HIPERTENSÃO E ENFERMAGEM

                    A MEDIDA DA PRESSÃO ARTERIAL E O FENÔMENO DO AVENTAL BRANCO

Angela Maria Geraldo Pierin

A medida da pressão arterial está sujeita a possibilidades de erro ligadas ao equipamento, paciente, procedimento, ambiente e observador. O local, ambiente do consultório, onde se realiza a medida e o observador podem gerar elevação pressórica, ocasionando a hipertensão do avental branco ou o efeito do avental branco.

A hipertensão do avental branco ocorre quando há hipertensão na aferição da pressão arterial pelo médico no consultório, pressão sistólica ≥ a 140 mm Hg e/ou pressão diastólica ≥ a 90 mm Hg, e normotensão pela monitorização ambulatorial da pressão arterial ou medida domiciliar, representada por pressão sistólica menor que 135 mm hg e pressão diastólica menor que 85 mm hg. O efeito do avental branco é uma elevação dos níveis pressóricos quando a medida da pressão é realizada pelo médico no consultório quando comparados com os registrados pela monitorização ambulatorial da pressão arterial ou na medida domiciliar, independentemente do diagnóstico de normotensão ou hipertensão.

A monitorização ambulatorial da pressão arterial ou medida domiciliar, por possibilitar avaliação da pressão arterial na ausência do médico e ambiente do consultório, enquanto o paciente realiza as suas atividades rotineiras, são utilizadas para detectar a hipertensão e o efeito do avental branco.

Um dos primeiros estudos sobre a influência do observador realizado na década de 80, mostrou a ocorrência de elevações estatisticamente significativas na pressão intra-arterial durante as medidas da pressão realizadas pelo médico. Quando comparadas com os registros na presença da enfermeira e do médico mostrando que a presença da enfermeira desencadeou elevações significativamente menores do que as provocadas pelo médico. [1]   Estudos mais recentes também mostram que medidas realizadas pela enfermeira foram significativamente menores que as do médico [2].

Os reais determinantes da hipertensão do avental branco não são conhecidos. Levanta a hipótese de que a hipertensão do avental branco ocorre devido a uma reação de alerta. Porém, a persistência do fenômeno em visitas subseqüentes não poderia ser explicada somente por este mecanismo. A medida da pressão arterial não é simplesmente um ato mecânico, reveste-se de características especiais, entre as quais a presença do médico e talvez outros aspectos relativos ao ambiente do consultório e às reações provocadas pelo procedimento de medida, estejam associados ao medo e ansiedade, gerando estímulos com resposta condicionada de elevação tensional. Por outro lado não se tem identificado que traços de personalidade, testes de reatividade ao estresse mental e físico não são determinantes da hipertensão do avental branco.

Com o advento da monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA), a prevalência da hipertensão do avental branco pode ser melhor estudada. Os achados na literatura de um modo geral indicam prevalência em torno de 20%, inclusive para estudo realizado em nosso meio [3].

Algumas variáveis têm se relacionado ao fenômeno do avental branco. Com relação ao sexo e idade, a hipertensão do avental branco é mais freqüente em mulheres do que em homens e nas faixas etárias mais elevadas. A história familiar para hipertensão arterial também apresenta relação positiva para a hipertensão do avental branco. A gravidade da hipertensão relacionada à hipertensão do avental branco também tem sido verificada. Verdecchia et al [4] verificaram que a prevalência da hipertensão do avental branco diminuiu acentuadamente à medida que os níveis de gravidade da doença aumentaram, enquanto que o efeito do avental branco aumentou com os níveis de gravidade da doença.

A relação entre a hipertensão do avental branco e lesão em órgãos-alvo também tem sido muito estudada. Alguns estudos mostraram que a hipertensão do avental branco estaria associada a maiores índices de hipertrofia de ventrículo esquerdo, alterações lipídicas, metabólicas, renais.. Nessa linha investigação que acompanhou uma amostra de homens por duas décadas verificou que aos 70 anos tanto os hipertensos do avental branco quanto os hipertensos sustentados apresentaram aumento de resistência à insulina, elevação da glicemia e nível sérico de insulina comparados aos normotensos, mas a massa de ventrículo esquerdo e excreção de albumina urinária estavam aumentadas só nos hipertensos sustentados [5].

            Em nosso meio estudo sobre hipertensão e efeito do avental branco. mostrou valor médio de espessura de parede posterior de ventrículo esquerdo, evidenciado pelo ecocardiograma, significativamente maior (p<0,05) nos pacientes que apresentaram efeito do avental branco (10,4+1,9 vs 9,7+1,7 mm). A análise multivariada mostrou que os melhores preditores da existência do efeito do avental branco foram a presença da hipertensão arterial, média do período de vigília da pressão sistólica na MAPA, pressão sistólica de consultório e espessura de parede posterior do ventrículo esquerdo 3.

