ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Registros de puericultura na atenção básica: estudo descritivo

 

 

Cinthia Lopes Barboza1, Mayckel da Silva Barreto1, Sonia Silva Marcon1

1Universidade Estadual de Maringá


 

RESUMO
Objetivo: Investigar nos registros de prontuários como  a puericultura é realizada pelas equipes da Estratégia Saúde da Família, atuantes em uma Unidade Básica de Saúde no município de Maringá, Paraná. Método: Os dados foram coletados em janeiro de 2011, a partir de consulta dos prontuários de 181 crianças nascidas entre julho de 2008 e janeiro de 2010, nos quais foram observados dados relevantes sobre o acompanhamento infantil durante o primeiro ano de vida. Resultados: O enfermeiro foi responsável por 51,9% das consultas de puericultura. Constatou-se ainda que o índice de prontuários não preenchidos em diversos campos foi elevado. Discussão: A quantidade de atendimentos de puericultura realizados pelos enfermeiros demonstra sua importância no acompanhamento à saúde da criança. Considerações finais: Acredita-se que a implementação de uma ficha padrão para o registro das consultas de puericultura deve minimizar a subnotificação das atividades de acompanhamento às crianças por facilitar e sistematizar a anotação.
Descritores: Cuidado da Criança; Atenção Primária à Saúde; Saúde da Família; Enfermagem.


 

INTRODUÇÃO

A Estratégia Saúde da Família (ESF) é um dos eixos fundamentais da ação na área da saúde. A característica básica da proposta é oferecer a atenção primária da assistência, objetivando, primordialmente, a promoção da saúde e a diminuição dos agravos, aumentando, assim, o acesso da população aos serviços de saúde(1).

Uma das atividades da ESF é a puericultura, que tem por objetivo fazer o acompanhamento sistemático do crescimento e desenvolvimento das crianças e adolescentes com o intuito de elevar a qualidade de vida, defendendo e orientando condutas favoráveis e, principalmente, sensibilizando e conscientizando os cuidadores das crianças(1)

Por mais que os indicadores de saúde demonstrem que os índices de mortalidade infantil reduziram na última década, esses ainda são considerados elevados, sendo que, na maioria dos casos, o óbito poderia ter sido evitado. Destarte, a falha  encontra-se na falta de um esforço concentrado para a organização da assistência infantil e o oferecimento do atendimento nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Assim a atenção primária e as ações voltadas para a vigilância à saúde constituem a base da organização da atenção à saúde infantil(2).

As UBS devem oferecer para a criança e sua família, e em especial a mãe, um atendimento humanizado e acolhedor, sendo responsabilidade da atenção básica a triagem neonatal; a garantia e o incentivo ao aleitamento materno; a vigilância nutricional; a imunização; a assistência no caso das doenças prevalentes na infância;  assistência e prevenção às patologias bucais; a promoção da saúde mental; e a prevenção de acidentes, maus-tratos, violência doméstica e trabalho infantil(2,3).

Com essas responsabilidades, a assistência em puericultura é fundamental para a prevenção de diversas doenças durante os primeiros anos de vida. Para isto, o início precoce, de preferência no primeiro mês de vida, e pelo menos oito consultas durante o primeiro ano, são indispensáveis(2).

Os registros destas atividades são elementos imprescindíveis no processo de atenção à saúde. A documentação da assistência e dos seus resultados, por meio de registros escritos, constitui efetivo instrumento de comunicação para o (re) planejamento, continuidade e avaliação dos serviços prestados aos clientes. Além disso, serve de fonte de informações para questões jurídicas, de pesquisas, de educação e outras atividades relacionadas(4). Assim, o registro correto e completo das informações, além do diálogo com a família sobre as anotações realizadas, são requisitos básicos para que o prontuário cumpra seu papel de instrumento de comunicação, vigilância e promoção da saúde infantil(5).

Diante do exposto, definiu-se como objetivo do estudo: investigar, a partir de registros de prontuários, como a puericultura é realizada pelas equipes da ESF atuantes em uma UBS no município de Maringá, Paraná, e identificar quais atividades são realizadas rotineiramente pelos profissionais na puericultura.

