ARTIGOS ORIGINAIS
Conhecimento sobre HIV/AIDS na saúde da mulher: estudo descritivo com universitários
Neide de Souza Praça1, Patrícia de Freitas1, Amélia Fumiko Kimura1
1Universidade de São Paulo
RESUMO
Objetivo: verificar as informações/conhecimentos sobre HIV/Aids na saúde da mulher, de alunos matriculados em disciplina do curso de graduação em enfermagem de uma universidade pública do estado de São Paulo.
Método: estudo descritivo realizado com 51 estudantes de enfermagem, matriculados em disciplina de Saúde da Mulher no ano de 2010 e com 56 alunos matriculados em 1998/99. Os dados foram coletados por questionário autoaplicável, preenchido antes de uma aula sobre HIV/Aids e mulher. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e pela Comissão de Pesquisa da instituição.
Resultados: observou-se redução de informações/conhecimentos, em 2010, quando se comparou os dois grupos; por outro lado, os respondentes de 2010 demonstraram maior acerto de questões voltadas à transmissão vertical.
Conclusão: sugerem-se mudanças nas estratégias de ensino, com atividades em campo de prática para oportunizar contato precoce do estudante com a clientela sujeita a agravos de saúde, em especial HIV/Aids.
Descritores: Educação em Enfermagem; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; Saúde da Mulher.
INTRODUÇÃO
Ao longo de três décadas da epidemia, a trajetória do Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV) e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), no Brasil, mostrou mudanças no perfil dos infectados com o vírus. Ainda que nos anos de 1980, a sociedade tenha se mobilizado ao criar Organizações Não Governamentais na tentativa de reduzir a propagação do HIV/Aids e de dar suporte ao indivíduo doente/infectado e a imprensa publicado noticiários sobre a síndrome, tal situação não foi suficiente para gerar interesse da população na expansão da epidemia. Aos poucos, porém, a comunidade científica se envolveu com a epidemia, realizando pesquisas e direcionando a assistência aos doentes; no entanto, a mulher ainda não era considerada como elo importante na cadeia de transmissão do HIV.
Ainda que a imprensa, as comunidades leiga e científica e o legislador não tenham percebido o alcance do papel da mulher em sua entrada na epidemia do HIV/Aids, as décadas que se seguiram evidenciaram dados epidemiológicos de relevância que atestaram o envolvimento deste segmento.
Por sua vez, o Ministério da Saúde somente alterou seu olhar sobre a síndrome quando se evidenciou a progressão do número de casos de Aids, passando, então, a definir medidas para controle, prevenção e tratamento dos infectados/doentes.
No âmbito da saúde da mulher, a legislação mostra que somente após meados da década de 1990, no Brasil, os gestores priorizaram a transmissão vertical, consequência direta do aumento da transmissão do HIV em mulheres. Nesse período, implementaram-se políticas para a redução da transmissão vertical, no país.
No início da década seguinte, o Brasil firmou a Declaração do Milênio das Nações Unidas, com metas e objetivos a serem alcançados até 2015. Dentre eles, o objetivo “combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças” prioriza a redução da disseminação do HIVAIDS. Assim, nos anos 2000, o país define e implementa estratégias para reverter o quadro da epidemia, com foco na saúde da mulher: traça políticas de prevenção, de controle e de tratamento da infecção pelo HIV/Aids, em especial voltadas à transmissão do vírus por via sexual, nas várias fases do curso da vida.
Como consequência, os programas definidos e implementados pelo gestor de saúde, na década compreendida entre 1998 e 2008, promoveram alterações no processo de expansão da epidemia no país. Neste período, a Aids tornou-se uma doença crônica, ainda sem cura, porém com tratamento que possibilita melhor qualidade de vida com longevidade.
Diante da implementação das medidas preventivas definidas, ao profissional de enfermagem compete exercer seu papel como agente no processo de cuidar da população, promovendo ações de educação para a saúde, de modo a colaborar na redução da transmissibilidade do vírus. Nesse aspecto, ao estudante da área da saúde, da enfermagem em particular, são exigidos conhecimentos sobre a epidemia do HIV/Aids que lhe permitam identificar e atender necessidades básicas voltadas à prevenção da transmissão do vírus e ao tratamento dos infectados. No entanto, para atuar é necessária a incorporação de conhecimentos atualizados sobre o tema. Isto implica, na articulação entre os conteúdos da grade curricular de cursos de graduação e o contexto sociocultural onde os alunos estão inseridos, de modo a prepará-los para o futuro.
