A dependência química como fator de risco para a violência doméstica contra a mulher

 

Tatiane Herreira Trigueiro1, Liliana Maria Labronici2

 

1,2Universidade Federal do Paraná.

 

RESUMO

Problema:A violência doméstica contra as mulheres afeta a saúde como um todo, e o enfermeiro deve ser capacitado não somente para reconhecê-la, mas atendê-las, e ser capaz de reconhecer os fatores de risco que podem desencadeá-la, a fim de preveni-la. Objetivo: identificar fatores de risco que desencadeiam a violência doméstica. Metodologia: Pesquisa qualitativa exploratória, desenvolvida em um Serviço de Acolhimento Institucional de Curitiba/PR, de dezembro 2010 a fevereiro de 2011 com 08 mulheres. A coleta de dados ocorreu mediante entrevista semi-estruturada gravada, e da análise de conteúdo temática emergiu o tema: A dependência química como fator de risco para a violência doméstica. Resultados e Discussão: A dependência química do álcool e crack pelos companheiros é um fator de risco que desencadeou a violência doméstica física, psicológica e patrimonial, afetou necessidades humanas básicas, gerou medo e desestruturou a relação familiar, e isso as fez abandoná-los e procurar o Serviço de Acolhimento. Considerações Finais: A presença do enfermeiro neste local é imprescindível, porquanto a violência praticada contra as mulheres afetou sua multidimensionalidade, e isso requer o desenvolvimento de ações de cuidado tanto técnicas como expressivas relacionadas à subjetividade, a fim de prevenir doenças, promover a saúde e melhorar a qualidade de vida.

Descritores: Enfermagem em saúde pública; Violência doméstica; Fatores de risco.

 

Introdução

Atualmente a violência é uma realidade que está presente nas estatísticas mundiais, é um fenômeno complexo que engloba aspectos jurídicos, sociais, culturais e da saúde, pois traz consigo o desequilíbrio, a desordem e a perturbação tanto a nível individual, quanto coletivo. Configura-se como o uso da força física ou psicológica, que venha a causar lesões físicas, transtornos psicológicos ou de desenvolvimento, privações ou até mesmo a morte, contra si mesmo, outra pessoa ou comunidade. Portanto, é vista como um problema de saúde pública mundial1.

A violência como um problema de ordem global, pode ser considerada um fenômeno social que ocorre devido a uma multiplicidade de fatores, pois está presente em diversos cenários, expressa-se de diferentes maneiras e acomete crianças, idosos, adolescentes, portadores de deficiência, homens e mulheres sem distinção de raça, religião e classe social2. Quando atinge as mulheres dentro do próprio lar denomina-se violência doméstica.

A violência doméstica contra a mulher é definida na Lei 11.340/06, também denominada Maria da Penha, como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause algum dano físico, psicológico, sexual ou moral dentro do ambiente doméstico, seu espaço de convivência permanente com indivíduos da sua família, sejam eles consangüíneos ou não, permanentes ou passageiros3.

Em uma investigação epidemiológica realizada pela Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) de setembro a novembro de 2009, em 136 serviços de urgência e emergência em várias capitais de estados e municípios do Brasil, constatou que dos 4.012 atendimentos realizados por violência, 27,35% eram do sexo feminino. Deste total, 56% afirmaram que o local da violência foi a residência, em 84% dos atendimentos ocorreu agressão/maus-tratos. Na maioria dos casos (34,30%) a agressão foi cometida por companheiro ou ex, e o tipo de violência mais sofrida foi a física (94,10%), seguida da psicológica (36,2%)4.

Importante se faz destacar que, de acordo com a Lei 10.778/03 a violência contra mulher é um agravo de notificação compulsória. Desta forma, as vítimas que procurarem o serviço de saúde público ou privado, em território nacional, devem ser obrigatoriamente registradas, a fim de que seja possível o seu controle, e a implementação de medidas de intervenção5.

