ARTIGO ORIGINAL
A necessidade de tornar-se cuidador familiar: Teoria fundamentada em dados
Raquel Silva de Paiva1; Glaucia Valente Valadares1; Juliana Silva Pontes1
1Universidade Federal do Rio de Janeiro
RESUMO
Objetivo: discutir a relação da família com a alta hospitalar no que tange as manifestações, as atitudes, os sentimentos e as práticas.
Método: Grounded Theory ou Teoria Fundamentada nos Dados, com entrevista semiestruturada e observação participante assistemática. O cenário foi um hospital público do município do Rio de Janeiro. Participaram nove familiares que assumirão o cuidado do ente com sequelas do Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Resultados: emergiram as categorias “Deparando-se com o imprevisto”; “Reconhecendo a necessidade de cuidar após a alta hospitalar” e “Percebendo a sua importância na recuperação do familiar”.
Discussão: os dados apontam para a compreensão do familiar considerando a necessidade de cuidar do ente acometido pelo AVC, destacando a dualidade evidenciada nesta vivência.
Conclusão: o impacto, provocado pelo AVC, e a necessidade de assumir o cuidado no domicílio evidencia a subjetividade e a importância da troca de saberes, sendo imprescindível respeitar as expectativas e as significações de cada cuidador familar.
Palavras-chave: Enfermagem Familiar, Alta do Cliente, Acidente Vascular Cerebral, Cuidados de Enfermagem.
INTRODUÇÃO
As doenças cerebrovasculares, com destaque para o acidente vascular cerebral (AVC), são a segunda causa de morte no mundo e a primeira causa de incapacidade funcional entre adultos. Cinco milhões de pessoas morrem, a cada ano, por causa de acidentes cardiovasculares e, dos indivíduos que sobrevivem ao evento, 33% a 50% ficam com sequelas graves e a reabilitação pode durar meses ou anos. Destes sobreviventes, 10% apresentam risco para desenvolver um acidente vascular cerebral recorrente, no primeiro ano após o evento(1).
Considerando o aumento da incidência dos fatores de risco na vida da população brasileira neste início de século XXI, as doenças cardiovasculares representam 32,2% das mortes no Brasil, sendo o AVC a principal causa dentre todas as doenças do aparelho cardiovascular(2). A incidência do acidente vascular cerebral é maior após os 65 anos de idade e, considerando o rápido e intenso envelhecimento da população brasileira, estima-se que este evento seja, cada vez mais, um relevante problema de saúde pública.
Por ser uma doença de início agudo e curso crônico, o AVC apresenta consequências intermediárias as quais demandam ajustamento do cliente, família e serviços de profissionais de saúde que atendem esta clientela. Assim, é importante que todos estejam amparados nesses momentos de crise, dúvidas e incertezas, sendo imprescindível pensar nas necessidades e desejos de cliente e familiares objetivando prepará-los para o cuidado no domicílio.
Considerando os déficits funcional e cognitivo, além da mudança de personalidade, comportamento e dificuldade para comunicação, apresentados pela vítima do acidente vascular cerebral, os graus de incapacidade tendem a comprometer família e sociedade, determinando os níveis de dependência por assistência e, consequentemente, tornam-se um desafio ao cuidado.
Cabe destacar que os indivíduos acometidos pelo acidente vascular cerebral seguem, normalmente, uma rotina de intervenção e tratamento que varia desde a cirurgia, ao tratamento clínico e, por fim, a reabilitação.
Deste modo, é importante que, desde o primeiro dia de hospitalização, cliente e família tenham acesso às informações que contribuirão para o desenvolvimento de suas habilidades e capacidades no pós-alta hospitalar. Isto requer que a enfermagem promova educação e saúde ao longo do período de hospitalização, pautada na certeza de que a família é uma importante fonte de apoio e bem-estar para o cliente adoecido.
Preparar cliente e familiares para a alta, ao longo do período de hospitalização, reduz as expectativas no cuidado domiciliar. Sobre este assunto o enfermeiro é o profissional responsável por estabelecer o elo entre os demais profissionais, visando proporcionar bem-estar e recursos necessários para garantir a segurança do cuidado após a alta hospitalar.
