ARTIGO ORIGINAL

 

Enfermeiros no gerenciamento de resíduos hospitalares: um estudo descritivo

 

 

Sabrina de Aguiar Soares1; Silviamar Camponogara2; Marlene Gomes Terra3; Tanise Martins dos Santos4; Clara Maria Trevisan5

1,2,3,4Universidade Federal de Santa Maria
5Hospital Universitário de Santa Maria

 

 


RESUMO

Objetivo: conhecer a percepção de enfermeiros sobre o seu papel no processo de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde. Método: Pesquisa qualitativa, descritiva exploratória, realizada com enfermeiros das unidades de internação abertas de um Hospital Universitário. Os dados foram coletados entre novembro de 2010 e março de 2011, por meio de entrevista semiestruturada. Após, os achados foram analisados com base no referencial de análise de conteúdo temática. Resultados: Emergiram categorias relacionadas ao conhecimento sobre o processo de gerenciamento dos resíduos; as dificuldades de colaboração por parte da equipe multiprofissional; as percepções dos enfermeiros enquanto responsáveis pelo processo de gerenciamento dos resíduos sólidos; a atuação do enfermeiro como educador em serviço; e o processo de gerenciamento como uma tarefa difícil. Conclusão: Ainda é preciso discutir melhor sobre a atribuição da responsabilidade pelo gerenciamento dos resíduos ao enfermeiro, uma vez que, é uma nova demanda para a profissão.
Palavras-Chave: Enfermagem; Meio ambiente; Resíduos de Serviços de Saúde.


 

INTRODUÇÃO

Na atualidade, enfrentamos sérios desafios, dentre os quais, a complexidade da problemática ambiental, a qual impõe aos seres humanos um comportamento direcionado a busca de um agir responsável com o meio ambiente, tendo em vista o acelerado processo de destruição ambiental que vivenciamos e as ameaças à sobrevivência do planeta. Uma série de fatores têm sido considerados danosos ao meio ambiente − a maioria deles atribuídos a ação dos seres humanos, as chamadas ações antropogênicas − o que tem obrigado diferentes setores da população a estabelecer medidas de controle e minimização do impacto advindo, especialmente, dos diferentes processos produtivos presentes na sociedade contemporânea.

Entre as fontes de degradação ambiental, os dejetos gerados na área da saúde representam uma peculiaridade importante, pois, quando gerenciados inadequadamente, oferecem risco potencial ao ambiente(1). O aumento da produção de resíduos nos serviços de saúde tem constituído uma preocupação nos hospitais brasileiros. Dados indicam que são coletadas, diariamente, 228.413 toneladas de lixo no Brasil. Em geral, estima-se que 1% desse total corresponda aos resíduos de serviços de saúde, aproximadamente 2.300 toneladas diárias. O lixo produzido pelos serviços de saúde, em 74% dos municípios brasileiros, é depositado a céu aberto, sendo que 57% são separados nos hospitais e, somente em 14% das cidades brasileiras, esses dejetos são tratados adequadamente, conforme previsto pela legislação vigente(2).

Nesse sentido, o gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS) constitui um assunto polêmico que ainda carece de uma discussão mais ampliada, tendo em vista as repercussões que pode ter sobre a saúde humana e o meio ambiente. Gerenciar os resíduos de serviços de saúde constitui um conjunto de procedimentos de gestão, planejados e implementados em bases científicas e técnicas, normativas e legais, visando minimizar a produção e proporcionar aos resíduos gerados um encaminhamento seguro e de forma eficiente. Com base nas características, na classificação dos grupos e no volume gerado, as instituições hospitalares têm como obrigatoriedade a elaboração de um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), que estabeleça diretrizes de manejo desses resíduos e contemple a segregação, o acondicionamento, a identificação, o transporte interno, o armazenamento intermediário, o armazenamento temporário, o tratamento, o armazenamento externo, a coleta e o transporte externos e a destinação final(3).