Frente a esta constatação, em 1998/1999, realizou-se um estudo com graduandos de enfermagem de uma universidade pública, onde se constatou o reduzido arsenal de informações/conhecimentos sobre HIV/Aids e saúde da mulher(1).
Nos anos subsequentes, observou-se que o graduando que cursava a disciplina de enfermagem na área da Saúde da Mulher, da mesma instituição, ainda demonstrava reduzida gama de informações/conhecimentos sobre o assunto. Esta situação motivou o desenho do presente estudo, associado à estratégia utilizada para o ensino da temática, em sala de aula, buscando responder as seguintes questões: os alunos de enfermagem acompanharam a evolução dos conhecimentos/informações sobre HIV/Aids com enfoque na saúde da mulher divulgados no intervalo entre 1998/99 e 2010?
Eles acompanharam a evolução epidemiológica do HIV/Aids?
Desta forma, o presente estudo teve como objetivo verificar as informações e conhecimento sobre HIV/Aids na saúde da mulher de graduandos de enfermagem de uma universidade pública do estado de São Paulo.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, retrospectivo sobre conhecimento/informações referentes ao HIV/Aids e saúde da mulher.
A população foi constituída por alunos do curso de enfermagem, matriculados na área de Enfermagem na Saúde da Mulher de uma universidade pública do estado de São Paulo. Os estudantes do final da década de 1990 e de 2010 foram convidados a preencher um questionário antes de receber o conteúdo ministrado na disciplina referente à HIV/Aids com o objetivo de se verificar o conhecimento prévio. A responsável pela disciplina solicitou autorização dos estudantes para utilização das respostas para fins de divulgação científica. A amostra foi constituída por 51 alunos que responderam o instrumento de coleta de dados, dentre os 76 matriculados na citada disciplina no primeiro e segundo semestres letivos de 2010; e por 56 estudantes que cursaram a disciplina em 1998/99, dentre os 80 matriculados no segundo semestre letivo de 1998 e no primeiro semestre de 1999.
Para participar do estudo foram considerados os seguintes critérios de inclusão: estar matriculado em disciplina da área de Saúde da Mulher, estar presente à aula sobre “HIV/Aids” ministrada por uma das pesquisadoras, preencher o pré-teste (questionário de coleta de dados) e concordar em participar do estudo.
A coleta foi realizada com alunos do terceiro ao sexto semestres do curso de enfermagem, em maio e em outubro de 2010.
Precedendo o início da aula definida para a coleta de dados, e com a finalidade de servir de pré-teste sobre o conteúdo a ser ministrado, foi distribuído um questionário aos estudantes presentes em sala de aula. Os alunos foram, então, convidados a participar e preencher individualmente o questionário. Foi preservado o anonimato dos sujeitos, e aqueles que participaram da pesquisa, em 2010, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido elaborado em duas vias. O tempo médio do preenchimento do instrumento foi de dez minutos, e não houve recusas em participar.
O questionário autoaplicável foi elaborado e aplicado aos estudantes do final da década(1) de 1990 e o mesmo foi acrescido de novas questões, considerando-se a evolução epidemiológica da morbidade, no intervalo de dez anos, bem como os achados encontrados na literatura sobre HIV/Aids com enfoque na saúde da mulher, e aplicado aos estudantes de 2010. Este instrumento constou de duas partes: a Parte I com questões referentes à identificação dos respondentes (data, sexo, semestre letivo em que se encontravam, área de conhecimento que cursaram); Parte II com 25 afirmativas que versavam sobre conhecimentos gerais sobre HIV/Aids, Aids e saúde da mulher, e transmissão vertical.
As questões da Parte II foram elaboradas com três alternativas para cada resposta - correta, incorreta e estou em dúvida. Considerou-se como afirmativa correta aquela que atendia aos pressupostos científicos e/ou fosse empregada pelos programas oficiais de HIV/Aids dos gestores de saúde. A afirmativa considerada incorreta contrariava os pressupostos científicos.
A coleta de dados teve início após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, protocolo 902/2010 e pela Comissão de Pesquisa da mesma instituição, sob o protocolo número 113/2010, tendo sido atendidos os princípios da Resolução 196/96 para pesquisa com seres humanos. Os achados foram lançados em banco de dados, por dupla entrada, tratados pelo SPSS®, e apresentados em números absolutos e percentuais.