 

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa descritiva, de natureza quantitativa, realizada em uma UBS de Maringá, quese localiza na região noroeste do Estado do Paraná e possui uma população de 349.860 habitantes. Na área da saúde, conta com quinze hospitais, totalizando 1.161 leitos, sendo 681 deles conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) Conta também com quatro Pronto Atendimentos, sendo dois públicos, 27 UBS e 68 equipes de ESF com cobertura de 89,2% da população(6).

A UBS em estudo possui sete equipes da ESF, com 9.871 famílias cadastradas e a população estimada da área de abrangência é de 31.194 pessoas. O tamanho da amostra a ser estudada foi calculado com base no número total de crianças nascidas no município, no período de julho de 2008 a janeiro de 2010, e residentes na área das equipes de ESF da UBS. Foi considerado um erro de estimativa de 5%,  intervalo de confiança de 95% e mais 10% para possíveis perdas. Deste modo, o total de participantes no estudo foi de 181 crianças. A coleta dos dados ocorreu em janeiro de 2011, quando todas as crianças incluídas na pesquisa possuíam, pelo menos, um ano de vida completo.

A estratificação proporcional foi usada para definir o número de crianças de cada equipe que deveriam ser incluídas no estudo. Esta operação foi realizada com o intuito de se dividir homogeneamente os participantes da pesquisa. Depois disso, cada uma das equipes foi convidada a fornecer uma lista com todas as crianças cadastradas para que fossem selecionadas aleatoriamente.

Os dados referentes ao primeiro ano de vida das crianças foram coletados diretamente de seus prontuários e registrados em uma planilha construída especificamente para o estudo, tendo como base as principais responsabilidades que devem ser executadas pela ESF, segundo a Norma Operacional Básica da Assistência à Saúde (NOAS 01)(2).

No prontuário, as informações de interesse referiam-se basicamente à anamnese e ao exame físico da criança, que incluía o histórico familiar e obstétrico materno; a avaliação do desenvolvimento e crescimento infantil; a situação vacinal; o diagnóstico de doenças; as características do aleitamento materno no primeiro ano de vida; e as orientações fornecidas à mãe. Também foi levantado o número e tipo de atendimentos oferecidos  às crianças ao longo do primeiro ano de vida e a existência ou não do registro de sua idade e dados antropométricos (peso, estatura e perímetros cefálicos, torácicos e abdominais) em cada atendimento da equipe de saúde. Registrou-se ainda o perfil familiar com o intuito de se verificar o meio sócio-familiar em que a criança estava inserida. Todas as informações coletadas do prontuário referiam-se exclusivamente ao primeiro ano de vida da criança. Os atendimentos considerados no estudo foram de dois tipos: puericultura (realizada pelo médico ou enfermeiro) e consulta médica.

O desenvolvimento do estudo ocorreu em conformidade com o preconizado pela resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e o projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humano da Universidade Estadual de Maringá (Parecer nº 545/2010). Por se tratar de pesquisa realizada a partir da consulta de documentos, foi solicitada dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

RESULTADOS

A idade das crianças em estudo variou de 12 a 30 meses completos, com leve predominância do sexo feminino (50,2%). Constatou-se deficiência importante nos registros referentes às variáveis da anamnese, conforme observado na tabela 01.

Tabela 01: Distribuição dos registros de avaliação anamnésica em prontuários de crianças em Maringá-PR, de junho de 2008 a janeiro de 2010.

 

           Registro em prontuário

 

 

Dados da anamnese

        Sim

           Não

        Total

 

 N

  %

  N

  %

  N

  %

Realização de pré-natal

49

27,1

132

72,9

181

100

Intercorrências na gestação

18   

9,9

163

90,1

181

100

Idade gestacional

44

24,4

137

75,6

181

100

DST materna

12

6,6

169

93,4

181

100

Tipo de parto

74

40,8

107

59,2

181

100

Parto hospitalar

15

8,3

166

91,7

181

100

Teste do pezinho

17   

9,3

164

90,7

181

100

Outros exames da criança

102

56,3

79

43,7

181

100

Presença de anomalias

01

0,5

180

99,5

181

100

Em relação à imunização da criança no primeiro ano de vida, constatou-se que, de uma forma geral, apenas em pouco mais da metade dos prontuários havia registro das doses de vacina que a criança havia recebido. (Quadro 01).

