ARTIGOS ORIGINAIS
População acometida por mediastinite em hospital universitário de recife-pe: um estudo retrospectivo
Raul Amaral de Araújo1, Natália Benedito de Oliveira1, Hilda Silva Carrilho Barbosa1, Simone Maria Muniz da Silva Bezerra1
1Universidade Federal de Pernambuco
RESUMO
Objetivo: descrever a população acometida por mediastinite em um hospital universitário de Recife, PE. Método: estudo descritivo, retrospectivo, com amostra de 26 pacientes. Resultado: prevaleceram indivíduos do sexo masculino, hipertensos, diabéticos, obesos e tabagistas, com idade média de 57,54 anos, procedentes da região metropolitana, sendo internados devido a eventos isquêmicos e submetidos à cirurgia para revascularização do miocárdio. Observou-se longa permanência hospitalar e alto índice de mortalidade. Discussão: a predominância do sexo masculino, a grande proporção de idosos na população estudada, assim como a alta prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, associaram-se ao surgimento da mediastinite, que também está relacionada a impactos econômicos e sociais. Conclusão: a mediastinite destacou-se como séria complicação de procedimentos cirúrgicos cardiovasculares, principalmente em cirurgias de revascularização do miocárdio, culminando em morbidade substancial, elevada mortalidade e altos custos hospitalares.
Palavras-chave: Enfermagem; Infecção; Mediastinite.
INTRODUÇÃO
A mediastinite é uma infecção que envolve os tecidos profundos da caixa torácica, com incidência de 1 a 3% e mortalidade superior a 20%, associando-se ao aumento dos custos hospitalares, e ganhando destaque quando relacionada a processos infecciosos que ocorrem após cirurgias cardiovasculares(1-3).
O prognóstico é severo, apesar do tratamento com antibióticos e debridamento da ferida operatória, pois a infecção pode se propagar no mediastino e envolver estruturas cardíacas, levando também ao choque séptico e hemorragias(4,5).
Por outro lado, características dos pacientes que se submetem à cirurgia cardíaca, aumentam a predisposição para agravos infecciosos, como também cardiovasculares. Tais indivíduos, ao longo das últimas décadas, passaram por modificações em seu perfil, tornando-se cada vez mais idosos, obesos e tendo comorbidades severas(2,6).
Assim sendo, torna-se necessária a descrição da população acometida por mediastinite em instituições hospitalares que atuam em cirurgias cardiovasculares, pois em vários estudos são demonstradas as variações de perfil dessa população, que apresenta características intrínsecas ao local onde ocorreu o processo infeccioso(1,2,4-8).
A descrição de tal população é premente à formulação ou consolidação de protocolos ou medidas institucionais que visem ao controle e prevenção da mediastinite, porque os tornam fidedignos à população que venha a ser abordada.
Desse modo, o objetivo deste estudo é descrever a população acometida por mediastinite após esternotomia, atendida em um hospital universitário de Recife,PE.
MÉTODO
Trata-se de estudo descritivo, de caráter retrospectivo, realizado através da análise de prontuários dos indivíduos que tiveram diagnóstico de mediastinite após esternotomia, entre junho de 2007 e setembro de 2010, tendo como marco inicial o primeiro caso de mediastinite registrado no local do estudo, em 24 de junho de 2007.
O local do estudo foi o Pronto-Socorro Cardiológico de Pernambuco Prof. Luiz Tavares (PROCAPE), órgão de ensino da Universidade de Pernambuco (UPE), situado em Recife,PE. Oferece serviços de média e alta complexidade em cardiologia exclusivamente ao Sistema Único de Saúde (SUS), sendo instituição de referência nas Regiões Norte e Nordeste.
A população do estudo compôs-se por usuários submetidos à cirurgia cardiovascular com esternotomia, hospitalizados no PROCAPE/UPE. A amostra foi constituída por indivíduos com diagnóstico médico de mediastinite, após cirurgia cardiovascular com acesso por esternotomia. Foram excluídos os pacientes em que o diagnóstico foi inconclusivo; que vieram a falecer antes da confirmação; que apresentaram infecção apenas de sítio cirúrgico ou mediastinite, advinda de procedimentos sem implemento de esternotomia. A amostra constitui-se de 26 indivíduos.
Os dados foram coletados através de instrumento elaborado pelos autores, sendo pré-testado em cinco prontuários para determinar sua utilidade e capacidade de gerar informações válidas para o estudo(9).
A análise do pré-teste demonstrou não haver necessidade de modificações no instrumento para coleta de dados, optando-se por incluir os pacientes cujos prontuários foram utilizados nessa etapa.
As informações coletadas abrangeram as seguintes variáveis: sexo, idade, procedência, data da hospitalização, diagnóstico admissional, antecedentes pessoais, cirurgia realizada, data da cirurgia, data do diagnóstico da mediastinite e desfecho do caso (alta hospitalar por melhora clínica ou óbito).
A coleta de dados ocorreu após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UPE, sob protocolo 172/09.