Dessa forma, gerenciar os resíduos sólidos de serviços de saúde constituiu um problema sério para os enfermeiros, que são, geralmente, administradores dos diferentes setores hospitalares, pois as soluções apontadas centram-se, predominantemente, na implantação do seu manejo, sem que o processo como um todo seja abordado e sem que haja o preparo dos profissionais que, muitas vezes, não são adequadamente instrumentalizados para gerenciar a segregação dos resíduos provenientes do processo de assistência à saúde.
Com base nisso, depreende-se que uma nova demanda tem sido incumbida aos enfermeiros, que são responsabilizados pelo processo de gerenciamento de resíduos sólidos de serviços de saúde, o que exigegrande habilidade de liderança, qualidade essencial no processo de trabalho gerencial do enfermeiro. A enfermagem passa por um repensar e uma redefinição de suas funções de maneira a assegurar seu papel e seu compromisso com a sociedade que, nesse momento, aspira por maior qualidade na prestação da assistência à sua saúde(4).

Desta forma, discutir acerca do gerenciamento dos resíduos sólidos de serviços de saúde é fundamental, e aí reside a contribuição desse estudo, que objetivou conhecer a percepção de enfermeiros de unidades de internação abertas de um Hospital Universitário sobre o seu papel no processo de Gerenciamento de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde. Acredita-se que o estabelecimento de reflexões sobre esse tema possibilita a ampliação do debate acerca dessa nova demanda para os profissionais enfermeiros.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, visto ser o mais adequado para investigações que abordem questões relativas a fenômenos subjetivos. A investigação classifica-se como descritivo-exploratória, tendo sido realizada em um hospital universitário do interior do estado do Rio Grande do Sul.

Participaram do estudo 15 enfermeiros das unidades de internação abertas (três enfermeiros atuantes em cada unidade de internação da instituição, sendo dois do serviço diurno e um do serviço noturno). Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, gravadas, realizadas em local reservado, nos meses de novembro e dezembro de 2010, e março de 2011, buscando-se manter certa proporcionalidade entre os sujeitos. Constituíram-se em critérios de inclusão: ser servidor efetivo da instituição, estar atuando há mais de um ano no setor e aceitar participar do estudo. O encerramento da coleta de dados obedeceu ao critério de saturação de dados.

Após, as entrevistas foram transcritas pelos próprios pesquisadores, os quais identificaram os participantes do estudo com a letra “E”, seguida de um número correspondente à ordem de cada entrevista. Os dados foram analisados de acordo com o referencial proposto para análise de conteúdo temática (Bardin)(5), obedecendo às seguintes etapas: reunião do corpus de análise; realização de leitura flutuante dos achados; realização de leitura aprofundada a fim de constituir categorias de análise;  análise interpretativa das categorias; e discussão com a literatura pertinente.

O Protocolo do Projeto de Pesquisa seguiu os princípios da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (Protocolo Nº 0.295.0.243.000-10).

 

RESULTADOS

Os dados foram coletados com 15 enfermeiros atuantes nas unidades de internação abertas de um hospital universitário. Os participantes eram, em sua maioria, do sexo feminino (93,3%), com idade em torno de 34 anos. O tempo de atuação na unidade permaneceu em torno de cinco anos e, na instituição, de oito anos e seis meses. O ano de conclusão da graduação variou entre 1983 e 2006.

Os sujeitos revelaram ter conhecimento sobre a atual problemática ambiental que vivenciamos, como: aquecimento global, efeito estufa, entre outros; sendo enfáticos ao manifestarem que se sentem afetados pelos efeitos da mesma. Eles também têm ideia de que o ser humano é o principal causador dos atuais problemas ambientais e de que há necessidade de busca por soluções efetivas para resolução dessa crise ambiental. Embora muitos dos sujeitos aleguem desenvolver ações de preservação ambiental em seus domicílios, essa ainda não parece ser uma ação bastante concreta.

Ao aprofundaro processo reflexivo sobre o tema, particularmente no que tange ao gerenciamento de resíduos de serviços de saúde, os sujeitos manifestaram suas ideias, que  foram organizadas nas seguintes categorias: conhecimento sobre o processo de gerenciamento dos resíduos: superficialidade e rotinização; dificuldades de colaboração por parte da equipe multiprofissional; percepções dos enfermeiros enquanto responsáveis pelo processo de gerenciamento dos RSSS; a atuação do enfermeiro como educador em serviço; e processo de gerenciamento como uma tarefa difícil.

Em geral, esses dados revelam o confronto dos profissionais com uma atividade recente na prática de enfermagem, balizada pela falta de conhecimentos sistematizados sobre o assunto e por questões institucionais, que interferem na efetiva atuação do enfermeiro em relação ao tema.