Vacina

Dose única

1ª Dose

2ª Dose

3ª Dose

 

N

%

N

%

N

%

N

%

BCG

106

58,5

_

_

_

_

_

_

Hepatite B

_

_

22

12,1

106

58,5

99

54,6

Tetravalente

_

_

105

58,0

103

56,9

93

51,3

Antipólio oral

_

_

112

61,7

100

55,2

90

49,7

Rotavírus

_

_

96

53,0

91

50,2

_

_

Febre Amarela

91

50,2

_

_

_

_

_

_

Tríplice viral

82

45,3

_

_

_

_

_

_

Quadro 01: Cobertura vacinal, registrada em prontuários, no primeiro ano de vida de crianças acompanhadas por uma UBS de Maringá, PR, de junho de 2008 a janeiro de 2010.

No que se refere ao atendimento da criança, verificou-se que ocorreram 112 consultas no primeiro mês de vida. Destas, 94 (83,9%) foram realizadas pelo médico, sendo que 35 (37,3%) corresponderam a consulta médica procurada em decorrência de algum problema de saúde e os demais (59 – 62,7%) corresponderam a atendimento de puericultura. Por sua vez, o atendimento de puericultura, que é agendado e aprazado, foi realizado em 77 (42,5%) crianças no primeiro mês de vida, sendo que 59 casos (76,6%) foram assistidos   pelo médico e apenas 18 crianças (23,4%), pelo enfermeiro. (Tabela 02).

Contudo, ocorreuinversão da situação nos meses subsequentes, pois o enfermeiro passou a realizar um maior número de consultas de puericultura. Constata-se, ainda, que, principalmente após os seis meses, houve uma diminuição marcante no número de atendimentos de puericultura, tornando cada vez mais frequentes os atendimentos do tipo consulta médica motivada por problemas de saúde.

Tabela 02: Distribuição dos registros de atendimentos realizados no primeiro ano de vida, segundo profissionais de saúde responsável. Maringá-PR, de junho de 2008 a janeiro de 2010.

 

Período

Puericultura

 

Consulta Médica

Total de atendimentos

Médico

     Enfermeiro

N

%

N

%

N

%

N

%

1º mês

59

52,7

18

16,0

35

31,3

112

100

2º mês

19

27,5

18

26,1

32

46,4

69

100

3º mês

10

20,0

14

28,0

26

52,0

50

100

4º mês

12

26,1

15

32,6

19

41,3

46

100

5º mês

07

17,5

12

30,0

21

52,5

40

100

6º mês

07

17,5

10

25,0

23

57,5

40

100

9º mês

04

4,8

27

32,6

52

62,6

83

100

12º mês

03

3,6

17

20,2

64

76,2

84

100

Total

121

20,3

131

22,0

272

45,7

524

100

Considerando apenas o total de consultas de puericultura realizadas, verificou-se que o enfermeiro foi responsável por 51,9% dos atendimentos. Entretanto, segundo o total de registros nos prontuários, foram realizados apenas 252 atendimentos de puericultura para 181 crianças. Isto significa que não chegaram a ser realizados nem dois atendimentos por criança durante o primeiro ano de vida.
Observou-se também um número reduzido de anotação nos prontuários em relação à nutrição da criança  durante os seis primeiros meses de vida. Dos dados disponíveis, percebe-se um predomínio do aleitamento materno exclusivo, em relação aos outros tipos de aleitamento (Tabela 03).

Tabela 03 – Tipo de aleitamento materno nos seis primeiros meses de vida de crianças acompanhadas na puericultura em uma UBS de Maringá-PR, de junho de 2008 a janeiro de 2010.

