UMA VIDA, UMA HISTÓRIA, UMA ENFERMEIRA: SIDÊNIA ALVES SIDRIÃO DE ALENCAR MENDES
Ana Lucia Abrahão1, Donizete Vago Daher2, Nathalia Telles Paschoal Santos3
1, 2, 3 Universidade Federal Fluminense
RESUMO
A profissão de enfermagem incorpora e defende o compromisso por um fazer voltado para a vida, sem perder a política como elemento essencial desta profissão. Este artigo resgata parte da construção da trajetória de uma enfermeira militante que contribui com a formação da enfermagem brasileira: a professora Sidênia Alves Sidrião de Alencar Mendes. Em forma de narrativa, o texto objetiva, através da história da professora, registrar uma parte importante da formação e dos modos de fazer da profissão no Brasil.
Palavras-chaves: História; Memória; Enfermagem.
INTRODUÇÃO
A Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense é marcada pela personalidade de mulheres fortes, justas, éticas e comprometidas com prática centrada na pessoa, no usuário. Como a da professora Aurora de Afonso Costa, fundadora da Escola que sustentou com muita delicadeza e força o sonho de educar e formar moças, em território fluminense, para o exercício de uma nova profissão que tem como objeto de suas ações o corpo. Um sonho em uma época de costumes rígidos, uma sociedade patriarcal, uma realidade que revela o compromisso social e a solidariedade. Princípios em que a EEAAC/UFF pauta a sua formação.
Estes elementos se organizam e modelam a prática presente, somados a muitas características de mulheres, como as da professora Aurora que marcam a identidade e constroem o clima de pertencimento na EEAAC.
Neste artigo, buscamos apresentar uma pequena história de uma dessas mulheres. Sidênia Alves Sidrião de Alencar Mendes, professora, subchefe de departamento, coordenadora de curso de graduação (por dois mandatos consecutivos), vice-diretora do Centro de Ciências Médicas, diretora (por dois mandatos consecutivos ) da EEAAC, vice-presidente da Comissão de Educação da ABEn nacional, presidente da Associação Brasileira de Enfermagem(Seção Niterói) e conselheira do Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro.
O CAMINHO INICIAL EM MOMBAÇA
A professora Sidênia Alves Sidrião de Alencar Mendes nasce em uma família de políticos em Mombaça, uma pequena cidade do Ceará, em uma família de muitos filhos, tios e primos, com muito carinho e sob a tutela de um pai atento à ética, à solidariedade e à justiça social. Aspectos estes que ela começa a exercer desde muito cedo. Como todo pai nordestino rigoroso, o senhor Francisco não deixava sua querida filha sair de casa para viajar, mas a troca de cartas era permitida e é por este caminho que ela passa a conhecer o “mundo”. Faz muitas e muitas amizades que são cultivadas até hoje. Conhece várias cidades, regiões e promove muitos encontros. Com a experiência de trocar cartas desenvolve a sensibilidade para a escuta sensível do outro.
Foi através de sua avó, uma professora muito culta, que ela descobriu a história de Florence Nigthingale e Anna Nery. Assim se apaixona pela profissão e pelos livros sobre a história da enfermagem que devorava para espanto de seus professores.
A UNIVERSIDADE
O compromisso com um modelo de sociedade justa e solidária, que aprendeu desde muito cedo na família, é levado para a Faculdade de Enfermagem, em Fortaleza. Longe da sua Mombaça querida, ela passa a colocar em prática aquilo que ela via, ouvia e vivia junto de sua família que tanto ama.
Na Faculdade passa a imprimir na sua formação, como boa nordestina, o seu próprio destino. Ingressa nas discussões sobre uma sociedade mais justa, participa ativamente do movimento estudantil e durante um dilema entre ir a um torneio esportivo e fazer uma prova de conteúdo, ela opta pelo torneio pois neste espaço teria a possibilidade de reunir muitos colegas e alunos e o debate político era certo. Assim, uma idealista nata, marca e é marcada pela vontade de fazer uma política diferente, inclusiva, com participação do coletivo. Algo que a Universidade oferta, mas que por vezes não é entendida como elemento de formação. Sidênia, construindo o seu próprio currículo de formação, cria e exercita esta faceta da formação do enfermeiro que mais tarde, será um dos pilares da sua militância politica na profissão.
