ARTIGOS DE REVISÃO

 

Autocuidado para intestino neurogênico em sujeitos com lesão raquimedular: revisão integrativa

 

Adriana Santana de Vasconcelos1, Inacia Sátiro Xavier de França1, Alexsandro Silva Coura1, Bertha Cruz Enders2, Hemília Gabrielly de Oliveira Cartaxo1, Francisco Stélio de Sousa1

1Universidade Estadual da Paraíba
2Universidade Federal do Rio Grande do Norte

 


RESUMO
Objetivo: Identificar as intervenções de enfermagem na promoção do autocuidado para intestino neurogênico nos sujeitos com lesão raquimedular, relacionadas aos diagnósticos de enfermagem Risco de constipação, Constipação e Incontinência intestinal.
Método: Revisão integrativa nas bases eletrônicas utilizando-se descritores. Na análise utilizou-se a Teoria do Déficit de Autocuidado.
Resultados: intervenções mais citadas para o autocuidado: orientação nutricional, consumo de líquidos, indicar ida ao banheiro no mesmo horário, massagem abdominal, mudança de decúbito e manobra de Valsalva.
Discussão: a disfunção gastrointestinal pode causar constrangimentos e prejudicar as relações pessoais. O enfermeiro deve avaliar o padrão eliminatório desta clientela, priorizar ações não farmacológicas e pouco invasivas, considerar as preferências alimentares, os hábitos culturais e os recursos econômicos dos sujeitos para investir na dieta.
Conclusão: Os enfermeiros podem contribuir com a promoção do autocuidado para o intestino neurogênico e a Teoria do Déficit de Autocuidado pode ser utilizada como uma importante ferramenta nesse processo.
Descritores: Enfermagem; Traumatismos da Medula Espinhal; Autocuidado; Intestino Neurogênico.


 

INTRODUÇÃO

A lesão raquimedular (LRM) constitui-se num problema de saúde pública mundial, pois o número de pessoas com deficiência ocasionada por esse agravo vem aumentando significativamente nas últimas décadas. Estima-se que ocorram no Brasil, aproximadamente, 6.000 novos casos por ano(1). Este número se deve, especialmente, às lesões traumáticas (80%) provocadas por ferimentos com arma de fogo, acidentes de trânsito, mergulhos em águas rasas e quedas. Entretanto, 20% das LRM estão associadas a causas não traumáticas, como doenças viróticas, bacterianas e à esquistossomose(2).

Ainda exitem dificuldades para conhecer dados oficiais sobre as pessoas com LRM, todavia estima-se que ocorrem 50 casos novos a cada um milhão de habitantes no âmbito mundial(3). Por ano, 60 mil sujeitos sofrem LRM nos Estados Unidos(4). No Brasil, anualmente, a incidência é de, aproximadamente, 6.000 casos(5).

Os sujeitos com LRM são, geralmente, homens com idade entre 18 e 40 anos, no auge da vida produtiva. Considerando esta questão, pode-se inferir que as LRM trazem repercussões negativas para a sociedade. Embora os avanços na área da reabilitação sejam evidentes, as LRM produzem alterações no funcionamento orgânico que ocasionam sequelas, muitas vezes irreversíveis que geram a necessidade de profundas modificações na vida dos sujeitos acometidos e de suas famílias(6).

As deficiências ocasionadas pela LRM variam de acordo com o nível da lesão, em que apresentam tetraplegia as pessoas com lesões localizadas acima da vértebra torácica2 (T2) e, abaixo deste nível, com paraplegia. Estudiosos apontam que a ocorrência de complicações aumenta conforme o nível da lesão, enquanto a capacidade de autocuidado diminui(7). Portanto, a dificuldade para o autocuidado acompanha o sujeito com LRM, favorecendo o aparecimento de complicações relacionadas ao problema principal. Dessa forma, a assistência de enfermagem para essas pessoas e seus familiares necessita ultrapassar o âmbito hospitalar, estabelecendo estratégias de promoção da saúde que favoreçam o prazer da convivência familiar apesar das sequelas existentes.