A alta hospitalar deve ser planejada com base na realidade e nas necessidades de cada indivíduo, utilizando o plano da alta hospitalar (PAH), que consiste em uma forma organizada de exprimir as atividades determinadas pelas condições específicas de cada cliente(3).
Entretanto, a política de alta, cada vez mais precoce, adotada por instituições hospitalares, impõe um constante desafio aos enfermeiros que precisam preparar cliente e familiares na reorganização da vida, em seus lares, de modo a assumir os cuidados em um curto intervalo de tempo, detectando, prevenindo e controlando situações que possam ocorrer(4).
No que diz respeito ao ensino e aprendizagem, o cliente deve, junto ao profissional, avaliar constantemente o seu progresso. Quando o indivíduo apresenta sequelas que limitarão suas atividades, muito comuns em clientes que sofrem o acidente vascular cerebral, a família deve ser orientada sobre essas limitações e observar as evoluções do seu familiar durante todo o momento da hospitalização para tornar-se apta a dar continuidade à assistência no domicílio.
Ao pensar no tratamento domiciliar há a necessidade de entender qual o valor que a família dá a esta nova vivência – cuidar de um ente com sequelas, além de considerar todas as possíveis dificuldades que serão enfrentadas. Cabe lembrar que o despreparo pode gerar sérios prejuízos ao cliente, resultando, inclusive, em recorrentes hospitalizações.
É preciso pensar que uma doença crônica tende a modificar completamente o cotidiano das famílias. Assumir o papel de cuidador familiar gera sobrecarga, que se reflete em prejuízos na saúde física e mental deste cuidador, ao longo do processo de reabilitação do familiar dependente. Diante disto, é imprescindível que a enfermagem compreenda como o familiar define a situação de cuidar do sujeito acometido por sequelas do AVC.
Sendo assim, o estudo justifica-se, principalmente, pela relevância social ao consideramos as particularidades e as complexidades do fenômeno em questão. O aumento da população maior de 65 anos de idade no Brasil, o aumento da incidência de doenças cerebrovasculares nesta faixa etária, a política de alta prematura adotada pelas instituições de saúde dentre outros fatores, são aspectos que exigem ações urgentes para melhor preparar clientes e familiares que assumirão o cuidado no domicílio.
Considerando o significado da alta hospitalar para a família do cliente com sequelas do AVC como objeto de estudo e a partir das inquietações originárias das reflexões acima expostas, a pesquisa tem por objetivo discutir a relação da família com a alta hospitalar no que tange as manifestações, as atitudes, os sentimentos e as práticas.
Cuidar de um familiar adoecido é uma incumbência complexa e única na vida de cada pessoa. Compreendendo que tal singularidade gera distintas formas de entender e assumir o cuidado foi adotado, com o propósito de subsidiar o estudo em tela, o Interacionismo Simbólico (IS)(5) como referencial teórico, pois este facilita o entendimento do fenômeno e valoriza o significado que o ser humano atribui às suas vivências.
O ser humano planeja e dirige suas ações em relação ao outro a partir da concessão de significado aos objetos que ele utiliza para realizar seus planos(5). Vivemos em um mundo simbólico onde o indivíduo constrói símbolos e designa significados a partir dos valores adquiridos ao longo da vida. A experiência de ter um ente acometido por sequelas do AVC e a realidade de assumir o cuidado do mesmo são vivências que se alicerçam na percepção de mundo. Deste modo, as ações são dirigidas de acordo com o significado que a situação tem para cada unidade de ação (indivíduo, família e instituição).
MÉTODO
O Interacionismo Simbólico favorece a opção por abordagens metodológicas qualitativas que possibilitam a produção do conhecimento baseado na realidade prática. Sendo assim, optou-se pela abordagem qualitativa, tendo como método a Grounded Theory ou Teoria Fundamentada nos Dados (TFD)(6), que permite entender com profundidade, por meio de uma análise sistemática, os processos nos quais estão acontecendo os fenômenos.
Caracteriza-se por ser um método de campo cujo objetivo é gerar construtos teóricos que explicam a ação contextualizada socialmente. Assim, a teoria originada a partir da adoção dos elementos da TFD é derivada dos dados obtidos, reunidos, analisados e comparados através de um processo complexo de análise e interpretação(6).