RESULTADOS
Os dados de caracterização da amostra obtidos com 51 alunos no ano de 2010 e 56 nos anos de 1998 e 1999 estão apresentados na Tabela 1, a qual descreve o sexo e a situação acadêmica dos respondentes no momento do preenchimento do questionário.
*o aluno pode participar em mais de uma Liga Acadêmica; **Doenças sexualmente transmissíveis
Os dados da Tabela 1 mostram que, em 1998/99, 100% dos respondentes eram do sexo feminino, enquanto em 2010, esse percentual foi de 92,2% (n=47). Do total da amostra, 59 (55,2%) estudantes cursavam, no mínimo, o quinto semestre letivo do curso; 60 (56,1%) estudantes havia cursado pelo menos duas áreas de conhecimento do curso; enquanto 47 (43,1%) estudantes havia concluído apenas uma ou frequentavam a primeira área temática do curso. Cabe acrescentar que as áreas de conhecimento citadas são Saúde do Adulto I e II, Saúde da Criança e Saúde da Mulher. A disciplina DST integra o bloco de Saúde do Adulto II e foi cursada por 18 estudantes (35,3%).
Vale informar que 18 (35,3%) estudantes participavam de Ligas Acadêmicas, alguns participavam em mais de uma e, no momento da pesquisa, cinco participavam da Liga de DST e sífilis.
As Ligas Acadêmicas são compostas por grupos de estudantes e docentes que realizam atendimentos a pacientes com doenças específicas, desenvolvem atividades didáticas e ministram palestras à clientela. Os atendimentos ocorrem geralmente após as aulas ou no horário do almoço. Geralmente, o aluno ingressa em uma das Ligas por meio de prova, realizada após o curso introdutório sobre a mesma. Seu campo de atuação é o(s) ambulatório(s) do complexo de hospitais do entorno da faculdade que frequentam.
Vale esclarecer que a informação sobre participação em Ligas Acadêmicas não constou do questionário aplicado aos estudantes de 1998/99, tendo em vista que naquele momento não havia alunos participando de Ligas.
As respostas dos estudantes de 2010 ao questionário aplicado antes da aula de DST/Aids estão apresentadas nas Tabelas 2 e 3, agrupadas em três temas: informações gerais, informações na área de Saúde da Mulher e informações sobre transmissão vertical. Aos estudantes foram apresentadas afirmativas, as quais os respondentes deveriam considera-las como correta, incorreta ou em dúvidas.
Na Tabela 2, verificam-se falhas nas informações retidas pela maioria dos alunos que consideraram corretas as afirmativas que versaram sobre ano das primeiras notificações de casos de Aids (n=16; 31,4%) e notificação universal de casos de Aids (n=37; 72,5%) e; existência de “grupos de risco” na epidemiologia da Aids (n=37; 74,0%). Apenas um estudante respondeu corretamente a afirmativa sobre existência de relação entre câncer de colo uterino e Aids.
< Por outro lado, 84% (n=43) reconheceram que ainda não foram descobertas vacinas para prevenção da transmissão do HIV; a diferença entre ser HIV positivo e apresentar Aids (n=47; 92,1%) e; a vulnerabilidade da mulher na maturidade (n=49; 96%). Chama a atenção, porém, o elevado percentual de alunos que apresentavam dúvidas para as afirmativas referentes à notificação de casos de Aids e às vias de transmissão de maior ocorrência, à parceria com usuário de drogas injetáveis e à relação entre o nível de escolaridade e à adesão ao preservativo.
Deve-se destacar que nas questões que envolveram relações de gênero, os respondentes apontaram como corretas a infidelidade do parceiro e a possibilidade de agressão e abandono da mulher diante da transmissão sexual e de negociação para prevenção, respectivamente.
A seguir, a Tabela 3 agrupa as respostas dos estudantes para informações sobre a transmissão vertical.
Na Tabela 3, verifica-se maior percentual de respostas corretas para as afirmativas relacionadas à via de transmissão vertical do HIV (n=42; 82,4%); ao emprego de precauções-padrão ao realizar procedimentos junto à mãe e ao recém-nascido (n=41; 82%); à finalidade da testagem anti-HIV no pré-natal (n=49; 98%) e; à não amamentação na ausência de testagem anti-HIV materna (n=42; 84%).
Apontadas como afirmativas incorretas, porém com fundamentação adequada, foram identificadas a vulnerabilidade fetal (n=46; 90,2%); a situação ao nascer da criança exposta (n=31; 60,8%); os momentos de transmissão vertical (n=31; 60,8%) e; a condição imunológica do feto/recém-nascido (n=32; 62,7%).