Dentre as várias consequências que podem decorrer da LRM, tais como o déficit motor, alterações metabólicas e hormonais, redução da capacidade respiratória e da circulação sanguínea, evidencia-se o descontrole das eliminações intestinais(8). Dessa maneira, é bastante comum a ocorrência de intestino neurogênico em pessoas que sofreram LRM, pois devido aos danos neurológicos o sistema nervoso não consegue controlar a função intestinal como anteriormente, podendo ocorrer constipação ou incontinência fecal(7).

Problemas intestinais apresentam incidência variável, podendo atingir até 75% das pessoas com LRM(9). Uma investigação com uma amostra superior a mil pessoas com LRM, realizada no Reino Unido, identificou que 39% apresentam constipação, 36% hemorróidas e 31% distensão abdominal(10).

Tais complicações podem gerar medo de acidentes intestinais e, consequentemente, receio de saírem de casa, além do desconforto causado pelo acúmulo de fezes endurecidas no tubo intestinal. Essa condição acaba dificultando a participação desses sujeitos em atividades sociais e, possivelmente, prejudicando sua qualidade de vida.

Nesse contexto, salienta-se que com adequadas intervenções de enfermagem, é possível prevenir e realizar o tratamento de potenciais complicações, ajudando a pessoa com LRM e sua família no processo de reabilitação e autocuidado a ser realizado no domicílio após a alta hospitalar(2).

Portanto, partindo dos pressupostos de que as pessoas com LRM vivenciam os problemas intestinais em seus domicílios; que tais complicações são preveníveis; que os enfermeiros podem intervir nesse processo com vistas à promoção da saúde no âmbito da atenção primária; e que a eliminação fecal adequada é uma necessidade humana que deve ser atendida(11), objetivou-se identificar as intervenções de enfermagem na promoção do autocuidado para intestino neurogênico nos sujeitos com LRM, relacionadas aos diagnósticos de Risco de constipação, Constipação e Incontinência intestinal(12).

Acredita-se na relevância do estudo devido ao seu potencial em oferecer informações que poderão subsidiar a práxis de enfermagem na assistência às pessoas com LRM. As intervenções identificadas devem ser utilizadas nas unidades de atenção primária em saúde, de maneira que as pessoas com LRM possam desenvolver habilidades de autocuidado, tornando-se mais independentes. O estudo justifica-se ainda, pois apesar da importância clínica desta população, há uma escassez de pesquisas sobre estratégias de gestão para disfunção intestinal neurogênica(9).

 

MÉTODO

Estudo de revisão integrativa, realizada entre julho e agosto de 2011, nas bases de dados SciELO, LILACS, BDENF, MEDLINE, IBECS e PubMed, por meio da busca on-line de artigos científicos publicados nos últimos dez anos.

Neste estudo, para a construção da questão norteadora considerou-se as pessoas com LM e bexiga neurogênica como o problema em foco, as intervenções relacionadas aos diagnósticos de enfermagem Incontinência urinária de urgência, Risco de incontinência urinária de urgência e Retenção urinária como a intervenção em estudo e a promoção do autocuidado como o desfecho esperado.

Nessa perspectiva, para aglomerar o maior número de artigos que pudessem responder a questão norteadora “Quais as intervenções de enfermagem que podem ser implementadas para a promoção do autocuidado de pessoas com LRM que apresentam intestino neurogênico?”, utilizaram-se três estratégias de busca: I. Busca por meio de descritores controlados DeCS/MeSH: “Traumatismos da Medula Espinhal”, “Medula Espinhal”, “Intestino Neurogênico”, “Constipação Intestinal”, “Incontinência Fecal” e Enfermagem; II. Busca por meio de descritores não controlados: Traumatismo Raquimedular, Lesão Medular e Intestino; e III. Referência cruzada, ou seja, identificação de  bibliografia nos artigos pré-selecionados.

