essas mulheres conhecem as modificações em seu corpo, estarão aptas a buscar recursos, em especial os não-alopáticos, para lidar com elas.

Outra sugestão de relevo é que as Faculdades de Enfermagem, as quais recebem alunos majoritariamente do sexo feminino, tentem ampliar essa discussão ao longo das áreas e subáreas do currículo, a fim de preparar as estudantes, que se encontram no final da adolescência e iniciando a fase adulta, a cuidar de seu corpo, entendendo as transformações pelas quais o corpo passa e o porquê. Dessa forma, tais ações podem ajudar as mulheres a enfrentar essa fase repleta de oscilações, que merece atenção no sentido de melhorar a qualidade de vida, e  a superar os limites imprecisos vivenciados nesta etapa.

 

REFERÊNCIAS

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Participação de cada autor na pesquisa
Concepção da ideia: Mariana N. Giron, Thamyres C. Fonsêca, Lina Márcia M. Berardinelli e Lucia Helena G. Penna
Coleta de dados: Mariana N. Giron e Thamyres C. Fonsêca
Transcrição das entrevistas: Mariana N. Giron e Thamyres C. Fonsêca
Análise dos dados: Mariana N. Giron, Thamyres C. Fonsêca, Lina Márcia M. Berardinelli e Lucia Helena G. Penna
Revisão Geral: Lina Márcia M. Berardinelli e Lucia Helena G. Penna

 

 

 

Recebido: 29/03/2012
Aprovado: 20/09/2012