A amostra do estudo foi caracterizada aplicando-se técnicas de estatística descritiva, através de distribuições absolutas, percentuais e das seguintes medidas estatísticas: média, mediana, desvio padrão, valor mínimo e valor máximo. Utilizou-se o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 15, para digitação dos dados e obtenção dos cálculos estatísticos.
RESULTADOS
A seguir, são demonstrados os resultados do estudo, iniciando-se pela descrição dos indivíduos que compuseram a amostra da pesquisa (Tabela 1).
Predominaram pacientes com idade igual ou maior que 60 anos (57,7%), seguidos da faixa etária de 49-58 anos (34,6%). A idade média dos pesquisados foi de 57,54 (±18,44) anos, com mediana de 62 anos, variando de um a 77 anos. Indivíduos do sexo masculino prevaleceram (57,7%), assim como aqueles procedentes da região metropolitana do Recife,PE (80,7%).
Na Tabela 2, observam-se o diagnóstico admissional, os antecedentes pessoais e as cirurgias realizadas antes do diagnóstico da mediastinite.
Os eventos isquêmicos responderam por 84,7% dos diagnósticos admissionais, os quais também incluíram duas malformações congênitas, um acometimento valvar e outro vascular.
Dentre os antecedentes pessoais, destacaram-se a hipertensão arterial (HAS), o diabetes mellitus (DM) e o hábito de tabagismo, presentes em 92,3%, 53,8% e 50% dos pacientes, respectivamente. Foram seguidos pela obesidade (26,9%) e doença arterial coronariana (23,1%). A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e a insuficiência cardíaca congestiva foram infrequentes.
Observa-se que a cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) precedeu a ocorrência de mediastinite em 22 casos (84,7%). Destes , 18 vieram a realizar a CRVM associada à circulação extracorpórea. O surgimento de mediastinite após demais procedimentos cirúrgicos foi proporcionalmente menor.
Na Tabela 3, são demonstradas as informações correspondentes aos dias transcorridos entre a cirurgia realizada e o surgimento da mediastinite, o desfecho clínico de cada indivíduo e os dias totais de internação.
Observou-se que 69,2% dos pacientes foram diagnosticados com mediastinite em até 15 dias após o procedimento cirúrgico, destacando-se que 34,6% da amostra foi diagnosticada entre seis e nove dias depois da cirurgia. Nesse tocante, a média de dias entre a cirurgia efetuada e o diagnóstico foi de 14,64 (±10,23) dias.
A maioria dos indivíduos teve melhora (65,4%), enquanto a mortalidade encontrada foi de 34,6%.
Em relação aos dias de permanência hospitalar, o menor percentual correspondeu aos pacientes que tiveram mais de 120 dias de hospitalização (15,4%), enquanto o maior percentual referiu-se aos pacientes que ficaram internados de 20 a 44 dias (30,8%). A permanência hospitalar obteve uma média de 85,73 dias, sendo o menor período de 20 dias e o maior de 303 dias.
DISCUSSÃO
O predomínio de indivíduos do sexo masculino e com idade superior a 60 anos ou mais, concomitantemente ao raro aparecimento de mediastinite entre jovens, coaduna com a literatura, na qual a idade avançada é um fator de risco para tal agravo, assim como o sexo masculino é reconhecido como um preditor independente para mediastinite após cirurgias cardiovasculares(2-6,10,11).
A idade avançada traz graves consequências, pois aumenta as chances de complicações operatórias, que favorecem a necessidade de tratamentos emergenciais, acarretando uma maior predisposição para eventos infecciosos. Além disso, a resposta aos tratamentos implementados será mais lenta(2-6).
Nesse contexto, ressalta-se a elevada proporção de indivíduos que foram hospitalizados após sofrerem infarto agudo do miocárdio (IAM), fato que reflete a finalidade da instituição, que atua em emergências e urgências cardiológicas, como também a preponderância de doenças cardiovasculares isquêmicas em adultos, principalmente idosos, no mundo ocidental. Tais eventos predispõem à necessidade de cirurgias cardiovasculares a fim de solucioná-los, principalmente quando associados a antecedentes pessoais desfavoráveis(1-5).
Dentre os antecedentes pessoais, a HAS é considerada um dos principais fatores de risco para mediastinite, enquanto o DM é um temido fator de risco, pois as alterações microvasculares e glicêmicas que desencadeia podem interferir negativamente no processo cicatricial e em riscos aumentados para infecções. A obesidade igualmente prejudica a cicatrização da ferida operatória porque se relaciona ao rompimento das suturas cirúrgicas, facilitando a invasão bacteriana do sítio cirúrgico(7,10-12).
Dessa maneira, vislumbra-se o risco associado aos indivíduos obesos para o desenvolvimento de mediastinite. Potenciais explicações também incluem a inadequação de níveis séricos de antibióticos profiláticos no obeso, dificuldades técnicas para manter a esterilidade das dobras cutâneas nos períodos pré e intraoperatórios e a pobre perfusão dos tecidos adiposos(1-3).
Também foi registrada elevada prevalência para o hábito de tabagismo, sendo este um conhecido fator de risco para processos infecciosos, principalmente quando associado à DPOC(1,2,7,11), convergência que ocorreu em dois pacientes do estudo.