A sintaxe dos descritores foi articulada com as seguintes expressões de busca: (Traumatismos da Medula Espinhal OR Traumatismo Raquimedular OR Medula Espinhal OR Lesão Medular) AND Enfermagem AND Intestino; (Intestino Neurogênico OR Constipação Intestinal OR Incontinência Fecal OR Intestino) AND Enfermagem.

Na busca inicial foram identificados 839 artigos, sendo considerados como limites de busca: artigos sobre seres humanos, escritos nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola e publicados nos últimos dez anos a contar da data de pesquisa. Em seguida, procedeu-se a leitura de títulos e resumos, considerando os seguintes critérios de inclusão: artigos que versavam sobre as intervenções de enfermagem (propostas ou implementadas nos estudos) para a promoção do autocuidado de pessoas com LRM que apresentam intestino neurogênico; e disponíveis eletronicamente no formato de texto completo e gratuito. Foram excluídos da amostra os artigos que tratavam de intervenções de enfermagem com outras síndromes neurológicas. Dessa maneira, depois de suprimir os resumos que se repetiram em mais de uma base de dados, sendo contados apenas uma vez, obteve-se uma amostra de 12 manuscritos.

O processo de coleta e avaliação dos artigos foi efetuado por dois revisores independentes e cegados que catalogaram, armazenaram e gerenciaram os artigos analisados com auxílio do Software JabRef Reference Manager versão 2.5.

Para análise das unidades de estudo, as intervenções identificadas foram sintetizadas em quadros e relacionadas com os diagnósticos de enfermagem Risco de constipação, Constipação e Incontinência intestinal da North American Nursing Diagnosis Association International (NANDA-I)(12). Além disso, consideraram-se os sistemas propostos por Dorothea Orem na Teoria do Déficit de Autocuidado: I. Sistema Totalmente Compensatório: o enfermeiro realiza o autocuidado, compensando a incapacidade do paciente, o qual deve ser apoiado e protegido; II. Sistema Parcialmente Compensatório: o enfermeiro apoia o paciente, realizando algumas ações, porém existe ação bilateral; e III. Sistema de Apoio - Educação: o enfermeiro apoia o autocuidado, porém é o próprio paciente quem executa as ações(13).

 

RESULTADOS

Conforme o fluxograma apresentado a seguir foram identificados 839 artigos, e selecionados 12. Os manuscritos excluídos tiveram como justificativas: fuga da temática (n=84), repetição na mesma base ou em mais de uma base de dados (n=29), intervenções de enfermagem com outras síndromes neurológicas (n=10) e não disponibilidade eletrônica no formato de texto completo e gratuito (n=707).

 

No Quadro 1, são apresentados os dados bibliométricos dos 12 manuscritos considerados para o estudo, sendo indicada a distribuição dos artigos por número da referência, primeiro autor, título do manuscrito no idioma verificado no periódico, ano de publicação, país e revista. Verifica-se que 41,7% (n=5) dos artigos são provenientes de revistas de enfermagem brasileiras e que 58,3% (n=7) são publicações de revistas médicas de outros países.

 

No Quadro 2 são apresentados os dados sobre idioma, financiamento, conflito de interesse e apreciação ética dos manuscritos inseridos na revisão. Verificaram-se artigos em inglês e português, quatro com financiamento e cinco com comprovação de apreciação ética. Nenhum artigo indicou existir qualquer tipo de conflito de interesse.

 

No Quadro 3 são apresentadas as possíveis intervenções de enfermagem para pessoas com LRM em quadro de intestino neurogênico, conforme parâmetros da Teoria do Déficit de Autocuidado. As intervenções mais citadas foram para o diagnóstico de Risco de constipação - Orientação nutricional (n=10), Encorajar o consumo de líquidos (n=7) e Indicar ida ao banheiro sempre no mesmo horário (n=5); para o diagnóstico de Constipação - Administração de medicamentos (n=11), Orientação nutricional (n=10), Encorajar o consumo de líquidos (n=7), Lavagem intestinal (n=6), Remoção manual (n=6) e Indicar ida ao banheiro sempre no mesmo horário (n=5); e para o diagnóstico de Incontinência intestinal - Orientação Nutricional (n=10) e Indicar ida ao banheiro sempre no mesmo horário (n=5). Todavia, as intervenções gerais que apresentam potencial para a promoção do autocuidado foram: Orientação Nutricional (n=10); Encorajar o consumo de líquidos (n=7); Indicar ida ao banheiro sempre no mesmo horário (n=5); Massagem abdominal (n=4); Indicar mudança de decúbito e evitar a posição deitada (n=3); Orientar sobre a manobra de Valsalva (n=2); Indicar o estímulo da tosse (n=1); Encorajar à prática de atividades físicas (n=1); Educação dos familiares cuidadores (n=1); e Orientar sobre a necessidade de instalar uma porta larga no banheiro (n=1).