Para que as notificações dos casos de violência doméstica sejam efetivas, é de fundamental importância capacitar os profissionais de saúde, a fim de que possam reconhecê-la, bem como conhecer os fatores de risco individuais e coletivos, saber como agir, e desenvolver ações que possam diminuí-los ou eliminá-los, de modo que isso possa influenciar nas relações pessoais que cercam a família e a sociedade1.

As mulheres vítimas de violência doméstica geralmente procuram ajuda nos serviços de saúde, e o enfermeiro deve ser capaz de reconhecer o problema e desenvolver um cuidado efetivo. Todavia, é necessário que esteja capacitado, pois a falta de preparo nos atendimentos repercute em pouca resolutividade do cuidado, o que pode vir a tornar o problema ainda mais grave, por favorecer invisibilidade da situação ao afastar as vítimas do setor da saúde, e com isso, limitar um dos acessos a denuncia6.

O enfermeiro, ao desenvolver o cuidado às mulheres vítimas de violência doméstica deve fazê-lo de forma humanizada, por meio do estabelecimento de uma relação que a faça se sentir segura, cuidada, e que permita o diálogo sobre os motivos que levaram a esta condição. Assim, abrem-se os caminhos para que o profissional procure alternativas de enfrentamento do problema destas mulheres6.

Diante do exposto a pesquisa se justifica, vez que ao conhecer os fatores de risco da violência doméstica contra as mulheres, o enfermeiro em suas ações de cuidado poderá realizar a prevenção deste agravo, mediante a identificação das mulheres em situação de risco em sua área de abrangência profissional e, dessa forma, realizar a promoção da saúde e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida.

Nesse sentido, esta pesquisa tem como questão norteadora: Quais são os fatores de risco da violência doméstica? Tem-se como objeto de estudo os fatores de risco da violência doméstica, e como objetivo identificar fatores de risco que desencadeiam a violência doméstica.

 

Metodologia

Trata-se de pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, porquanto esta tem como base a descrição de determinada experiência vivida, que possibilita conhecer a subjetividade do outro7.

A pesquisa exploratória é utilizada quando se deseja investigar uma nova área ou tópico, a fim de revelar as várias maneiras pelas quais um fenômeno se manifesta, assim como, sua natureza e os fatores que estão relacionados à ele7.

O local de desenvolvimento da pesquisa foi um Serviço de Acolhimento Institucional na cidade de Curitiba/PR, o qual abriga mulheres vítimas de violência doméstica acima de 18 anos, acompanhada ou não dos seus filhos. No período de dezembro de 2010 a fevereiro de 2011, com 08 mulheres que residiam no local.

Os dados foram coletados por meio de entrevista semi-estruturada individual, gravada, com a seguinte solicitação inicial: Fale-me porque você veio para esta casa abrigo? Posteriormente, foram transcritas na íntegra e analisadas através da Análise de Conteúdo Temática proposta por Bardin, a qual possui quatro etapas: organização da análise, codificação, categorização e inferência8. Da sua análise emergiu a seguinte temática: A dependência química como fator de risco para a violência doméstica.

No que diz respeito aos aspectos éticos o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (C.A.A.E.: 0042.0.091.000-10), e as mulheres confirmaram sua participação por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para garantir a confidencialidade dos dados e o anonimato, os nomes foram substituídos pela letra M (mulher), seguido de algarismos arábicos de 1 a 8, conforme a ordem de realização das entrevistas.

 

Resultados

Constatou-se que as 08 mulheres vítimas de violência doméstica residentes no Serviço de Acolhimento Institucional foram agredidas por seus companheiros.

O álcool foi a droga de dependência do companheiro mais citada pelas mulheres que participaram desta pesquisa, e está associada à violência doméstica sofrida, conforme elucidam os discursos a seguir: 

[...] vinha bêbado em casa, batia em mim [...] (M1)

Eu vim pra cá também porque meu marido bebia...Aí ele batia em mim [...] eu descobri que ele ta com droga foi agora esses dias, mas beber faz muito tempo. Desde que nos casamos que ele vem me batendo e bebendo. (M2)

É possível constatar que nas falas de M1 e M2 os episódios de violência doméstica sofrida também ocorreram quando o companheiro estava sob o efeito do álcool, razão pela qual procuraram ajuda.