Tipo de aleitamento

1º mês

2º mês

3º mês

4º mês

5º mês

6º mês

N

%

N

%

N

%

N

%

N

%

N

%

AME*

53

29,3

28

15,5

11

6,1

16

8,9

08

4,4

01

0,5

AMP**

08

4,4

03

1,6

07

3,9

08

4,4

06

3,4

12

6,7

Sem AM***

05

2,7

03

1,6

03

1,6

03

1,6

03

1,6

01

0,5

Sem registro

115

63,6

147

81,3

160

88,4

154

85,1

164

90,6

167

92,3

Total

181

100

181

100

181

100

181

100

181

100

181

100

*Aleitamento Materno Exclusivo; **Aleitamento Materno Predominante; ***Aleitamento Materno.

Informações referentes à introdução de alimentos sólidos só foram identificadas em 46 (25,4%) prontuários , nos quais foi encontrado que em uma das crianças (0,5%) ocorreu a introdução deste tipo de alimento aos quatro meses de vida; em sete, (3,8%) aos cinco meses de vida; e em outras 11 crianças (6,0%), aos seis meses de vida.

Em relação à avaliação nutricional no decorrer do primeiro ano de vida, apenas 115 (63,5%) prontuários apresentavam registro deste parâmetro. Os dados disponíveis revelaram maior proporção de crianças com o peso adequado para a idade, pois 98 crianças (85,2%) estavam com seus percentis na faixa de normalidade da curva de crescimento. Em onze prontuários foi encontrado registro de avaliação de risco nutricional, sendo que nove crianças (7,8%) apresentavam baixo peso para a idade e duas, para sobrepeso. As crianças que apresentaram baixo peso eram as prematuras ou as que, a partir do sexto mês, tiveram dificuldades para se adaptar à nova alimentação.

No que tange as medidas antropométricas, observou-se que em 100% dos prontuários havia registros de peso e estatura no primeiro atendimento; todavia, houve queda nos registros dos perímetros cefálicos, torácicos e circunferência abdominal, com valores respectivos de 113 anotações (62,3%), 58 anotações (32,0%) e 44 anotações (24,3%).

Os dados antropométricos foram registrados principalmente nos primeiros seis meses de vida e, após este período, prevaleceram registro apenas do peso e da estatura. A circunferência abdominal apresentou anotação em todos os meses, sendo que apenas ocorreram índices decrescentes em crianças próximas de um ano quando apresentavam fatores de risco de sobrepeso.

A avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) foi registrada em 87 prontuários (48%), com maior prevalência, no primeiro mês de vida, em 42 prontuários (23,2%),  e no segundo, em 16 (8,8%).

As informações referentes às intercorrências na saúde durante o primeiro ano de vida evidenciaram maior proporção para as Infecções das Vias Aéreas Superiores (IVAS), com 71 registros em prontuários (39,2%), sendo que quatro crianças (5,6%) desenvolveram pneumonia. As demais intercorrências foram bronquiolite, com nove casos (4,9%); sopro cardíaco e anemia, com cinco casos cada (2,7%); e refluxo gastroesofágico, cólicas abdominais e fimose, com dois casos cada (2,2%). Apesar do elevado número de intercorrências à saúde registradas, apenas oito prontuários (4,4%) continham anotações sobre hospitalização, sendo o motivo da internação registrado somente em um prontuário (0,5%).

Outro achado importante foi a ausência de registro nos prontuários sobre o perfil sócio-demográfico da família como, por exemplo, anotações sobre escolaridade materna, renda familiar ou número de pessoas morando no mesmo domicílio.

 

DISCUSSÃO

O número de prontuários com registros incompletos e mesmo ausentes em relação a diversos fatores pode ser considerado elevado. Em muitos casos, não havia registro de informações substanciais para a continuidade da assistência por outros profissionais da equipe de saúde como, por exemplo, intercorrências na gestação, presença de Doença Sexualmente Transmissível (DST) na mãe e a presença de anomalias congênitas na criança.

Alguns autores sugerem ainda que a assistência pré-natal deve ser registrada tanto no prontuário e no cartão da gestante, como no prontuário do infante, com o objetivo de permitir o acompanhamento sistemático da mulher e de seu filho posteriormente, pois subsidia a atuação dos diferentes profissionais envolvidos na assistência(7).

Cabe salientar que a realização do Teste do Pezinho e outros testes, como o da orelhinha e do olhinho, que são preconizados pelo Ministério da Saúde, deve ser anotada mesmo em caso de resultados normais, para que sua realização fique confirmada.