 

DISCUSSÃO

Os diagnósticos de enfermagem são títulos dados às reações humanas que necessitam de atuação do enfermeiro para que ocorra a assistência de saúde. Eles favorecem a comunicação eficaz entre os membros da equipe de enfermagem e, por isto, constituem-se em um importante requisito para a aplicação de intervenções de enfermagem a partir de evidências clínicas. A North American Nursing Diagnosis Association International é uma das associações de enfermagem mais tradicionais na validação desses diagnósticos(12). Na atualidade, procura-se interligar os diagnósticos de enfermagem às intervenções, buscando a utilização do raciocínio clínico durante a consulta. Nessa perspectiva, apresentam-se os diagnósticos de enfermagem mais frequentes em pessoas com LRM e intestino neurogênico, bem como as respectivas intervenções identificadas nos estudos selecionados. Salienta-se que a discussão está pautada nas intervenções relacionadas aos sistemas Parcialmente Compensatório e Sistema de Apoio - Educação, pois os mesmos possibilitam a promoção do autocuidado.

Risco de constipação

Pessoas com LRM estão sob o risco de apresentar constipação intestinal e impactação fecal, pois devido à interrupção dos nervos da medula espinhal, as mensagens advindas do reto não conseguem chegar ao cérebro e isto pode gerar movimentação intestinal insuficiente. O Risco de constipação é a condição na qual a pessoa tem elevado risco de apresentar estase do intestino grosso, resultando em baixa frequência de eliminação e/ou fezes duras e secas(23).

Para iniciar a assistência de enfermagem voltada ao padrão eliminatório, se faz necessário realizar a coleta de dados, primeira fase da consulta de enfermagem(24), que é constituída de exame físico e entrevista(9,11). Sendo assim, é recomendado entrevistar o sujeito quanto ao funcionamento do padrão eliminatório antes da LRM. Após isto, deve ser realizada uma correlação com o padrão eliminatório atual; procurar por sinais de distensão abdominal que poderá fazer o enfermeiro suspeitar de impactação ou flatulência; auscultar os ruídos hidroaéreos para determinação da motilidade intestinal; percutir em busca de timpanismos característicos de flatulência; e palpar o abdome à busca de massas que podem denotar dificuldades na eliminação das fezes(23).

Durante esta investigação, o enfermeiro deve estar atento à identificação dos fatores que aumentam a possibilidade do usuário apresentar o diagnóstico de constipação. Estes fatores são: utilização de agentes farmacológicos como o uso de laxantes indiscriminadamente e o uso de antidepressivos; modificações no funcionamento fisiológico como dentição inadequada, desidratação, hábitos alimentares deficientes, ingestão insuficiente de fibras e líquidos, motilidade gastrintestinal diminuída e mudanças nos padrões alimentares; modificações funcionais, tais como atividade física insuficiente, fraqueza nos músculos abdominais; mecânicas como o nível da lesão neurológica; e psicológicos, a exemplo da depressão e da tensão emocional(12). Após ter sido realizada a avaliação do sujeito com LRM e sendo confirmado o diagnóstico de Risco de constipação ou estabelecido um risco para sua ocorrência, são sugeridas outras intervenções para o seu tratamento e/ou prevenção.