A primeira fase dos sintomas após a ingestão de álcool é favorável para que os episódios de agressão venham a ocorrer. A agressividade liberada pela euforia, a diminuição do pudor e da fala, conforme os fragmentos dos discursos abaixo:

[...] ele bebia e ficava violento, queria bater em mim, quebrava as coisas dentro de casa; ele bebia e tinha essa reação [...] teve um dia que ele tava bêbado, me pegou pelos braços, e começou a gritar que eu não limpava isso, não fazia aquilo. (M6)

[...] quando foi seis horas ele chegou, bêbado, bêbado. Eu falei com ele, e já me mandou calar a boca. Daí ele entrou, eu fui ao banheiro, quando eu entrei no quarto já me deu um soco,e ficou reclamando porque eu não tinha ido dormir antes, e me deu um chute. (M8)

Os relatos de M6 e M8 mostram que a perda dos limites e agressividade pelo companheiro alcoolizado dirigidos a elas dentro do lar, culminou em violência física e psicológica.

Além da dependência química do álcool, o crack também foi mencionado pelas mulheres participantes da pesquisa como droga de uso cotidiano do companheiro, conforme elucidado nas falas a seguir:

[...] minha vida virou um inferno [...] ele fumava droga a noite inteira [...] começou a me bater por causa disso; ficava alucinado demais [...] me ameaçou com uma faca; ele tava muito drogado e bêbado. Eu tava com medo e fugi, corri dele duas horas da manhã [...] Todo dia ele tava drogado. O problema dele era o crack [...] daí ele ficava agressivo. Quando não tinha ele ficava nervoso, então descarregava em mim [...] e junto com a bebida ficava alucinado, não enxergava nada. Quem tivesse na frente dele ele jogava longe. Aí eu não aguentei mais tanta humilhação, tanto sofrimento, tanto xingamento de coisa que eu nunca fui. (M3)

[...] não tinha o que comer, eu tinha que ficar na casa dos outros, pedindo as coisas e ele só bebendo, se drogando, e começou de novo a me bater. Sempre drogado, cada dia mais drogado. Tinha dia que ele chegava se mordendo, com a boca queimada por conta do crack, de tanto que fumou droga. Ah não quero mais isso pra mim. (M5)

Os relatos de M3 e M5 mostraram que o companheiro ao consumir crack ficava mais agressivo, agitado, o que desencadeava a violência doméstica. Não obstante, a associação do crack com o álcool potencializava a agressão cometida a elas.

Diante da busca constante dos efeitos que o crack provoca, os companheiros ao adquiri-lo com mais freqüência, tornaram-se dependentes. Esta dependência demandava mais recursos financeiros, e diante das dificuldades para obtê-los, partiram para a negociação de objetos pessoais e dos familiares, a fim de alimentar seu vício. Isso pode se constatado nas falas a seguir:

[...] quando ele começou com o crack [...] aí a coisa ficou feia, destruía tudo dentro de casa, roubava até roupa do meu filho, minha, tudo que ele via que “dava jogo” ele vendia. Até com o meu botijão de gás ele fez isso, ele vendeu tudo que tinha dentro de casa...tudo...eu fiquei até sem roupa. (M3)

[...] ele passava a noite toda fora fumando crack e voltava pra casa de manhã [...] Ele começou a furtar minhas coisas, levou tudo, minha televisão, DVD, meu carro, furtou tudo, até as comidas de dentro de casa, a última coisa que ele roubou antes de eu sair de lá foi minhas panelas. (M7)

A destruição do lar, de roubo de objetos da casa, da família e de uso pessoal dessas mulheres pelo companheiro era um dos meios utilizados para a obtenção da droga e se configura como violência patrimonial.