Considerando que as associações entre categorias podem ser muito sutis e implícitas e, na intenção de aprofundar a Teoria, os estudiosos do método consideram útil a adoção de um modelo paradigmático. Trata-se de um esquema organizacional utilizado para classificar e organizar as conexões teóricas emergentes, apresentando os seguintes componentes básicos: condições causais, contexto, condições intervenientes, estratégias de ação-interação e, por fim, as consequências(6).
Cabe ressaltar que neste momento, nos deteremos à discussão das condições causais do fenômeno, ou seja, os eventos ou incidentes que levam à ocorrência ou desenvolvimento de um fenômeno.
No que se refere à coleta de dados, os procedimentos seguiram os preceitos da Resolução n° 196/96 do Ministério da Saúde, que trata de pesquisas envolvendo seres humanos. Sendo assim, foi solicitada autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civíl do município do Rio de Janeiro, que aprovou o estudo de acordo com o Parecer n°90A/2011.
A obtenção de dados ocorreu por meio da entrevista semiestruturada em profundidade e da observação participante assistemática. As entrevistas individuais foram realizadas conforme a disponibilidade dos familiares. Deste modo, ocorreram em dias e horários agendados, após a visita hospitalar, em local reservado fora da enfermaria, permitindo que os entrevistados expressassem as suas percepções.
No que diz respeito à observação participante, esta foi realizada durante a visita hospitalar por ser este um momento oportuno para observar a relação da equipe de saúde com os familiares e dos familiares com os clientes hospitalizados. A observação ocorreu em dois dias, antes e após a entrevista semiestruturada, com a finalidade de complementar os dados obtidos e verificar a necessidade de realizar novas perguntas após a observação.
Os atores sociais foram familiares de clientes hospitalizados, vítimas de um primeiro episódio do acidente vascular cerebral, apresentando incapacidade moderada ou grave, em uma instituição de saúde referência em neurologia. A escolha desses clientes deveu-se à necessidade da família estar vivenciando essa experiência pela primeira vez.
Participaram dos estudo familiares maiores de dezoito anos de idade, de ambos os sexos, que se identificaram como cuidadores familiares que assumiriam a responsabilidade principal e não remunerada de cuidado do ente com sequelas do AVC, após a alta hospitalar. Não fizeram parte do estudo clientes em tratamento psiquiátrico ou com outro distúrbio neurológico que, além do cuidado voltado para as sequelas do AVC, necessitavam de outros cuidados. A coleta de dados foi realizada entre os meses de maio e julho de 2011.
Para melhor compreensão dos dados foi elaborado um diagrama (Figura 1). Configura-se em um mecanismo visual, desenvolvido com a intenção de visualizar e melhor compreender o fenômeno e sua relação com as categorias e subcategorias que o compõe.
RESULTADOS
Seguindo os preceitos da TFD, adotou-se a amostragem teórica como procedimento para obtenção de dados, cuja característica é o caráter contínuo onde os dados começam a se repetir até que se chegue à saturação teórica, ou seja, quando a coleta de dados já não tem como resultado novas informações(6).
Neste sentido, a amostra do estudo foi composta por nove propensos cuidadores familiares. Cabe mencionar que o número de familiares entrevistados foi configurado a partir da análise das entrevistas e das observações realizadas. A produção de dados indicou a necessidade de novas coletas com a finalidade de melhor delinear as categorias(6).
O perfil dos entrevistados inclui seis familiares do sexo feminino e três do sexo masculino. A fim de assegurar o anonimato dos participantes foi utilizada a letra “E” e o número correspondente à fala, identificados no estudo como [ E1 ], [ E2 ] e, assim por diante.
No que se refere ao grau de parentesco com o indivíduo hospitalizado seis eram filhos/filhas, dois eram cônjuges e uma era irmã, com idades entre 29 e 61 anos. Em relação ao tempo de internação, este variou entre um mês e cinco meses, destacando que a coleta de dados deu-se na proximidade da alta hospitalar.