A adoção de hábitos saudáveis com relação à dieta devem ser indicados(2,9,11,19-20,22). Pode-se orientar a construção de refeições balanceadas, com cardápio rico em fibras. As refeições devem estar distribuídas em, pelo menos, três refeições diárias seguindo-se uma rotina de horários pré-determinados. Em casos onde o processo digestivo é mais demorado, faz-se necessário fracionar a dieta em seis refeições diárias com porções mais reduzidas. Esta rotina auxilia no estabelecimento de movimentos intestinais que irão favorecer a defecação. Ressalta-se que a orientação quanto aos hábitos alimentares deve levar em consideração os recursos econômicos que os sujeitos têm para investir na dieta, assim como as preferências alimentares e os hábitos culturais.

Deve-se ainda, encorajar o consumo de líquidos(2,9,11,19,22), pois a manutenção da ingesta hídrica adequada favorece a hidratação das fezes e facilita a passagem das fezes pelo intestino; Indicar ida ao banheiro sempre no mesmo horário(2,19,22), com o objetivo de criar uma rotina; Orientar sobre a necessidade de instalar uma porta larga no banheiro, para facilitar a entrada de uma cadeira de rodas, caso a pessoa seja cadeirante, ou mesmo para a entrada conjunta com o cuidador, o qual deve ser orientado adequadamente(9); Indicar mudança de decúbito e evitar a posição deitada(19); Orientar sobre a manobra de Valsalva (inspirar profundamente e forçar os músculos abdominais e diafragmáticos para baixo); Indicar o estímulo da tosse e a Massagem abdominal(22). Na Massagem de Rovising, o paciente ou seu cuidador deve massagear levemente o cólon da direita para esquerda, no sentido de cima para baixo, durante vinte minutos. Esta intervenção pode ser associada ao treinamento intestinal que consiste em sentar o paciente em um vaso sanitário, caso ele possua estabilidade suficiente para manter o equilíbrio, durante trinta minutos mesmo que o paciente não deseje evacuar.

Indica-se também, encorajar à prática de atividadas físicas(19), para ajudar na mobilidade das fezes; desaconselhar laxantes farmacológicos(2), para evitar uma possível dependência medicamentosa; e para controle da assistência prestada, gerenciar as eliminações: observar, avaliar e registrar o aspecto e quantidade aproximada das fezes(2,9,11), bem como registrar o programa de cuidados intestinais(9).

Constipação

A constipação é o estado em que a pessoa apresenta estase do intestino grosso, resultando em baixa frequência de eliminações e/ou fezes duras e ressacadas. Pode-se suspeitar de constipação intestinal, quando o número de eliminações é inferior a três por semana, esforço excessivo para defecar e eliminação de fezes duras. Quando a mobilidade do intestino diminui, as fezes permanecem por mais tempo no intestino grosso, dessa forma há maior reabsorção de água o que as torna mais difíceis de serem eliminadas. A impactação fecal resulta da constipação e se caracteriza por fezes endurecidas que a pessoa não pode expelir. Os sinais da impactação fecal são a ausência de eliminação de fezes por vários dias ou quando há eliminação de apenas exudatos fluidos de fezes(23).

As intervenções indicadas para o Risco de constipação também se aplicam ao diagnóstico de Constipação, sendo pertinente apontar outras intervenções de enfermagem, como por exemplo, a administração de medicamentos(2,9-13,19-20,22-24). Em alguns casos, sob prescrição médica, cabe ao enfermeiro a administração de laxantes orais ou supositórios, sendo esses indicados após tentativas terapêuticas não farmacológicas sem êxito. Não ocorrendo evacuação, pode-se lançar mão do supositório de glicerina, se o problema persistir por três dias após estas tentativas, o médico deve ser consultado. O enfermeiro deve avaliar o risco-benefício de se utilizarem laxantes naturais culturalmente aceitos pelos sujeitos e suas famílias, sendo desaconselhado o uso de laxantes farmacológicos por conta própria, pois eles potencializam que o diagnóstico de constipação permaneça.