 

Conhecimento sobre o processo de gerenciamento dos resíduos: superficialidade e rotinização
Ao serem questionados sobre seu conhecimento quanto à destinação dos resíduos resultantes do processo de assistência à saúde, percebe-se que o assunto é pouco conhecido pelos enfermeiros atuantes nas unidades investigadas.

Eu entendo um pouco do processo assim. Eu sei que o resíduo reciclável, sei que tem uma equipe que recolhe o lixo e esse lixo vai para separação. E aí tem um pessoal que separa o resíduo reciclável, que o hospital vende e pega o dinheiro pela venda do material. Os resíduos contaminados que é um grande volume do hospital que estão tentando diminuir é um resíduo que gera bastante custo para o hospital [...] (E2)

Assim, os enfermeiros revelam que não têm um conhecimento aprofundado sobre o assunto; inclusive, nesse caso, manifestam opiniões errôneas sobre a destinação dos resíduos, visto que os recicláveis não são vendidos e, sim, doados para uma associação comunitária.
, No entanto, apesar da pouca instrumentalização sobre o tema, os enfermeiros percebem um avanço no que se refere à atuação da equipe em relação à segregação dos RSS ao longo dos anos.

A equipe de enfermagem melhorou bastante essa atuação porque está tendo uma maior responsabilidade nessas questões de separação e segregação do lixo. Ultimamente, se percebe que o pessoal se preocupa um pouco mais [...] (E5)

Dessa forma, há uma percepção de evolução nas práticas diárias da equipe de enfermagem quanto ao processo de segregação dos RSS. Porém, para alguns sujeitos, é preciso fazer um maior investimento em educação continuada, pois ainda há a necessidade de desenvolver um processo de conscientização com a equipe sobre a correta segregação dos resíduos.

Como eu te falei, eu acho que tem uma resistência ainda porque, às vezes, é considerado como uma coisa supérflua. Não é considerado como uma coisa que faz parte do trabalho. Tu tem que ter esse controle, mas ainda eu falo que falta conscientização, assim, do quanto isso é importante. Então é como te falei, não é dada a devida importância. (E1)

Com isso, fica evidente que o tema ainda não constitui alvo de debates consistentes entre os trabalhadores, a partir da percepção de que as ações de segregação são desenvolvidas e orientadas por normatizações específicas. Dessa forma, não observam a existência de uma conscientização sobre o tema.

 

Dificuldades de colaboração por parte da equipe multiprofissional
Outro aspecto levantado na coleta de dados é a atuação da equipe multiprofissional frente à questão dos RSS, resultando em uma categoria de grande relevância no estudo.

Aí é mais problemático (risos)...porque parece que...só a enfermagem que sabe das rotinas, do que tem que fazer. Parece que os médicos, principalmente os médicos não tem essa informação. Parece que eles, eles nunca fazem, eles às vezes pegam um copo e dizem onde é que eu coloco isso... ainda bem quando perguntam, não é? Quando perguntam é maravilhoso, chegam ali e perguntam onde é que eu coloco isso, mas tem uns que não...Aí o pessoal faz um procedimento e, ao invés de colocar o material no lixo infectante, tão colocando no lixo reciclável. Então parece que só a enfermagem que tem que fazer direitinho. (E1)

Nesse caso, os enfermeiros revelam sentir certo distanciamento dos outros profissionais em relação ao tema, manifestando que o não comprometimento com o processo de gerenciamento, principalmente da equipe médica, é fator gerador de estresse entre a equipe de enfermagem.

 

Percepções dos enfermeiros enquanto responsáveis pelo processo de gerenciamento dos RSS
Nesse caso, as opiniões abordaram situações contrastantes. Numa delas, os sujeitos atribuem a responsabilidade do gerenciamento dos RSS ao Serviço de Higiene e Limpeza da instituição, o qual atua, há vários anos, oferecendo o suporte técnico e administrativo com relação ao tema.

[...] por ter, no hospital, essa equipe de gerenciamento de resíduos, a gente acaba não se envolvendo muito com isso [...] (E2)

Esse fato, aliado ao pouco conhecimento sobre o tema, anteriormente mencionado, traduz uma percepção de não responsabilização efetiva com o processo, a qual é atribuída ao setor responsável pela higienização da instituição.
Por outro lado, alguns enfermeiros percebem-se como um elo entre o serviço anteriormente mencionado e a equipe atuante no setor.