As mulheres entrevistadas relataram que o consumo de crack pelos companheiros gerou sentimentos como o medo, conforme pode ser identificado nas falas abaixo:

Você vê uma pessoa até as 5 horas da manha bêbado, usando droga dentro de casa, e acha que consegue dormir? Eu não conseguia dormir mais. Ele ficava na parte de baixo usando droga, e ia ficando transtornado. E o meu medo aumentava cada vez mais depois daquele dia que ele queria me bater e jogar da escada. E se ele se revolta e quer matar a gente? Eu tava todo dia sem dormir um pingo, com medo, cada vez mais medo. (M6)

Quando ele saía de noite pra ir fumar droga eu não dormia. Qualquer barulhinho eu já ficava atenta [...] Imagine você não poder dormir de noite [...] Então quando você tem uma pessoa dentro de casa que não deixa você nem dormir de noite como é que faz? A única coisa que tem que fazer é abandonar o barco. (M7)

Os relatos de M6 e M7 mostraram que o abuso de drogas por parte do companheiro modificou a relação conjugal, porquanto não há mais diálogo, afeto, segurança e estabilidade, e também interferiu na qualidade de vida, pois não conseguem nem mesmo ter outra necessidade humana básica atendida – o sono, visto que o comportamento agressivo é uma constante e gera o medo.

 

Discussão

A violência contra a mulher pode ser desencadeada por diversos fatores, e entre eles está a dependência química do companheiro/agressor. Esta pode interferir na dinâmica relacional do casal, bem como na estrutura familiar em função do risco que todos estão expostos. Assim sendo, o risco leva a predisposição individual ou coletiva, para uma situação negativa, indesejável ou com um mau resultado no futuro próximo ou distante9. Quando perpetrada pelo parceiro íntimo traz consigo sentimentos de decepção, perda, fracasso, mágoa, em virtude do envolvimento emocional com o agressor.

As conseqüências desses sentimentos repercutem na saúde física e mental dessas mulheres, limitando sua capacitada produtiva, qualidade de vida e auto-estima10. Neste sentido, a presença do enfermeiro em serviços especializados no atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica é imprescindível, porquanto pode realizar a consulta de enfermagem e implementar ações de cuidado, tanto técnicas como expressivas, direcionadas para a prevenção e promoção da saúde e, consequentemente, para a melhora da qualidade de vida11.

As ações de cuidado técnicas dizem respeito aos aspectos fisiológicos, e as ações expressivas estão relacionadas à subjetividade, pois é nesta que ficam guardados os medos, os fantasmas, as aflições que permeiam o cotidiano dessas mulheres, e que podem afetar o modo de ser e estar no mundo11. Adentrar na subjetividade das mulheres vítimas de violência doméstica propicia entre outras coisas conhecer os fatores de risco, e isso leva à melhor identificação da população e do ambiente, o que favorece a elaboração de programas preventivos e específicos, que contenham planos de ação focalizados na realidade a ser trabalhada, de modo que sejam evitados ou amenizados12.

Um dos fatores de risco que fazem com que certas populações sejam mais propícias à vitimização e à perpetração da violência é o envolvimento com drogas lícitas como tabaco, álcool, tanto a nível individual como parental13.

O álcool de acordo com a legislação brasileira não é considerado uma droga ilícita, mesmo diante dos malefícios que pode vir a ocasionar quando ingerido em excesso como, acidentes de trânsito, dependência e a violência. Diante destes problemas, acarreta altos custos para a sociedade, visto que afeta a saúde da população e, dessa forma, configura-se também como um dos problemas de saúde pública no Brasil14.

O álcool é classificado entre as drogas psicotrópicas como um depressor da atividade do Sistema Nervoso Central. Contudo, sua ingestão provoca diversos efeitos, e que são divididos em duas fases: a primeira é estimulante, porque nos primeiros momentos pode aparecer a euforia, desinibição e loquacidade. Já na segunda fase, ocorrem os efeitos depressores como falta da coordenação motora e de sono14.