Quando o diagnóstico de constipação está confirmado, indica-se o aumento da ingesta hídrica, em torno de 2,5 a 3 litros de líquido diariamente. É indicado o consumo de água e suco de frutas. O consumo de leites e seus derivados deve ser observado pelo sujeito e seus familiares, pois estes alimentos podem ocasionar flatulência em alguns e, desta forma, o seu consumo deve ser limitado. São contraindicados o consumo de café, chás e refrigerantes, visto que possuem propriedades constipantes e favorecem a flatulência(2,11,19,22).

Outras intervenções que podem ser implementadas são: avaliar a possibilidade e/ou presença de hemorróidas(9), pois a defecação de fezes dura e secas pode causar sangramentos e complicações secundárias, além de aumentar a dificuldade de eliminações; controle da impactação, estimulação digital, que consiste na introdução do dedo enluvado e lubrificado no reto com realização de movimentos de vai e vem durante cinco minutos, toque retal(22), lavagem intestinal(2,9,19,22) e/ou remoção manual(9,19,22) quando o quadro é mais severo. Após prescrição médica podem ser administrados enemas e enteróclises. O aquecimento dos líquidos destinados a estes procedimentos potencializa sua capacidade emoliente. Outro fator importante é o posicionamento do sujeito com LRM em decúbito lateral esquerdo, permitindo que o líquido penetre em profundidade no cólon descendente e favorecendo as eliminações intestinais. Outras alternativas viáveis para os sujeitos com LRM são as técnicas de mobilização corporal. Deve-se determinar se esta mobilidade será ativa ou passiva e o grau de participação dos cuidadores. A pessoa com LRM pode ser colocada em posição ortostática e seus membros inferiores flexionados sobre o abdome, pois estas mobilizações auxiliam na movimentação intestinal e reduzem a flatulência(23).

Incontinência intestinal

A incontinência intestinal é o estado em que o indivíduo apresenta incapacidade de controlar a eliminação das fezes. Para esse diagnóstico se aplicam as intervenções citadas para os diagnósticos de Risco de constipação e Constipação, exceto aquelas que buscam promover e/ou facilitar a eliminação das fezes.

No tocante à orientação nutricional(2,9,11,19-20,22), deve-se encorajar o consumo de alimentos ricos em fibras para aumentar o bolo fecal, sendo evitadas bebidas alcoólicas e cafeína. No concernente à administração de medicamentos, podem-se indicar substâncias que possam reduzir a frequência da incontinência e modificar a consistência das fezes produzidas.

Deve-se orientar sobre a necessidade de instalar uma porta larga no banheiro, pois em caso de incontinência é interessante que o caminho até o banheiro seja facilitado, principalmente quando se trata de uma pessoa com LRM que faz uso de cadeira de rodas.

Outro fator importante é a avaliação das condições culturais e sexuais dos usuários, pois uma disfunção gastrointestinal pode causar constrangimentos e prejudicar as relações pessoais. Nessa perspectiva, o aconselhamento sexual é parte integrante e fundamental no processo de reabilitação, cabendo ao enfermeiro passar informações corretas sobre possíveis alternativas para minimizar alterações nas relações devido às complicações da LRM(19).

O enfermeiro que assiste ao sujeito com LRM deve estar atento à avaliação do padrão eliminatório desta clientela e buscar priorizar ações não farmacológicas e pouco invasivas. Seria ideal promover o autocuidado para o intestino neurogênico, de maneira que as próprias pessoas pudessem se cuidar ou necessitar de ajuda reduzida dos cuidadores.

Apesar das pertinentes intervenções verificadas nos artigos selecionados, acredita-se que se configura como limitação do estudo considerar apenas os artigos disponíveis na íntegra e de maneira gratuita nas bases de dados eletrônicas. Esse procedimento metodológico pode, em alguns casos, fazer com que estudos importantes na área de investigação e que possuem potencial para responder as perguntas levantadas não sejam incluídos na amostra.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificou-se que existem várias intervenções de enfermagem a serem implementadas no tratamento e na promoção da saúde de pessoas com LRM e intestino neurogênico, no tocante à assistência de pessoas com os diagnósticos de enfermagem de Risco de constipação, Constipação e Incontinência intestinal. A identificação dessas intervenções oferece aos enfermeiros que atendem esta clientela em hospitais, ambulatórios e domicílios um conjunto de informações com acesso facilitado, sendo especialmente relevante para enfermeiros que realizam o atendimento a sujeitos com LRM longe dos grandes centros de reabilitação.