O CAMINHO EM NITERÓI
Ao término da graduação em Fortaleza surge a possibilidade de vir para Niterói, no Rio de Janeiro, para realizar Residência em Enfermagem. O acordo firmado com o pai de que regressaria a Mombaça assim que se formasse enfermeira se desfaz, marcado pela sua “inquietude genética”, e ela vem para Niterói. As novidades são muitas: Cidade nova, pessoas novas, oportunidade de fazer novas relações. Ganha na figura da Professora Vanda Rodrigues de Oliveira mais do que uma orientadora, uma amiga e parceira de muitos momentos. Esta a apresenta ao time de futebol Flamengo, paixão que passa a dividir com o seu querido Ceará Futebol Clube. Muitas foram às idas ao Maracanã, no Rio de Janeiro, com Dona Vanda, para torcer pelo querido Flamengo. No meio da imensa multidão de torcedores se renovava.
No Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense, onde realiza a Residência em Enfermagem, faz novas amizades e passa a escrever e fazer a diferença na assistência. Ao término da Residência é convidada para exercer o cargo de professora substituta na disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP) na Escola de Enfermagem da UFF, passando a articular aquilo que aprendeu em Mombaça com o conhecimento técnico-cientifico da enfermagem e a militância politica. A junção destes três elementos passa a ser a marca do trabalho e da produção científica da professora Sidênia. De professora substituta passa ao quadro permanente da Universidade e cria um respeitado espaço docente junto ao Setor de Doenças Infecto Parasitárias do Hospital Universitário Antônio Pedro.
O CAMINHO PELA PÓS-GRADUAÇÃO
Em São Paulo realiza o Curso de Especialização no Departamento de Enfermagem da Escola Paulista de Medicina e, sempre muito apaixonada pelas práticas educativas, busca, também em São Paulo, o Mestrado em Educação na Pontifícia Universidade Católica e passa a ter o grande educador Paulo Freire como seu professor e orientador de dissertação. Com ele, expande a sua capacidade de escutar e de fazer coletivo, pautadas sempre pela justiça e compromisso com o público e o social. Com ele, tem a oportunidade de desenvolver ainda mais aquelas idéias trazidas de Mombaça de que todos possuem saberes e são capazes de, cotidianamente, reconstruí-los. Saberes diferentes que produzem novos saberes.
A MILITÂNCIA POLÍTICA COMO BALIZADORA DAS PRÁTICAS DOCENTES E ASSISTENCIAIS
A vivência em São Paulo também produz uma nova e bela mudança em sua vida. Ali passa a ser o lugar do encontro com o amor de sua vida, com o professor Carlos Alberto Mendes. Com ele passa a lutar, na Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), Seção São Paulo, pela ética na profissão e por uma formação em enfermagem sólida comprometida com o social. O envolvimento com a ABEn é diferenciado. A disputa política e saudável pela democracia é feita pela agitação de passeatas, bandeiras, discursos e com a produção de muitas e novas amizades. Amigos que fazem a dinâmica pelo “Movimento Participação”. Este agita o Brasil, ganha corpo e ecoa de norte a sul neste país de dimensões continentais. Renova e fortalece a mais antiga e importante Associação da profissão. Espaço onde se aprende que o exercício da cidadania faz parte do exercício de ser enfermeiro.