Pesquisa15 realizada em 7.939 domicílios de 108 cidades brasileiras, entre agosto e dezembro de 2005, que constatou a ocorrência de algum tipo de violência em 2.661 domicílios. Deste total, em 1.361 os agressores estavam sob o efeito do álcool no momento da agressão. De acordo com a caracterização das vítimas de violência doméstica por agressor alcoolizado, foram identificadas 1.173 pessoas, sendo 749 do sexo feminino. Dentre estas 398 eram as companheiras do agressor alcoolizado.

Outra investigação16que também ratifica o relato anterior foi realizada em 2005, com 20 famílias da cidade de Fortaleza, no Ceará, e teve como um dos objetivos identificar os fatores que propiciam a violência doméstica. Constataram que deste total, 16 viviam maritalmente, 11 mencionaram que pelo menos um dos membros da família era dependente do álcool, e isso gerava discussão entre os casais.

Um estudo caso-controle17realizado no município de João Pessoa, Paraíba, entre 2004 e 2005, com 260 mulheres, das quais 130 nunca tinham sofrido violência doméstica e 130 tinham sido vítimas. Deste total, 118 alegaram que algum dos membros de sua família usava drogas, e o álcool era a mais consumida (76,2%). O consumo exclusivo desta droga apresentou um risco seis vezes maior de ocorrer violência doméstica em relação às famílias que não consumiam nenhuma droga. Não obstante, quando o consumo do álcool esteve associado a outras drogas como a maconha, crack e cocaína, a chance de agressão dentro do lar passou a ser vinte e nove vezes maior.

O crack é um derivado da cocaína, apresenta-se sob a forma de base, pouco solúvel em água, volatiza quando aquecida, e é mais utilizada em “cachimbos”. Sua via de uso é a pulmonar, e em função da intensa vascularização proporciona uma absorção muito rápida em cerca de 10 a 15 segundos. Os primeiros sintomas são midríase, aumento da pressão arterial, taquicardia, contrações musculares, e de acordo com a quantidade ingerida pode ocorrer convulsão, parada cardíaca, coma e até a morte14.

Os efeitos do crack duram cerca de apenas cinco minutos, e isso faz com que o usuário a utilize com mais frequência, em uma busca constante das sensações que a droga provoca, levando-o rapidamente à dependência. Com o aumento do seu uso, consequentemente, há também a necessidade de aumentar a demanda de dinheiro para sua obtenção, fazendo com que o indivíduo utilize e esgote toda sua reserva monetária14.

Diante da falta de dinheiro para obtenção de mais droga, o dependente químico parte para a negociação de objetos pessoais com quem convive, como de sua companheira, ou de uso em comum da família, o que se configura, de acordo com a Lei 11.340/06, como violência patrimonial. Esta é definida como, “ações que levam a retenção, subtração, destruição de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”3.

Os indivíduos que utilizam o crack com frequência sentem a necessidade de aumentar a dose para sentir os mesmos efeitos psicológicos iniciais como sensação de grande prazer, intensa euforia/excitação, poder, perda da sensação de cansaço, hiperatividade e insônia, em virtude da tolerância que a droga induz. Dessa forma, essas quantidades maiores ocasionam um comportamento mais violento, irritabilidade, tremores e atitudes estranhas14, que afeta a todos os membros de convívio familiar.

A relação familiar quando algum de seus membros é dependente químico fica conturbada em função da alteração comportamental do usuário, que pode, inclusive, praticar a violência física e/ou psicológica a outros de seus membros, como nesta pesquisa, em que as mulheres foram vítimas das agressões. Assim, a instabilidade, a incerteza, a insegurança e o medo passaram a fazer parte do cotidiano delas.

Os efeitos desencadeados pelo medo provocam diferentes reações nas mulheres que experienciam violência doméstica, contudo, suas marcas ficam guardadas na memória, constituindo, assim parte de sua história, cultura e experiência de vida. Estas lembranças podem permanecer vivas por um longo período na mulher, provocando danos à saúde mental como, depressão, isolamento social, mal estar permanente11.