Salienta-se a preponderância de cirurgias para revascularização do miocárdio (CRVM) que antecederam o surgimento da mediastinite. Esta cirurgia possui como uma de suas principais complicações a referida infecção, principalmente quando associada à circulação extracorpórea, contudo o mecanismo responsável pela infecção não está totalmente esclarecido, mas acredita-se que seja multifatorial(3,4,6,10).
Entre os indivíduos pesquisados, a média de dias transcorridos entre o procedimento cirúrgico e o diagnóstico da mediastinite foi de 14,64 (±10,23) dias, o que representa um período relativamente curto, fato que contribui para um tratamento eficaz e com melhores prognósticos. O emprego de um tratamento com a maior brevidade torna-se imprescindível após o diagnóstico de mediastinite, pois reduz o risco de novas cirurgias, seja para lavagem do mediastino, seja para realização de esternectomia, procedimentos que se fazem necessários após a piora da infecção(2-5,12).
Estudos que envolvem essa temática referem uma mortalidade intra-hospitalar que varia entre 10% e 47%, apesar da implementação de tratamento precoce, com o uso dos mais avançados medicamentos e técnicas cirúrgicas. Esse índices sofrem enorme variação, dependendo do local onde as pesquisas foram desenvolvidas, bem como do perfil da população estudada(1-7,10,11). Nesse ínterim, a mortalidade observada nesse estudo foi de 34,6%, valor elevado, porém dentro dos índices descritos na literatura.
Também foram elevados os períodos de permanência hospitalar, com média de 85,73 dias (menor período de 20 dias e maior de 303 dias), relacionados à necessidade de reoperações para tratamento da mediastinite e da necessidade do uso de antibióticos por longos períodos. Essa média é superior àquela encontrada em indivíduos que se submeteram a procedimento cirúrgico, mas não vieram a desenvolver mediastinite(3,10,11).
Outras pesquisas demonstraram um período médio de internação hospitalar, que variou de 45,67 a 74,3 dias, com o menor período de internação sendo de 15 dias e o maior de 86 dias(2,3,6,7).
Tais fatos refletem a substancial morbidade relacionada à hospitalização prolongada, além dos riscos elevados para infecções nosocomiais e reações adversas a medicamentos. Os custos com o cuidado desses pacientes também são extremamente altos porque um paciente que desenvolve mediastinite eleva os gastos hospitalares em até três vezes, se comparado a um paciente que não sofre tal acometimento. Esse agravo também traz graves problemas psicológicos, tanto ao paciente, quanto para sua família(4-11).
CONCLUSÃO
A mediastinite é uma séria complicação de procedimentos cirúrgicos cardiovasculares, principalmente em cirurgias de revascularização do miocárdio, culminando em morbidade substancial, elevada mortalidade e altos custos hospitalares advindos da longa permanência hospitalar dos pacientes acometidos por este agravo.
As características dos indivíduos pesquisados foram em alguns ponto similares a outros estudos. Dados como idade dos pacientes e predomínio do sexo masculino alinham-se com resultados de pesquisas na temática aqui abordada.
Também coaduna com os resultados de pesquisas nesta área, o fato de que a maioria dos pacientes submeteu-se à cirurgia de revascularização do miocárdio, tendo como principal diagnóstico na admissão hospitalar o infarto agudo do miocárdio.
Destacaram-se a elevada proporção de hipertensão arterial, diabetes mellitus, hábito de tabagismo e obesidade, fatores que se sobressaem pela reconhecida influência no desenvolvimento de mediastinite, conforme dados da literatura.
A mortalidade dos indivíduos pesquisados encontrava-se em conformidade com os valores descritos nos estudos dessa temática. Porém, o tempo médio de internação desses pacientes apresentou-se acima da média registrada nas demais pesquisas.
As informações obtidas neste estudo permitem a construção de estratégias para uma população específica, que se encontra em risco para ser acometida por uma infecção com alta taxa de mortalidade. Os dados também permitem a construção de um instrumento específico para esta população alvo, a fim de dinamizar e potencializar a sistematização da assistência de enfermagem.
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CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
- Concepção e delineamento do estudo: Raul Amaral de Araújo, Natália Benedito de Oliveira, Hilda Silva Carrilho Barbosa.
- Coleta de dados: Raul Amaral de Araújo, Natália Benedito de Oliveira.
- Análise e interpretação dos dados: Raul Amaral de Araújo, Natália Benedito de Oliveira, Hilda Silva Carrilho Barbosa, Simone Maria Muniz da Silva Bezerra.
- Redação do artigo: Raul Amaral de Araújo, Natália Benedito de Oliveira, Hilda Silva Carrilho Barbosa, Simone Maria Muniz da Silva Bezerra.
- Aprovação final do artigo: Raul Amaral de Araújo, Natália Benedito de Oliveira, Hilda Silva Carrilho Barbosa, Simone Maria Muniz da Silva Bezerra.
Recebido: 07/09/2011
Aprovado: 28/06/2012