No processo de análise relacionado às condições causais, emergiu o fenômeno “Compreendendo o cuidar do familiar com sequelas do acidente vascular cerebral como um advento simbolicamente necessário: ter versus desejar”, alicerçado pelas categorias: “Deparando-se com o imprevisto”; “Reconhecendo a necessidade de cuidar após a alta hospitalar” e “Percebendo a sua importância na recuperação do familiar”.
Deparando-se com o imprevisto – ressalta o caráter inesperado do evento. Nos relatos é possível perceber que, mesmo o indivíduo apresentando alguns fatores de risco, a família não pensava na possibilidade do acidente vascular cerebral acontecer.
A gente nunca acha que isso vai acontecer. Ela cuidava da saúde, tomava os remédios da hipertensão e tratava do diabetes. Só não deixava de fumar. [ E3 ]
Diante de tal imprevisibilidade os familiares relatam o quanto foi assustador receber a notícia.
No dia em que eu fiquei sabendo que ele teve um AVC eu fiquei em choque. Não sabia o que pensar, nem o que fazer. Fiquei imaginando como seria a vida dele e a nossa também, agora que muita coisa vai mudar. [ E5 ]
Ao receber a notícia a pessoa traz à mente todo conhecimento que tem sobre a doença (resgate de símbolos), pensa na gravidade da situação (significa a partir da relação com os símbolos) e é tomada por pensamentos ruins ou negativos. O indivíduo demonstra em seu discurso uma forte preocupação com a presença das sequelas atuais.
Receber a notícia foi muito ruim. Muita coisa passou pela minha cabeça. Muita coisa ruim. [ E2 ]
Considerando que o AVC é comum na população brasileira e que suas sequelas são de fácil percepção pelo senso comum, ao receber a notícia de que o familiar foi acometido o indivíduo traz à memória as limitações decorrentes do AVC. Cabe salientar que, mesmo antes de obter a confirmação do diagnóstico, entende a gravidade da situação e, na maioria das vezes, é tomado por sentimentos angustiantes.
Reconhecendo a necessidade de cuidar após a alta hospitalar - passado o susto inicial da confirmação do dignóstico, o familiar percebe a ampla variedade de limitações impostas e passa a ter noção da magnitude do evento.
Depois da alta vamos continuar cuidando dele em casa, ajudando a ficar como era antes, ou ficar da melhor maneira possível. Pelo que sei, vamos ter mesmo que tratar dessas sequelas. [ E5 ]
A continuidade do tratamento após a alta hospitalar é um elemento fundamental na recuperação do cliente vítima do AVC, podendo ser bastante prolongado. Quando o diagnóstico é confirmado e são apresentadas as sequelas limitantes, os familiares reconhecem que, após a alta hospitalar, será necessário dedicar-se ao cuidado no ambiente domiciliar.
O médico falou que o tratamento do AVC é bem longo e que meu marido vai precisar fazer fisioterapia e outras atividades para recuperar os movimentos [ ... ] quando ele tiver alta algumas coisas que são feitas aqui serão feitas em casa. [ E4 ]
É comum, diante do impacto causado pela notícia e pelo diagnóstico, a família não aceitar as restrições impostas pelo AVC. Também, da mesma forma, é bastante complexo o familiar aceitar na totalidade a exigência de cuidado específico, idealizando metas pouco realistas. Nesta situação, o enfermeiro pode atuar junto à família buscando estabelecer uma relação de parceria, fornecendo informações a cerca da doença, dos limites e das possibilidades de recuperação, ajudando os sujeitos do cuidado a enfrentar essa nova situação de vida.
Percebendo a sua importância na recuperação do familiar - quando o cuidador familiar entende que o cuidado prestado, após a alta hospitalar, deve ser baseado nas possibilidades do ente com sequelas, ele entende que participar da recuperação é de extrema relevância. Neste sentido, o enfermeiro deve considerar a família fundamental na reabilitação, esclarendo-a no que for preciso e convertendo-a em agente do cuidado.
A participação da família no tratamento do ente com sequelas do AVC é muito importante, visto que os mesmos ficam com déficits cognitivos e incapacidades físicas (déficits para o autocuidado) que dificultam ou os impedem de seguirem o tratamento sozinho. Além disto, o apoio da família é fundamental para recuperação da autoestima, que auxilia o indivíduo a buscar a sua recuperação.