Face ao exposto conclui-se que a hipertensão do avental branco seria uma condição intermediária entre a situação de normotensão e hipertensão propriamente dita e que esse pacientes devem ser seguidos. Inclusive existe grande possibilidade de se tornarem hipertensos verdadeiros. Outro aspecto que merece destaque é o fato do tratamento medicamentoso desnecessário que pode ocorrer nos hipertensos do avental branco e o hiper tratamento na vigência do efeito do avental branco.

Além do efeito e a hipertensão do avental branco um achado, que vem despertando a atenção dos pesquisadores, é a normotensão do avental branco identificada como pressão arterial normal no consultório e elevada fora do consultório. A normotensão do avental branco é um achado de extrema importância pois caracteriza erro no diagnóstico e pode privar a pessoa hipertensa dos benefícios do tratamento expondo-a aos riscos da doença. Porém, trata-se de situação de difícil controle uma vez que sua identificação requer avaliação da pressão arterial fora do ambiente do consultório médico, o que pode ser obtido com a realização da MAPA, procedimento que por sua vez requer recursos onerosos e que não estão disponíveis na maioria dos serviços de saúde. Outro agravante é que se a pessoa apresentar medida da pressão arterial de consultório dentro dos limites da normalidade, dificilmente terá indicação para avaliação pela MAPA. Considerando-se a hipertensão e a normotensão do avental branco ambas podem ser responsáveis por cerca de um terço de erros diagnósticos, principalmente nos hipertensos de grau leve e moderado, aqueles que merecem maior atenção epidemiológica por ser a faixa de maior prevalência da hipertensão arterial. Estudo recente mostrou que além de não ser uma entidade benigna os normotensos do avental branco se apresentaram como um grupo de alto risco. [6]

Apesar do diagnóstico da hipertensão arterial basear-se quase que exclusivamente na medida de consultório, não se pode ignorar o fenômeno do avental branco. A adoção de recursos para avaliar a pressão arterial fora do ambiente do consultório com a MAPA e a medida residencial podem ser úteis nesse sentido e a enfermagem desempenha papel fundamental nesse contexto, por ser responsável na maioria das instituições de saúde pelo procedimento da medida da pressão arterial.

 Referências

[1] Mancia, G.; Parati, G.; Pomidossi, G.; Grassi, G.; Casadei, R.; Zanchetti, A. Alerting reaction and rise in blood pressure during measurement by physician and nurse. Hypertension 1987;9:209-215. http://hyper.ahajournals.org/cgi/reprint/9/2/209

[2] Batide-Alanore A, Chatellier G, Bobrie G et al. Comparison of nurse and physician determined clinic blood pressure levels in patients referred to a hypertension clinic: complications for subsequent management. J Hypertens 2000; 18:391-398.

[3] Segre CA, Ueno RK, Warde KRJ, Pierin AMG et al. Efeito, hipertensão e normotensão do avental branco na Liga de Hipertensão do Hospital das Clínicas, FMUSP. Prevalência, características clínicas e demográficas. Arq Bras Cardiol. 2003; 80(2):117-21. http://www.scielo.br/pdf/abc/v80n2/a01v80n2.pdf

 [4] Verdecchia, P.; Schillaci, G.; Borgioni, C. et al. White coat hypertension and white coat effect: similarities and differences. Am J Hypertens. 1995;8(8):790-798. http://www.sciencedirect.com/science?_ob=MImg&_imagekey=B6T0Y-4031NN7-33-1&_cdi=4875&_user=972067&_orig=browse&_coverDate=08%2F31%2F1995&_sk=999919991&view=c&wchp=dGLbVzz-zSkzk&md5=e90a2d7f048a4f12ffd83533e4ba342f&ie=/sdarticle.pdf

 [5] Bjorklund K, Lind L, vessby B etal. Different metabolic predictors of white coat and sustained hypertension over 20-years follow-up period: a population based study of elderly men. Circulation 2002;106(1):63-68. http://gateway.ut.ovid.com/gw1/ovidweb.cgi?WebLinkFrameset=1&S=IDNJHKJOFGMMLK00D&returnUrl=http%3a%2f%2fgateway.ut.ovid.com%2fgw1%2fovidweb.cgi%3f%26Full%2bText%3dL%257cS.sh.15.16.18.40%257c0%257c00003017-200207020-00016%26S%3dIDNJHKJOFGMMLK00D&directlink=http%3a%2f%2fgraphics.ovid.com%2fovftpdfs%2fIDNJHKJOFGMMLK00D%2ffs036%2fovft%2flive%2fgv019%2f00003017%2f00003017-200207020-00016.pdf

[6] Mancia G, Facchetti R, Bombelli M, Grassi G, Sega R. Long-term risk of mortality associated with selective and combined elevation in office, home, and ambulatory blood pressure. Hypertension. 2006;47(5):846-53. http://hyper.ahajournals.org/cgi/reprint/47/5/846

 

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