Assim, a princípio a gente fica bem fora porque tem um serviço que faz isso, a gente acaba não se envolvendo. O que eu me envolvo é nesse sentido, de tenta contribuir, dizer isso aqui não está dando certo, isso aqui está dando certo. A verdade é fazer essa ponte entre o serviço que processa, que tem toda essa responsabilidade e a gente junto com a equipe e com certeza é um lugar que dá para estar melhorando, mas acho que fazendo essa ponte assim entre a equipe e o serviço. (E8) (grifo das autoras)

Nesse sentido, também se evidencia a percepção de uma atuação direcionada a fazer a interação entre o setor considerado responsável pelo processo de gerenciamento e a equipe. Em última análise, conforme destaque no depoimento, a responsabilidade continua sendo atribuída ao setor responsável pela higienização.

 

A atuação do enfermeiro como educador em serviço
Apesar de não se sentirem responsáveis pelo processo de gerenciamento dos resíduos, os enfermeiros têm clareza de que é necessário colaborarem com esse processo por meio do desenvolvimento da educação em serviço.

Bom, o nosso gerenciamento dos resíduos se dá basicamente na questão de orientar, para tentar segregar de maneira correta esse lixo, e daí eu falo em lixo fico sempre pensando em lixo contaminado e lixo não contaminado, é basicamente o que se trabalha aqui no hospital. Lógico que não vai só nessa linha do lixo, vai na linha também de tentar fazer com que as pessoas entendam da importância disso, para que outras não se prejudiquem no seu trabalho. Por exemplo, se tu colocar uma seringa desencapada num saco branco, eu sei que a pessoa pode se picar quando pegar lá. Então, tu tem que pensar na questão da saúde das pessoas, acho que mais nesse sentido. [...] (E5)

As manifestações atinentes a essa categoria de análise revelam que, apesar de não sentirem-se responsáveis pelo gerenciamento dos resíduos, os enfermeiros têm clareza da necessidade de estarem comprometidos com a questão e de colaborar, de alguma forma, com esse processo. Contudo, há que se destacar o fato de não estarem adequadamente instrumentalizados com relação ao tema, conforme já revelado anteriormente, levando ao questionamento sobre como se dá esse processo educativo. A manifestação anterior mostra, por exemplo, uma preocupação específica com lixo contaminado e não contaminado, ficando fora dessa abordagem o resíduo reciclável, também de suma importância para o processo de gerenciamento. Além disso, destaca-se a preocupação com questões relacionadas aos acidentes de trabalho, que são bastante pertinentes e devem ser abordadas.

 

Processo de gerenciamento como uma tarefa difícil
Apesar de terem ciência da importância do desenvolvimento de ações educativas relacionadas ao tema, o que seria sua principal contribuição, os enfermeiros manifestam muitas dificuldades, principalmente em sensibilizar a equipe atuante em seu setor sobre a correta segregação dos resíduos de saúde, devido à falta de conscientização sobre a problemática ambiental e as consequências que uma segregação incorreta pode acarretar ao meio ambiente e à saúde do trabalhador.

Eu acho que tem uma dificuldade por causa da conscientização das pessoas, bastante dificuldade. Não sei, tem gente que parece que é indiferente quanto ao problema da questão ambiental, sabe? É o que me parece assim, que me passam, que não se importam muito com o lixo. (E7)

Dessa forma, as manifestações dos depoentes levam a reflexões sobre a forma como deve dar-se a abordagem do tema junto aos trabalhadores, no sentido de motivar as pessoas a refletirem sobre os diversos aspectos envolvidos em torno da problemática ambiental e, nesse caso, sobre o gerenciamento de RSS. As manifestações, em geral, apontam para a preocupação com a complexidade do tema e para a importância de ter-se seriedade e comprometimento com as demandas ambientais advindas e resultantes do processo de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Contudo, também foram evidenciadas manifestações que atribuem ao tema um caráter simplista, restrito a normas e rotinas a serem seguidas.

Eu não encontro maiores dificuldades, eu acho que tem facilidade. Está tudo, é um programa que está tudo pronto. É só a gente fazer como é para ser feito, a nossa parte aqui, daqui para fora do hospital não cabe a nós. [...] (E6)

Em suma, apesar de não se sentirem responsáveis pelo gerenciamento de resíduos, os enfermeiros, em geral, têm noção da importância do desenvolvimento de ações de educação em serviço sobre o tema.