Compartilhar os diagnósticos e intervenções de enfermagem indicadas por enfermeiros que atendem às pessoas com LRM que apresentam intestino neurogênico oferece subsídios que podem auxiliar em duas questões. A primeira é o favorecimento de uma assistência com menores riscos de imperícia, negligência e imprudência. A segunda é a superação da assistência de enfermagem baseada nas experiências individuais para a prática de enfermagem baseada em evidências clínicas.

Nesse contexto, evidenciou-se que os enfermeiros podem contribuir com a promoção do autocuidado para o intestino neurogênico em sujeitos com LRM e que a Teoria do Déficit de Autocuidado pode ser utilizada como uma importante ferramenta nesse processo, uma vez que permite a utilização de diversos recursos para promoção da independência necessária ao desenvolvimento de vínculos de responsabilização e fraternidade entre os cuidadores e o sujeito com LRM. E ainda, possibilita a utilização dos sistemas Parcialmente Compensatório e de Apoio - Educação, que permitem auxiliar no processo de educação em saúde para conviver com o intestino neurogênico, além de prevenir e tratar os diagnósticos de enfermagem de Risco de Constipação, Constipação e Incontinência intestinal.

 

REFERÊNCIAS

1. Venturini DA, Decésaro MN, Marconi SSAlterações e expectativas vivenciadas pelos indivíduos com lesão raquimedular e suas famílias. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(4):589-96.

2. Vasconcelos AS, França ISX, Coura AS, Sousa FS, Souto RQ, Cartaxo HGO. Nursing interventions on the needs of people with spinal cord injury: an integrative review. Online braz j nurs [ Internet ]. 2010 September [ Cited 2013 Dec 10 ] 9 (2) . Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3000. doi:http://dx.doi.org/10.5935/1676-4285.20103000 [ included in the review ]

3. Samuel JC, Akinkuoto A, Vilaveces A, Charles AG, Lee CN, Hoffman IF, et al. Epidemiology of Injuries at a tertiary care center in Malawi. World j sur. 2009; 33(9): 1836-41.

4. Faro ACM. A reabilitação da pessoa com lesão medular: tendências da investigação no brasil. Enferm glob 2003;(3):1-6.

5. Utida C, Truzzi JC, Bruschini H, Simonetti R, Cedenho AP, Srougi M, et al. Male infertility in spinal cord trauma. Int braz j urol. 2008; 31(4):375-83.

6. Brito LMO, Chein MBC, Marinho SC, Duarte TB. Avaliação epidemiológica dos pacientes vítimas de traumatismo raquimedular. Rev Col Bras Cir. 2011; 38(5):304-9.

7. Furlan MLS, Caliri MHL, Defino HL. Intestino neurogênico: guia prático para pessoas com lesão medular. Coluna. 2005; 4(3 Pt 1):113-68.

8. Galvin LR, Godfrey HPD. The impact of coping on emotional adjustment to spinal cord injury (SCI): review of the literature and application of a stress appraisal and coping formulation. Spinal cord.  2001; 39(12):615-27.

9. Goetz LL, Nelson AL, Guihan M, Bosshart HT, Harrow JJ, Gerhart KD, et al. Provider adherence to implementation of clinical practice guidelines for neurogenic bowel in adults with spinal cord injury. J spinal cord med. 2005; 28(5):394-406. [ included in the review ]

10. Coggrave M, Norton C, Wilson-Barnett J. Management of neurogenic bowel dysfunction in the community after spinal cord injury: a postal survey in the United Kingdom. Spinal cord. 2009; 47(4):323-30.