Neste bloco de afirmativas, somente a relação “momento de infecção materna e amamentação” mostrou-se incorreta (n=32; 62,7%). No mesmo conjunto, a existência de dúvidas sobre as afirmativas manifestou-se com percentual expressivo para a via de transmissão do HIV (n=6; 11,7%); a situação ao nascer da criança exposta (n=16; 31,4%); a relação momento da infecção materna e amamentação (n=18; 35,3%); a condição imunológica do feto/recém-nascido (n=15; 29,5%); a finalidade da testagem anti-HIV no pré-natal (n=14; 28%) e; a não amamentação na ausência de testagem anti-HIV materna (n=7; 14%).
A Tabela 4, a seguir, apresenta as questões aplicadas nos dois momentos – 1998/99 e 2010 -, assim como se considerou a adequação das respostas dos alunos para cada afirmativa. Vale acrescentar que somente em 2010 havia a opção de resposta para “dúvidas”.
Na Tabela 4, verifica-se que, em 2010, houve uma retração do número de respostas adequadas para a maioria das afirmativas, em comparação ao ano de 1998/99. É importante ressaltar o elevado percentual de “dúvidas” em relação ao ano das primeiras notificações de casos de Aids no Brasil, (n=21; 41,2%); notificação universal de indivíduos com HIV e Aids (n=12; 23,5%); ordem decrescente de ocorrência de infecção pelo HIV, no país (n=17; 33,3%); afirmação de que todo recém-nascido exposto ao HIV tem o vírus da Aids e; teste anti-HIV positivo (n=16; 31,4%). Também, constatou-se dúvidas por parcela significativa de estudantes na associação do aumento do risco de transmissão vertical pela via da amamentação com a ocorrência de infecção materna no período pós-parto (n=18; 35,4%).
Da mesma forma, a afirmativa sobre a diferenciação entre indivíduo soropositivo e com Aids demonstrou maior percentual de acertos em 2010 (n=47; 92,2%), em comparação às respostas de 1998/99 (n=7; 12,5%). As outras respostas que apresentaram melhora no percentual de informação entre os dois períodos relacionaram-se à transmissão vertical (n=42; 82,4%, em 2010 contra n=34;61,8%, em 1998/99) e risco para a infecção fetal, no Brasil (n=46; 90,2%, em 2010 contra n=22; 40,0%, em 1998/99). Outro dado que chama atenção na Tabela 4 é o reduzido número de estudantes, nos dois períodos, que responderam adequadamente à questão sobre a inclusão do diagnóstico de câncer cérvico-uterino na classificação de Aids (apenas um respondente por período).
Destacou-se também o deficiente conhecimento dos alunos referente ao fato de a mulher infectada no pós-parto ter risco aumentado de transmissão vertical na amamentação, pois apenas cinco (9,3%) estudantes da turma de 1998/1999 e um (2,0%) de 2010, responderam corretamente à esta questão.
Por outro lado, mostra-se satisfatória a informação dos alunos, de ambos os períodos, sobre a necessidade do uso de luvas no contato com fluidos corpóreos maternos e até o primeiro banho do recém-nascido (n=52; 92,8%, em 1998/1999 e n=41; 82,0%, no ano de 2010).
DISCUSSÃO
Em linhas gerais, os resultados apontam para a carência de informações/conhecimentos sobre o tema, pelos graduandos de enfermagem. Considerando-se que, no intervalo compreendido entre os dois estudos, não houve modificações na grade curricular, nem no processo pedagógico da instituição onde estavam matriculados, depreende-se que há uma lacuna no conjunto de informações/conhecimentos de ambos os grupos sob comparação. Seria esperado que o impulso das políticas de saúde neste campo e os programas implementados pelo gestor de saúde, a partir de 2000, modificassem a condição encontrada ao final da década de 1990.
Os dados demonstraram, também, que os alunos, em 2010, afirmam a existência de “grupos de risco”, considerados na década de 1990. Demonstraram desconhecer que a epidemiologia da síndrome gerou a extinção desse termo que foi substituído por indivíduos em “situações de risco”. Outra situação que requer atenção foi o expressivo percentual de estudantes que optaram pela alternativa “tenho dúvidas”, o que demonstra sua insegurança e desconhecimento do tema.