[ ... ] apesar do susto, agora eu estou mais aliviada e sei que preciso ficar bem para cuidar dele aqui e, também, em casa. Sei que vai ser bom para ele se eu estiver tranquila e se estiver preparada para as mudanças. Tem as sequelas que ele vai ter que se esforçar para tratar, para diminuir a dependência ou mesmo voltar ao que era. E eu vou ficar junto, incentivando, assim vai ser mais fácil para ele. [ E4 ]
Percebendo que o familiar apresenta sequelas incapacitantes e mediante o desejo de vê-lo recuperado, o sujeito valoriza a sua participação no tratamento e recuperação.
O AVC dela foi bem violento, bem grave. Pelo que estou vendo e, também, com as informações que tenho recebido, imagino que a recuperação será bem lenta e difícil. Mas eu e meu pai estamos juntos para enfrentar e ajudar no que for possível. [ E6 ]
Neste sentido, precisa ser de interesse do enfermeiro incentivar a participação ativa e responsável da família no cuidado, encorajando-a e apoiando-a na reorganização das coisas. Esta atitude fortalece e capacita as famílias a atender a necessidade de cuidar dos seus membros, diminuinado o grau de angústia e sofrimento comum à situação vivida.
DISCUSSÃO
É consenso que, o advento do acidente vascular cerebral, devido as suas características e consequências, constitui-se numa fonte de tensão intrafamiliar, por exigir a redefinição de papéis entre os membros da família. Afinal, o manejo das incapacidades oriundas da doença ocorrerá no contexto domiciliar.
O acometimento pelas sequelas limitantes gera a necessidade de alguém para ajudar na realização de atividades diárias e, na maioria das vezes, a ajuda advém de membros da própria família. Entretanto, a previsão de vir a ser um cuidador familiar causa grande inquietação, que se associa aos pré-conceitos atribuídos ao familiar, bem como ao desgaste físico e emocional decorrentes da nova tarefa.
Diante do caráter imprevisível e munida por um conhecimento prévio a respeito das sequelas e complicações do AVC, a família é tomada por uma série de dilemas e dúvidas. É comum os familiares enfrentarem dilemas como a necessidade de escolher um único cuidador familiar, precisando pensar nas mudanças que ocorrerão no ambiente físico do domicílio e na rotina dos familiares após a alta hospitalar.
O desconhecimento por parte dos cuidadores, no que se refere à doença ou enfermidade de modo geral, a evolução do quadro clínico, as possíveis complicações, a forma adequada de cuidar no domicílio e as demandas físicas e sociais, provoca uma velada inquietação nos cuidadores familiares que, inicialmente, não se julgam habilitados para cuidar.
As ações do cuidador familiar são mediadas por significados. Após enfrentar o mundo que o cerca, o indivíduo é chamado a agir, ou seja, a enfrentar as situações com as quais se depara. Para chegar a tal, ele reflete, interpreta e determina sua ação à luz das suas reflexões(7).
Cuidar de um familiar com dependência está relacionado a ações impostas pela sociedade e que são baseadas em normas sociais, crenças e valores culturais. Devendo-se considerar que cada família é única e, diante de uma situação de adoecimento, cada família organiza sua própria maneira de cuidar dos seus membros. A qualidade do cuidado prestado depende de como a família está preparada, organizada e orientada para assumir o cuidado no domicílio(8).
Comprender o processo de cuidar no domicílio permite identificar carências e fragilidades para as quais o enfermeiro pode dirigir sua atenção, elegendo prioridades e concentrando seu trabalho. O cuidado informal é, e continuará sendo, realizado por membros da família, na maioria dos casos, e em situações que englobam condições crônicas, de dependência a curto, médio e longo prazo, com uso ou não de aparato tecnológico(4).
O contexto vivenciado pelos familiares pode ser traduzido por sentimentos e comportamentos por vezes difíceis de ser compreendidos. Assim, o suporte aos familiares necessita estar inserido no contexto de trabalho dos profissionais, sendo o diálogo, a escuta e o acolhimento aspectos relevantes nos processos da humanização(9).