Poucos foram os registros em prontuário do estado vacinal das crianças em estudo, porém os dados sobre cobertura vacinal no país, em 2006, indicam, com poucas exceções na região norte, uma cobertura vacinal excelente em todas as unidades federativas, com frequentes índices de 100% de vacinados(8). Em Maringá, em 2008, de acordo com o Caderno de Atenção Básica, 98,1% das crianças estavam com o esquema vacinal básico em dia e, em 2009, ocorreu uma ligeira queda, visto que 97,9% das crianças estavam com o esquema vacinal em dia(6). O conhecimento preciso da cobertura vacinal em menores de um ano é um dos elementos necessários para o programa de vigilância epidemiológica, na medida em que permite visualizar o aumento do número de indivíduos susceptíveis na população, bem como acompanhar até que ponto a imunidade em massa está constituindo barreira efetiva para a interrupção da transmissão das doenças imunopreviníveis(9).

Portanto, os resultados deste estudo denotam um sub-registro de informações sobre o estado vacinal das crianças pesquisadas. Além disso, os dados também apontam que o acompanhamento da imunização está sendo realizado de forma parcial, uma vez que, quando realizam a puericultura, os profissionais de saúde não estão dando a devida importância para a atualização do calendário básico de vacinação no prontuário das crianças.

Isto, por sua vez, constitui um reflexo da fragmentação da assistência, pois o prontuário deveria reunir todas as informações referentes à saúde/doença da criança, permitindo assim o acompanhamento integral da mesma.
O reduzido número de atendimentos de puericultura (17,4%) é alarmante. Esse dado revela, de forma geral, que não chegaram a ser realizados nem dois atendimentos por criança durante o primeiro ano de vida, enquanto que, documentos oficiais reiteram a necessidade de serem realizadas neste período, no mínimo, oito consultas de puericultura(2).

O número de consultas de puericultura realizadas para as 181 crianças em estudo vai na contramão da proposta atual da atenção básica de promoção da saúde. Com a diminuição marcante no número de atendimentos de puericultura, principalmente após os seis meses, tornou-se cada vez mais frequentes os atendimentos por meio da consulta médica, fato este provavelmente relacionado ao término da licença maternidade e retorno das mães às atividades empregatícias. Daí a importância dos profissionais de saúde, em especial o enfermeiro, para sensibilizar a família sobre a relevância da puericultura e estabelecer vínculo nos primeiros meses de vida da criança, de forma que, na impossibilidade da mãe levá-la, outros membros familiares sejam encarregados desta função. O acolhimento e a formação do vínculo constituem competências necessárias para o processo de fortalecimento do trabalho da atenção básica(10), principalmente na atenção à saúde da criança.

Nesta perspectiva, um estudo realizado em Juiz de Fora, MG, que objetivou compreender a percepção do enfermeiro sobre a consulta de enfermagem na atenção básica, constatou que esta atividade é reconhecida pelo profissional como uma forma de estabelecer aproximação com o usuário para reconhecer as suas necessidades em saúde o que, se executado em condições favoráveis, promove a elaboração de intervenções efetivas que atendam as necessidades da população, respeitando-se os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS)(11).

As orientações para as ações dos profissionais que lidam com a criança na atenção primária estão disponíveis na Agenda de Compromissos com a Saúde Integral da Criança e Redução da Mortalidade Infantil(2), que preconiza um calendário mínimo de acompanhamento da saúde da criança, envolvendo uma equipe multiprofissional composta por agentes comunitários de saúde, técnicos e auxiliares em enfermagem, enfermeiros, pediatras e médicos de família, cujas ações podem ser de caráter individual ou coletivo. Por sua vez, como verificado no presente estudo, apenas médicos e enfermeiros realizavam o acompanhamento de puericultura.