No intervalo de tempo compreendido entre os dois momentos estudados, foram publicados diversos estudos relacionados à percepção e ao conhecimento de universitários sobre o tema. Uma das publicações que abordou o conhecimento de medidas de prevenção de infecção pelo HIV e de outras DST e estudou 182 universitários da área da saúde da Universidade de São Paulo, identificou a precariedade do conhecimento dos estudantes em relação ao tema. Na conclusão, os autores realçam a importância da capacitação dos graduandos, de modo a torná-los aptos, quando profissionais, ao cuidado de sua clientela e cientes da necessidade de autoproteção(2).
A defasagem de conhecimento também foi demonstrada em pesquisa realizada com treze estudantes de enfermagem e medicina da Universidade Federal do Piauí, o qual verificou uma frequência reduzida de graduandos que associaram o autocuidado à prevenção de DST/Aids. Não obstante, ao acesso dos alunos aos manuais técnicos e às informações acerca de DST/Aids, e a ciência dos mesmos em relação à importância da adesão às práticas de sexo mais seguras e dos riscos provenientes de relações sexuais desprotegidas. A conclusão da pesquisa mostrou que os estudantes recebem embasamento teórico e oferecem orientações recomendadas pelo Ministério da Saúde, as quais são repassadas diariamente à clientela. Entretanto, tais ações não são suficientes para que os estudantes incorporem medidas protetivas para o autocuidado, as identifiquem como eficazes no controle de DST/Aids e no esclarecimento de dúvidas sobre as diversas formas de anticoncepção(3).
Outro estudo qualitativo, realizado com seis graduandos de enfermagem de instituição pública do município de São Paulo, concluiu que, dada às atribuições do graduando de enfermagem, a aquisição de conhecimento deve ter como propósito seu preparo para oferecer ações educativas e de saúde à clientela, com enfrentamento de desafios, de forma “comprometida com as mudanças vinculadas ao contexto da saúde”(4:66).
Da mesma forma, estudo internacional, realizado com 96 estudantes de medicina ao final do primeiro ano do curso, mostrou a não incorporação das informações relacionadas à transmissão do HIV de modo a determinar práticas efetivas, atitudes e responsabilidades que aumentem sua proteção diante da transmissão do vírus(5).
Outro estudo, conduzido em 2008, com 650 alunos de uma universidade do meio oeste americano que responderam a um questionário, mostrou que 70,6% eram do sexo feminino; a média de idade variava de 18 a 30 anos; a maioria (77,3%) relatou familiaridade com as características da epidemia, inclusive com as vias de transmissão. No entanto, 14,2% dos respondentes demonstraram falhas no conhecimento relacionado aos meios de transmissão do HIV; 43,1% tinham dúvidas sobre a existência de drogas que prevenissem a transmissão vertical e; 12% acreditavam que estas drogas inexistiam. Os autores concluíram que existem concepções errôneas dos universitários sobre o modo de transmissão do HIV e sugeriram abordagens proativas para alterações desta situação(6).
Estudo descritivo realizado na Turquia com 357 estudantes universitários da área da saúde objetivou verificar o nível de conhecimento dos alunos sobre HIV/Aids e avaliar suas atitudes e comportamentos relacionados à epidemia e sua percepção sobre a importância da doença nos contextos nacional e mundial. Este concluiu que há carência de informação básica e expressiva que contribua para a redução da Aids como problema de saúde pública(7).
Outro estudo realizado com 139 estudantes do terceiro e quarto anos do curso de clínica bucal de uma universidade de Benin, Nigéria, buscou dados sobre o conhecimento sobre HIV/Aids. Neste, verificou-se que 100 alunos (71,9%) classificaram o próprio conhecimento como alto e muito alto; no entanto, 51 (36,7%) não se sentiam aptos para prestar cuidados bucais aos indivíduos com HIV/Aids no futuro. A maioria dos respondentes acreditava que o profissional de saúde estaria sob o mais alto risco de infecção quando comparado a profissionais do sexo; 94 (67,7%) desconheciam a profilaxia pós-exposição ao HIV; enquanto 122 (87,8%) não conheciam o protocolo profilático estabelecido pelo hospital, campo de ensino da universidade. O estudo concluiu pela distância entre a percepção de conhecimento sobre a doença e a prática diária. Ademais, sugeriu a agregação de esforços para mudar a percepção individual, por meio da implementação de uma grade curricular que contribua para o conhecimento dos alunos de modo a assegurar sua segurança na assistência à clientela(8).