11. Leite VBE, Faro ACM. O cuidar do enfermeiro especialista em reabilitação físico-motora. Rev Esc Enferm USP. 2005; 39(1): 92-6. [ included in the review ]

12. North American Nursing Diagnosis Association International (NANDA-I). Nursing diagnoses: definitions and classification 2009-2011. Indianapolis: Wiley-Blackwell; 2009.

13. Orem DE. Modelo de Orem. Nursing. Concepts of Practice. 6th ed. St. Louis: Mosby; 2001.

14. Lynch AC, Antony A, Dobbs BR, Frizelle FA. Bowel dysfunction following spinal cord injury. Spinal cord [ Internet ]. 2001 [ cited 2013 Jan 24 ] 39(4):193-203. Available from:http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11420734

15. Benevento BT, Sipski ML. Neurogenic bladder, neurogenic bowel, and sexual dysfunction in people with spinal cord injury. Phys ther [ Internet ]. 2002 [ cited 2013 Jan 24 ] 82(6):601-12. Available from:http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12036401 [ included in the review ]

16. Bruni DS, Strazzieri KC, Gumieiro MN, Giovanazzi R, Sá VG, Faro ACM. Aspectos fisiopatológicos e assistenciais de enfermagem na reabilitação da pessoa com lesão medular. Rev Esc Enferm USP [ Internet ]. 2004 [ cited 2013 Jan 24 ] 38(1):71-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v38n1/09.pdf

17. Cafer CR, Barros ALBL, Lucena AF, Mahl MLS, Miche JLM. Diagnósticos de enfermagem e proposta de intervenções para pacientes com lesão medular. Acta paul enferm [ Internet ]. 2005. [ cited 2013 Jan 24 ] 18(4):347-53. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002005000400002 [ included in the review ]

18. Coggrave M, Wiesel PH, Norton C. Management of faecal incontinence and constipation in adults with central neurological diseases. Cochrane database syst rev [ Internet ]. 2006 [ cited 2013 Jan 24 ] 19(2): [ about 10.p ] . Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16625555 [ included in the review ]

19. Scramin AP, Machado WCA. Cuidar de pessoas com tetraplegia no ambiente domiciliário: intervenções de enfermagem na dependência de longo prazo. Esc Anna Nery Rev Enferm. [ Internet ]. 2006 [ cited 2013 Jan 24 ] 10(3):501-8. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452006000300020 [ included in the review ]

20. Korsten MA, Singal AK, Monga A, Chaparala G, Khan AM, Palmon R, et al. Anorectal stimulation auses increased colonic motor activity in subjects with spinal cord injury. J spinal cord med [ Internet ]. 2007 [ cited 2013 Jan 24 ] 30(1):31-5. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17385267 [ included in the review ]

21. Christensen P, Bazzocchi G, Coggrave M, Abel R, Hulting C, Krogh K, et al. Outcome of Transanal Irrigation for Bowel Dysfunction in Patients With Spinal Cord Injury. J spinal cord med [ Internet ]. 2008 [ cited 2013 Jan 24 ] 31(5): 560–7. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2607129/ [ included in the review ]

22. Krassioukov A, Eng LL, Claxton G, Sakakibara BM, Shum S. Neurogenic bowel management after spinal cord injury: a systematic review of the evidence. Spinal cord [ Internet ]. 2010 [ cited 2013 Jan 24 ] 48(10):718-33. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2607129/ [ included in the review ]

23. Potter PA, Perry AG. Fundamentos de enfermagem. Rio de janeiro: Elsevier; 2009.

24. Carpenito-Moyet LJ. Manual de Diagnósticos de Enfermagem. 10 ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.

 

 

PARTICIPAÇÃO DOS AUTORES
Adriana Santana de Vasconcelos, Inacia Sátiro Xavier de França, Hemília Gabrielly de Oliveira Cartaxo, Alexsandro Silva Coura e Francisco Stélio de Sousa, Universidade Estadual da Paraíba. Concepção, desenho, escrita, revisão crítica e aprovação final.

Bertha Cruz Enders, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Escrita, revisão crítica e aprovação final.

 

 

Recebido: 01/12/2011
Revisado: 07/01/2013
Aprovado: 18/10/2013