Conforme demonstrado em um estudo realizado em Belo Horizonte (MG)(5), o acompanhamento da criança em UBS é realizado, na maioria das vezes, por um único profissional: ou pelo médico pediatra ou generalista (61,0%), ou pelo enfermeiro (32,0%), uma vez que estes são os profissionais mais capacitados, habilitados e instrumentalizados para oferecer uma assistência integral à saúde da criança. Porém os outros profissionais de saúde que integram a equipe devem ser inseridos neste cuidado, na perspectiva de atendimento multidisciplinar e integral à saúde, devendo os profissionais da ESF articular os seus saberes com os aspectos singulares dos usuários(10).

Na enfermagem, o que dificulta a realização de registros completos e frequentes, na maioria dos casos, é o baixo nível socioeducacional de alguns profissionais, mormente os de nível técnico; a complexidade da linguagem; o número reduzido de trabalhadores na equipe; a alta demanda por serviços; a pouca valorização da profissão e os escassos investimentos em processos de treinamento/educação(4). Apesar disso, considerando-se que o registro escrito é a prova mais concreta e permanente da atuação profissional e da qualidade do cuidado, ela deve estar sempre em pauta nos assuntos discutidos nas instituições de saúde(4).


Um estudo realizado em Belo Horizonte (MG) demonstrou também um baixo índice de anotação nos prontuários de crianças que faziam acompanhamento de puericultura em UBS, sobretudo em relação à  forma de aleitamento, com 58,0% de registros(5) índice mais alto que os 36,4% encontrados nesta pesquisa. O AME até os seis meses de idade foi registrado em apenas um (0,5%) prontuário, resultado abaixo do encontrado em um estudo realizado na cidade de Campo Mourão (PR)(12), e outro na cidade de Pelotas (RS)(13), nos quais os registros revelaram uma prevalência de AME aos seis meses de 34,0% e 35,0%, respectivamente.

Por sua vez, o percentual de mais de 60% dos prontuários contendo registro de avaliações nutricionais chama a atenção. Isto se justifica pelo fato das crianças estarem incluídas no Programa do Leite e Programa Bolsa Família e a anotação destas avaliações constitui uma exigência para o recebimento do benefício.

A vigilância alimentar e a avaliação nutricional constituem métodos de fácil aplicação e são eficazes no diagnóstico coletivo das condições de nutrição da população local, subsidiando, portanto, as ações de promoção de uma alimentação saudável(2). Contudo, o fato dessas pessoas estarem incluídas nos programas governamentais leva a pressuposição de que se trata de um grupo de grande vulnerabilidade social, havendo assim a necessidade de monitorar a situação alimentar e nutricional a fim de identificar precocemente o risco nutricional para a consequente tomada de decisão(1). Isto também deve  acarretar uma maior preocupação com o acompanhamento da condição geral de saúde destas crianças.

Um estudo realizado em Belo Horizonte (MG) revelou que o perímetro cefálico foi marcado no gráfico em apenas 30,7% dos prontuários(5), demonstrando, assim como no presente estudo, que o peso e a estatura são as medidas antropométricas que tem prioridade de registro. Porém, é incumbência do enfermeiro sempre avaliar e registrar os dados antropométricos na puericultura, pois sua determinação no exame físico possibilita a avaliação do crescimento corporal da criança e do seu estado nutricional (desnutrição, obesidade, eutrofia), bem como o fornecimento de indícios clínicos que auxiliam no diagnóstico de determinadas patologias(1).

Notou-se também um maior cuidado na avaliação do DNPM somente nos dois primeiros meses de vida. É provável que esta avaliação seja realizada durante os atendimentos, mas não registrada nos prontuários. Um estudo transversal realizado em Belo Horizonte com 355 crianças acompanhadas pelo SUS revelou que apenas 18,9% das avaliações de DNPM eram registradas em prontuários(5). Outros autores têm chamado a atenção para a necessidade de se valorizar mais efetivamente a avaliação do DNPM. Em Belém (PA), por exemplo, um estudo com profissionais que atuam na atenção básica mostrou que cerca de 70,0% deles realizavam avaliação rotineira do DNPM, mas apenas 32,0% utilizavam algum instrumento para sistematizar o atendimento(14).Em Feira de Santana (BA), evidenciou-se que menos de 8% de 2.190 crianças tinham os registros de DNPM completos nos prontuários(15). O enfermeiro deve atentar para que a equipe de saúde registre corretamente a avaliação do DNPM nos prontuários, com vistas ao acompanhamento multidisciplinar das crianças.