Outro estudo, que mostrou defasagem na percepção do estudante sobre seu aprendizado, foi realizado com enfermeiros e 30 acadêmicos de enfermagem cursando estágio extracurricular em hospital público de Belo Horizonte, MG. O estudo averiguou as percepções dos sujeitos sobre competências profissionais. Os resultados mostraram que os enfermeiros apresentaram maior nível de exigência sobre as competências profissionais que os acadêmicos, achado justificado pelo nível diferenciado de maturidade de ambos. Porém, as respostas dos estudantes sobre sua percepção quanto à “saber mobilizar” e “saber aprender” obtiveram médias menores nas pontuações comparadas às médias das demais afirmações sugeridas. Para os autores, a competência “saber aprender” deveria ser melhor compreendida pelos estudantes, pois tem por objetivo a promoção de sua aprendizagem e de mudanças de seu comportamento(9).
Concorda-se com os autores quando afirmam que os cursos de graduação amparados no enfoque biomédico, embora abordem o tema HIV/Aids em suas disciplinas, deixam em plano secundário a abordagem preventiva. Nesse aspecto, é fundamental o papel da instituição de ensino no preparo dos futuros profissionais, onde deve ser priorizada a abordagem destes alunos por serem jovens e por tratar-se de segmento prioritário para ações educativas(10).
Estudo de reflexão sobre a atuação de docentes na implementação de currículos de cursos de medicina e de enfermagem, de uma universidade pública do Rio de Janeiro, discorreu sobre a verticalização da relação professor-aluno. Este, considera o afeto e a emoção como prejudiciais ao aprendizado. Esta visão mecanicista do mundo prioriza a neutralidade e a quantificação, e alcança tal dimensão que exclui da academia a possibilidade de trabalhar, dentre outros, com as subjetividades, gerando no estudante carência de uma visão ampliada e integrada à sociedade(11). Acredita-se que essa condição seja uma das fontes geradoras dos resultados obtidos neste estudo.
Uma das limitações desta pesquisa reside no número reduzido de sujeitos entrevistados, nos dois momentos, o que prejudicou a correlação entre os achados. Por outro lado, ainda que se reconheça que os resultados correspondam à realidade particular de uma instituição de ensino, acredita-se que a relevância da pesquisa reside na possibilidade de sua replicação em outras instituições de ensino e regiões do país. Este estudo pode permitir o levantamento de situações específicas que possibilitem traçar estratégias para implementação dos planos de ações sobre o tema Aids e Saúde da Mulher, na perspectiva do ensino do acadêmico de enfermagem. Tem-se, ainda, a convicção de que esta pesquisa agrega conhecimento à construção da enfermagem como ciência, na temática.
CONCLUSÃO
Os dados obtidos refletem o contexto atual, onde a vida em sociedade mostra-se em constante e rápida transformação e o diversificado afluxo de informações prejudica o aprofundamento de temas, ainda que voltados à área de formação do jovem.
Nota-se que os estudantes retêm maiores informações sobre a transmissão vertical, cujas medidas de prevenção foram definidas e implementadas em meados da década de 1990. Porém, as políticas voltadas à promoção da saúde da mulher diante da epidemia de Aids, após o ano 2000, não foram suficientes para interferir no conhecimento acadêmico do estudante de enfermagem, ainda que a epidemiologia demonstre um movimento de expansão da síndrome no segmento feminino.
A par da observação empírica, esperava-se que o aluno de enfermagem se mostrasse mais informado sobre a epidemia de Aids, dado o seu caráter de globalização, assim como com estratégias de intervenção definidas no período de doze anos, compreendido entre os dois estudos. Contudo, os dados reforçam os achados de outras pesquisas, as quais demonstraram que os estudantes não incorporam as informações oferecidas sobre a síndrome.
Acredita-se que a solução da carência de informações/conhecimentos demonstrada possa ser solucionada com procedimentos acadêmicos, iniciados no princípio de sua formação universitária, que propiciem aos estudantes maior envolvimento com questões do processo saúde-doença. Envolvê-los no cotidiano das comunidades/instituições de saúde favoreceria a vivência acadêmica e o contato com o contexto onde as doenças se manifestam.
Do exposto, acredita-se, também, que novas estratégias de ensino-aprendizagem devam ser estabelecidas pelos cursos de graduação, de modo a motivar os alunos para o estudo da Aids na saúde da mulher, contribuindo, assim, para a redução de lacunas de informações/conhecimentos sobre o tema.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 15/03/2012
Aprovado: 23/05/2013