Sidênia marca e é marcada pela sua participação na ABEn-Nacional. Experiência que ela traz, em sua bagagem, para dentro da Universidade, para o Curso de Graduação em Enfermagem da UFF. Movimenta-se com outros docentes, faz novas parcerias e amizades intensas. Na graduação, centrada na linha de Paulo Freire, mestre e sempre amigo, propõe a reformulação do currículo de enfermagem pautando a formação do enfermeiro nas necessidades de saúde da população. Para ela, a enfermagem foi e sempre será uma prática social com base em princípios científicos. Em uma entrevista ao COREN-RJ diz: “Estou realizada individualmente, mas não coletivamente, porque só acredito em realização social se nos engajarmos nas lutas pelo processo de construção de uma prática de enfermagem e de saúde democráticas, voltada para a formação de profissionais comprometidos com as mudanças sociais. Uma prática comprometida com a mudança nos serviços de saúde, transformadora, que resulte em atenção à saúde com qualidade.”
Sidênia vive intensamente o movimento da Reforma Sanitária brasileira. Participou de muitas discussões sobre o processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS) proposto para o Brasil e também sobre a importância de se mudar o processo de formação dos profissionais da saúde e em particular do enfermeiro. O movimento pelas mudanças curriculares nacionais que é liderado pela ABEn-Nacional na Escola de Enfermagem da UFF ganha eco com as oficinas e os amplos debates sobre o perfil do enfermeiro a ser formado. Sidênia, eleita Coordenadora de Curso de Graduação por dois mandatos consecutivos, faz a diferença na enfermagem fluminense. Num amplo processo de construção coletivo implementa um currículo inovador na Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa. Dado a sua importância como educadora, pesquisadora, coordenadora de Curso de Graduação, membro da Comissão de Educação da ABEn-Nacional, Presidente da ABEn-Niterói, Conselheira da COREn-RJ, dentre outros, é eleita diretora da Escola de Enfermagem da UFF por dois mandatos consecutivos. Realiza gestões marcadas pela projeção da Escola no cenário nacional e internacional. Apoia, incondicionalmente, a ampliação dos projetos de pesquisa e de extensão e o número de Cursos de Especialização e de Mestrado na Escola. Imprime uma gestão coletiva que marca de forma indelével sua passagem pela instituição.
A vida política universitária de Sidênia é inquieta e incessante na Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense (ADUFF), no Sindicato Nacional dos Docentes (ANDES) e nos diferentes fóruns da universidade. Conhecida pela sua integridade na politica é respeitada pelos segmentos de alunos, professores e de funcionários técnico-administrativo da Universidade. Qualidade esta que ela reconhece como tendo origem na prática paterna e da infância em Mombaça.
Como avó é uma excelente mãe. Seus netos Lucas, Luiza e Talita sabem bem o conforto do limite e do amor da relação que nasce das conversas, das broncas e do carinho com ela.
No movimento de resgate do Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (COREN-RJ), não se furtou ao debate. Reconhece a importância de discutir, de fazer a democracia ser de fato um direito do enfermeiro no estado do Rio de Janeiro, mesmo sob o risco que esta opção oferece.
Amiga como poucas, sabe qual o valor da palavra amizade. Reconhece as diferenças e cresce com elas. Reconhecer seus erros e buscar repará-los é uma prática respeitada e admirada por todos aqueles que estão por perto. Elemento este que é reconhecido por todos os Conselheiros do Conselho Universitário da Universidade Federal Fluminense. Uma pessoa que transita marcando a sua posição com segurança e docilidade pelos diferentes grupos da Universidade.
ABRINDO OUTROS CAMINHOS
O risco está sempre presente, ele é inseparável da dinâmica das opções de vida que Sidênia vem produzindo ao longo da vida. Neste movimento foi se tecendo um território rico e intenso de muita luta, muitas conquistas e pela via da produção da enfermagem dinâmica.
Sidênia múltipla: mulher, filha, enfermeira, aluna, avó, professora, sempre e sempre comprometida com a vida, com a saúde, com a enfermagem e, sobretudo, com a justiça social.
Elementos que ela redescobre a cada dia e imprime nos alunos da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa o gosto: a ética o compromisso e a alegria de ser enfermeira.
Recebido: 27/01/2012
Aprovado: 27/01/2012