 

DISCUSSÕES

Os depoimentos dos sujeitos evidenciam que há pouco conhecimento sobre o processo de gerenciamento, inclusive sobre a destinação dos resíduos resultantes do processo de assistência à saúde na instituição. Os enfermeiros possuem conhecimento limitado quanto ao gerenciamento de resíduos sólidos de serviços de saúde, sendo que o caminho para solucionar esta questão seria o exercício do bomsenso, aliado com a educação e o treinamento dos profissionais de saúde, além do esclarecimento da população.

A normatização, em toda a instituição, acerca da segregação de resíduos sólidos é determinante para o entendimento dessa postura entre os entrevistados. Nesse sentido, cabe destacar que a instituição já desenvolve algumas ações direcionadas ao gerenciamento de resíduos sólidos, que passaram a ser mais sistematizadas a partir da elaboração e implementação do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos em 2005(6).

Assim fica implícito que, embora os profissionais estejam mais adeptos a correta segregação, ainda é necessário o desenvolvimento de estratégias para conscientização dos sujeitos, a fim de que as práticas de gerenciamento de resíduos sejam incorporadas como algo importante para a instituição, para os trabalhadores e para o meio ambiente. É imprescindível a conscientização de cada ator envolvido nas diversas etapas deste processo para que esta importante atividade não seja considerada apenas uma norma ou rotina a ser cumprida. Obviamente, este processo necessita ser gradativo, não devendo ser realizado em uma única etapa. O trabalhador precisa conhecer os benefícios que sua ação de preservação ambiental trará, não somente para o meio ambiente, mas para si mesmo.

A análise sobre a realização ou não de ações de preservação ambiental por parte do trabalhador hospitalar não pode ter um viés simplista, já que diversos fatores influenciam esta prática. No contexto hospitalar, onde diversos processos de subjetivação intervêm sobre o trabalho, esta afirmativa é ainda mais verdadeira(6). A questão do trabalho da enfermagem tem particular importância nesta análise na medida em que este processo de trabalho parcelar, aliado à falta de conhecimento sobre a questão ambiental, resulta em dificuldades no desenvolvimento de ações de preservação ambiental(6).

Os sujeitos manifestam que a equipe multiprofissional, especialmente a equipe médica, não colabora com o processo de segregação de resíduos, o que interfere no gerenciamento como um todo, resultando em maior desgaste ao enfermeiro. Em geral, os profissionais da medicina não se envolvem com a geração de resíduos, o que pode estar associado ao modelo ainda predominantemente adotado na formação e no exercício profissional, ou seja, com ênfase na doença, no seu tratamento e na recuperação, e não na sua prevenção e na promoção da saúde. Da mesma forma, atribuem a responsabilidade no manejo dos RSS à Enfermagem por estes assumirem um papel de administradores dos setores que prestam assistência, resultando numa situação em que os demais profissionais sentem-se desobrigados do papel de desenvolverem a segregação de resíduos ou preocuparem-se com essa importante questão. Entretanto, o envolvimento e a responsabilidade para com os RSS, desde a sua geração até a disposição final, faz parte do exercício de cidadania de todos os sujeitos(7).


As ações de promoção da saúde, no contexto da saúde ambiental, exigem a atuação interligada de diversas profissões, utilizando instrumentos próprios com um só propósito: promover saúde. Daí a importância de discutir o tema, que engloba o bem-estar humano e ecológico, tendo como finalidade elaborar medidas consistentes cabíveis(8). Isso implica na busca por um processo de viver que valorize a interação entre o ser humano e o meio ambiente por meio de práticas que contemplem o ambiente como dimensão essencial para a busca de melhor qualidade de vida, ao mesmo tempo em que se promove a preservação ecológica.

Os enfermeiros sentem-se desobrigados em realizar o gerenciamento de RSS pelo fato de haver um setor responsável. No entanto, apesar de haver, na instituição, um órgão responsável pelo processo de manejo dos resíduos, das unidades geradoras até o depósito externo, a responsabilidade dos profissionais atuantes em seus setores para com o gerenciamento de RSS não diminui. É preciso que cada profissional sensibilize-se quanto à questão ambiental, de forma a atuar com base em conhecimento e consciência em relação às suas ações. Caso a atuação no processo de gerenciamento de resíduos não tenha essa orientação, resultará em descomprometimento com o processo ou, quando muito, no seguimento de uma normatização estabelecida pela instituição.