Diante das conseqüências à saúde das mulheres vítimas de violência doméstica praticada pelo parceiro íntimo, o enfermeiro deve estar capacitado para reconhecer os fatores de risco que envolve este fenômeno, assim como sinais e sintomas apresentados por essa população.

Ao realizar o cuidado às mulheres vítimas de violência doméstica, o enfermeiro deve desenvolver o cuidado baseado não somente nas práticas tecnicistas que não permitem chegar à compreensão desse fenômeno, visto que algumas de suas conseqüências não deixam marcas visíveis, mas sim naquelas voltadas na interação, pautada na solidariedade, confiança, reconhecimento e respeito às diferenças, com o objetivo de proporcionar o alcance da emancipação dessas mulheres10.

O enfermeiro ao planejar as ações de cuidado às mulheres vítimas de violência doméstica, além de promover o acolhimento, deve também refletir constantemente sobre suas ações, resultados e forma de abordagem, além dos conhecimentos que possui a respeito do assunto, das políticas públicas de saúde e das legislações que envolvem esta problemática, a fim de aprimorar cada vez mais a proteção dessas mulheres e promoção de sua saúde6.

 

Considerações Finais

A pesquisa possibilitou constatar que o consumo de álcool e crack pelo companheiro/parceiro íntimo foram fatores de risco que desencadearam a violência doméstica do tipo física, psicologia e patrimonial contra as mulheres participantes da pesquisa.

A violência doméstica do tipo física, psicológica e patrimonial sofrida pelas mulheres interferiu e desestruturou a relação conjugal em função das constantes agressões sofridas no cotidiano.

O comportamento dos companheiros dentro do lar direcionados às mulheres fez com que suas necessidades humanas básicas como, alimentação, sono, segurança fossem afetadas, em virtude da insegurança e medo, o que interferiu na qualidade de vida delas. Além disso, a incerteza, a destruição da relação e dos bens desencadeada pela dependência química fizeram com que estas mulheres abandonassem o agressor, e procurassem um Serviço de Acolhimento Institucional, visto que o local pode proporcionar um ambiente seguro e sem riscos à integridade física e psicológica, e promover a reinserção social e familiar.

Destarte, ao finalizar a pesquisa foi possível refletir sobre a importância da inserção do enfermeiro nos Serviços de Acolhimento Institucional e especializados no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica, porquanto esse fenômeno afeta a multidimensionalidade delas. O atendimento poderá ser feito individualmente, mediante consulta de enfermagem, com o desenvolvimento de ações de cuidado técnicas que se relacionam com o fisiológico, e ações expressivas que envolvem a subjetividade e cultura delas, a fim de identificar fatores de risco, prevenir doenças, promover a saúde, e melhorar a qualidade de vida. Além disso, poderá realizar oficinas de educação em saúde.

Os achados desta pesquisa tornam-se relevantes para a ampliação e construção do conhecimento deste fenômeno complexo que é a violência doméstica contra a mulher, e mostra a importância da inserção do enfermeiro nos Serviços de acolhimento Institucional, porquanto é um cenário que muitas vezes é a porta de entrada dessa população.

 

Referências

 

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Contribuição dos autores

Concepção e desenho: Tatiane Herreira Trigueiro, Liliana Maria Labronici.  Pesquisa bibliográfica: Tatiane Herreira Trigueiro, Liliana Maria Labronici. Coleta dos dados: Tatiane Herreira Trigueiro. Análise e interpretação: Tatiane Herreira Trigueiro, Liliana Maria Labronici. Revisão crítica e aprovação final do artigo: Tatiane Herreira Trigueiro, Liliana Maria Labronici.

 

Endereço para correspondência: Tatiane Herreira Trigueiro. Rua José de Alencar, 145, apartamento 11 – Cristo Rei. CEP: 80050-240. Curitiba-PR, Brasil. E-mail: tatiherreira@hotmail.com