Em relação às intercorrências que acometeram as crianças no primeiro ano de vida, verificou-se que as IVAS foram as mais frequentes, sendo estas, em muitos lugares, as principais causas de adoecimento de crianças e de demanda aos serviços de saúde(16). No entanto, as hospitalizações estavam subnotificadas, pois, segundo dados do Ministério da Saúde, no período de janeiro a dezembro de 2010, houve 1103 hospitalizações em menores de um ano na cidade de Maringá, com uma prevalência de 26,0%(6).

Esta realidade de registros incompletos também foi encontrada em uma pesquisa sobre a qualidade das anotações de 130 prontuários de um hospital universitário, tendo sido identificado que os registros, apesar de adequados quanto à forma e a legibilidade, revelaram-se incompletos e fragmentados em relação aos conteúdos analisados(4).

Entre os riscos para a saúde da criança, a baixa escolaridade materna é um fator frequentemente associado(5); entretanto, em nenhum prontuário o perfil da família estava registrado, o que seria fundamental para um acompanhamento baseado na proposta da ESF, que busca incorporar o contexto social e cultural no qual vive o indivíduo.


O trabalho com crianças impõe algumas dificuldades, sendo a família uma delas; pois não existe trabalho com a criança sozinha. O enfermeiro que atua na puericultura deve ter essa compreensão, buscando criar vínculos para um atendimento contínuo e eficaz, realizando assim a prevenção e promoção da saúde. A Atenção Primária deve reconhecer a grande variedade de necessidades relacionadas à saúde do paciente e disponibilizar os recursos para abordá-las,enfatizando as intervenções preventivas e de promoção da saúde.

Assim, a puericultura surge como uma ferramenta oportuna no acompanhamento integral do crescimento e desenvolvimento infantil, voltando-se para os aspectos de prevenção e promoção da saúde a fim de garantir que a criança atinja sua vida adulta sem influências desfavoráveis trazidas da infância(1).

 

CONCLUSÃO

A puericultura na atenção primária deve ser realizada em todas as crianças da área adscrita da UBS, principalmente o acompanhamento no primeiro ano de vida, por todos os profissionais da equipe de saúde, com o objetivo de diagnosticar precocemente patologias e assim  promover  saúde e prevenir  agravos. Todavia, foi verificado que apenas 17,4% das consultas de puericultura que deveriam ser realizadas no primeiro ano de vida foram registradas nos prontuários das crianças. Este fato nos leva a inferir que, ou a puericultura não está alcançando todas as crianças da área de abrangência da UBS, ou  ela é realizada, mas não registrada, o que dificulta a continuidade da assistência, bem como a captação de dados para subsidiar o planejamento de ações a serem desenvolvidas junto à população.

De todas as crianças que foram acompanhadas pela puericultura, verificou-se que o enfermeiro foi responsável por mais da metade dos atendimentos, demonstrando a importância deste profissional no acompanhamento da atenção básica à saúde das crianças, desde que realize uma assistência sistematizada e com qualidade. No entanto, um aspecto preocupante foi o fato dos registros, independente do profissional que os realizaram, apresentaram-se inadequados pela desconexão, fragmentação ou ausência de informações. A equipe de saúde precisa ser sensibilizada sobre a importância do registro em prontuário e, a partir daí, organizar a demanda e planejar a assistência, de modo a permitir o completo preenchimento do mesmo.

Acredita-se que a implementação de uma ficha padrão para o registro das consultas de puericultura possa minimizar a subnotificação das atividades desenvolvidas no acompanhamento da criança, por facilitar e sistematizar a anotação.

Vale ressaltar que o profissional enfermeiro pode optar por ter uma atuação que negue ou reforce o modelo biologicista de assistência à saúde ao valorizar ou não atividades e ações voltadas para a promoção da saúde e prevenção de doenças, como é o caso da puericultura. É importante reiterar ainda que a criança encontra-se em uma unidade familiar, portanto atender à família e às relações que a movem torna-se imprescindível como agente qualificador da assistência.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 05/12/2011
Aprovado: 19/07/2012