Os dados evidenciam que, para o enfermeiro, o processo de gerenciamento envolve uma atividade educativa por meio de orientações e conversas informais com a equipe de trabalho. Apesar de haver maior preocupação com o lixo contaminado, o que retrata um ideário típico do trabalho hospitalar e muito presente entre os trabalhadores(6), também se percebe uma interface entre o gerenciamento de resíduos e o risco de acidentes de trabalho. Obviamente, é imprescindível que o enfermeiro desenvolva, na sua prática cotidiana, um agir educativo, motivando e envolvendo os demais profissionais para a efetiva participação no gerenciamento de resíduos, buscando, assim, desenvolver a necessária responsabilidade socioambiental.

Nesse sentido, é de fundamental importância a participação do enfermeiro no gerenciamento de resíduos de serviços de saúde, bem como ter conhecimento sobre como são manejados. No entanto, alguns profissionais não possuem conhecimento e segurança suficiente para atuarem nesta área(9).
Com isso, os sujeitos manifestam flagrante dificuldade em sensibilizar o restante da equipe atuante no seu setor sobre a correta segregação de resíduos de saúde, atribuindo isso à falta de conscientização sobre a problemática ambiental e sobre as consequências que uma segregação incorreta pode acarretar ao meio ambiente e à saúde do trabalhador.


Especificamente, ao se falar sobre o processo formativo, pode-se destacar que as dificuldades em realizar o gerenciamento de resíduos teêm relação com a não inserção dessa abordagem na formação dos futuros profissionais. Esta temática tem que ser debatida juntamente com todos os profissionais, no sentido de instrumentalizá-los sobre a questão. No entanto, a fragmentação típica dos atuais modelos de ensino na área da saúde compromete uma visão mais ampliada sobre os problemas que são globais, dificultando a formação de uma consciência ética e o exercício da responsabilidade social(1). A emergência de uma ação mais consciente, que dialogue com a realidade, com as adversidades, com a natureza e com o outro, somente será conseguida a partir de um pensamento baseado na totalidade, que minimize visões mutiladoras e reducionistas(¹).


As atividades educativas que se propõem a capacitar as pessoas para o compromisso com o meio ambiente devem ser elaboradas de maneira eficaz, a fim de levar as pessoas a refletirem sobre a produção excessiva de lixo e a se tornarem agentes ativos para favorecer um ambiente saudável e sem prejuízo ambiental(8).

Para elaborar estratégias educativas sobre saúde ambiental, é necessário, inicialmente, discutir todo o processo de desequilíbrio ambiental, buscando conhecer a realidade para interferir de forma eficaz, reavaliando práticas sanitárias para que, posteriormente, sejam executadas estratégias concretas de educação em saúde que permitam a proteção e a promoção da saúde de forma integral às comunidades, como também capacitar o indivíduo e a sociedade a realizarem ações saudáveis para o meio ambiente, levando-os a uma consciência ecológica(8).

É urgente que os seres humanos assumam sua responsabilidade frente à natureza, resgatando valores como a solidariedade, a cooperação, a parceria e a reverência pelas coisas da terra. É tempo de mudanças, de pensar em uma ruptura epistemológica e paradigmática para olharmos o cuidado a partir dessa visão ecológica, ampla, sistêmica e complexa; a partir de uma rede de interdependências(10).

Para alguns enfermeiros, o gerenciamento de resíduos sólidos é uma tarefa simples, que se refere somente ao seguimento das normas estabelecidas pelo setor responsável. Estes enfermeiros, embora, anteriormente, tenham expressado preocupação com os problemas ambientais e desenvolvam algumas ações em prol da preservação ambiental em âmbito doméstico, parecem não transferir este conhecimento para o seu cotidiano laboral. Em parte, podemos inferir que estão à espera do conhecimento; à espera de normativas que possam lhes mostrar o que pode ou não ser feito dentro da instituição. Esta atitude está bastante relacionada com um processo histórico de gestão hospitalar inspirado na fábrica fordista e no capitalismo, centrado na burocratização e em processos verticalizados e hierarquizados de comando, ficando os trabalhadores a mercê das regras institucionais e de demandas das esferas de comando superiores. Com isso, veem sua autonomia para pensar e agir ser tolhida, face ao abismo interposto entre quem comanda e quem executa tarefas(6).