A equipe de enfermagem deve refletir sobre o significado da família, como potencializadora, no processo de recuperação e bem-estar do cliente adoecido, reservando momentos onde seja possível inserir o familiar no cuidado tornando-o um participante ativo e facilitando as relações interpessoais, além de prepará-lo para assumir o papel de cuidador familiar após a alta hospitalar.
Assim, é preciso reconhecer que a família faz parte do processo de cura do ente ao proporcionar bem-estar e agir como interceptora entre cliente e equipe de saúde. Esta relação terapêutica pode ser maximizada quando há um interesse por parte dos profissionais, valorizando a relação afetiva entre familiar e cliente(10).
CONCLUSÃO
A análise dos dados permitiu compreender que o impacto provocado pelo AVC e a necessidade de assumir o cuidado no domicílio evidencia a subjetividade e a importância da troca de saberes, sendo imprescindível respeitar as expectativas e as significações de cada cuidador familar.
Considerando o significado que os familiares concedem à necessidade de cuidar do ente com sequelas do AVC, o processo de assumir o cuidado após a alta hospitalar deve ser pensado além da simples execução de tarefas. É preciso compreender que, cuidar de um ente dependente, exigirá afetividade e comprometimento entre quem cuida e quem é cuidado.
Neste sentido, conforme o apresentado, o caminho percorrido internamente pelo cuidador perpassa por aspectos simbólicos, que vão desde a doença e as suas peculiaridades, passando pela compreensão de que o tratamento terá continuidade no seio familiar, alcançando o entendimento da sua importância na recuperação do ente adoecido. Ou seja, inconscientemente o indivíduo percebe o mundo que o rodeia, interpreta e reflete sobre a situação, valorizando a sua importância no tratamento do ente vítima do acidente vascular cerebral.
Pensando na complexidade que envolve o cuidado de um ente adoecido e no tempo reduzido para habilitar cliente e cuidador familiar para realizar o cuidado no domicílio, é preciso ressaltar a importância fundamental da equipe de enfermagem ter uma ótica mais ampla, abrangendo o familiar em seu planejamento e processo de cuidar.
REFERÊNCIAS
1. Organização Mundial de Saúde (OMS). Media Centre. The top 10 causes of death. Genebra: 2008. [ on-line ] [ citado em março de 2010 ] Disponível em: www.who.int/mediacentre/factsheets/fs310/en/index.html.
2. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. A vigilância, o controle e a prevenção das doenças crônicas não-transmissíveis: DCNT no contexto do Sistema Único de Saúde brasileiro. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2005
3. Huber DL, Mcclelland E. Patient preferences and discharge planning transitions. Journal of Professional Nursing. J Prof Nurs. 2003; 19(4):204-10.
4. Perlini NMO, Faro ACM. Cuidar da pessoa incapacitada por acidente vascular cerebral no domicílio: o fazer do cuidador familiar. Rev Esc Enferm USP. 2005; 39(2): 154-63.
5. Blumer H. Symbolic interacionism: perspective and method. Englewood Cliffs (NJ): Prentice-Hall, 1969.
6. Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.
7. Machado ALG, Jorge MS, Freitas CHA. A vivência do cuidador familiar de vítima de Acidente Vascular Encefálico: uma abordagem interacionista. Rev Bras Enferm. 2009; 62(2): 246-51.
8. Nardi EFR, Oliveira MLP. Significado de cuidar de idosos dependentes na perspectiva do cuidador familiar. Cienc Cuid Saúde. 2009; 8(3):428-35.
9. Vedootto DO, Silva RM. Humanization with the family in an Intensive Care Unit: a descriptive study. Online Braz J of Nurs [ serial on the Internet ]. 2010 [ cited 2011 Set 11 ]9(3). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-285.2010.3135/html
10. Valadares GV, Paiva RS. Estudos sobre o cuidado à família do cliente hospitalizado: contribuições para enfermagem. Rev Rene. 2010; 11(3): 180-8.
Autores:
Raquel Silva de Paiva: Pesquisadora/Pesquisa de campo, Glaucia Valente Valadares: Orientação da Pesquisa e Manuscrito, Juliana Pontes da Silva: Coorientação do Manuscrito.
Recebido: 07/10/2011
Aprovado: 05/07/2012