Nesse sentido, a implantação de políticas e estratégias direcionadas à minimização do impacto ambiental por parte das instituições de saúde exige um processo de educação permanente sistematizado e abrangente, pautado em processo reflexivo que problematize concepções, crenças e valores dos atores sociais envolvidos, com vistas a buscar o desenvolvimento de práticas conscientes de preservação ambiental.

 

CONCLUSÕES

Com esta pesquisa sobre a atuação do enfermeiro no gerenciamento de resíduos sólidos de serviços de saúde almejou-se ressaltar alguns aspectos que influenciam no processo de gerenciamento destes. Sendo assim, os participantes demonstraram conhecimento limitado quanto ao gerenciamento de resíduos sólidos de serviços de saúde, o que implica no desenvolvimento de um processo de educação e no treinamento dos profissionais de saúde, além do esclarecimento da população. Embora os profissionais estejam mais adeptos à correta segregação, ainda é necessário o desenvolvimento de estratégias para conscientização dos sujeitos a fim de que as práticas de gerenciamento de resíduos sejam incorporadas como algo importante para a instituição, para os trabalhadores e para o meio ambiente.

A análise também permitiu constatar que a equipe multiprofissional, especialmente a equipe médica, não colabora com o processo de segregação de resíduos, o que interfere no gerenciamento como um todo, resultando em maior desgaste para o enfermeiro. Para este, o processo de gerenciamento envolve uma atividade educativa por meio de orientações e conversas informais com a equipe de trabalho. Contudo, os sujeitos manifestam flagrante dificuldade em sensibilizar o restante da equipe atuante no seu setor sobre a correta segregação de resíduos de saúde, atribuindo isso à falta de conscientização sobre a problemática ambiental e as consequências que uma segregação incorreta pode acarretar ao meio ambiente e a saúde do trabalhador.

Porém, outros veem o gerenciamento de resíduos como uma tarefa simples, que se refere somente ao seguimento das normas estabelecidas pelo setor responsável. Mesmo tendo expressado, anteriormente, preocupação com os problemas ambientais e desenvolvendo algumas ações em prol da preservação ecológica em âmbito doméstico, os entrevistados parecem não transferir este conhecimento para o seu cotidiano laboral.
Diante do exposto, constata-se ser necessário discutir melhor a atribuição da responsabilidade de gerenciamento de resíduos aos enfermeiros, uma vez que representa uma nova demanda para a profissão, sendo esta tão importante quanto às demais.

 

REFERÊNCIAS

1.Corrêa LB, Lunardi VL, Conto SM. O saber resíduos sólidos de serviços de saúde na formação acadêmica: uma contribuição da educação ambiental. Interface comun saúde educ. 2005 Set; 9(18):571-84.

2.Garcia LP, Zanetti–Ramos BG. Gerenciamento dos resíduos de serviços de saúde: uma questão de biossegurança. Cad Saúde Pública. 2004; 20(3): 744-52.

3.Sisinno CLS, Moreira JC. Ecoeficiência: um instrumento para a redução da geração de resíduos e desperdícios em estabelecimentos de saúde. Cad Saúde Pública. 2005 Nov; 21(6): 1893-1900.

4.Simões ALA, Fávero N. Aprendizagem da liderança: opinião de enfermeiros sobre a formação acadêmica. Rev Latino-Am Enferm. 2000; 8(3): 91-6.

5.Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2007.

6.Camponogara S. Um estudo de caso sobre a reflexividade ecológica de trabalhadores hospitalares [tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2008.

7.Corrêa LB, Lunardi VL, Conto SM. O processo de formação em saúde: o saber resíduos sólidos de serviços de saúde em vivências práticas. Rev Bras Enferm. 2007 Jan; 60(1):21-5.

8.Beserra PE, Alves MDS, Pinheiro PNC, Vieira NFC. Educação ambiental e enfermagem: uma integração necessária. Rev Bras Enferm. 2010 Set; 63(5):848-52.

9.Moutte A, Barros SS, Benedito GCB. Conhecimento do enfermeiro no manejo dos resíduos hospitalares. Rev Inst Ciênc Saúde. 2007; 25(4): 345-8.

10.Koerich MS, Backes DS, Drago LC, Backes MTS, Erdmann AL. The meaning of ecological care for students and health teachers: a qualitative estudy. Online Braz J Nurs [periodic online]. 2010 [cited 2010 Feb 2011] 9(1): Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-285.2010.2781/622.

 

Recebido:06/10/2011
Aprovado:26/06/2012