SENTIMENTOS E VIVÊNCIAS DE OBESOS PARTICIPANTES EM GRUPO DE APOIO: ESTUDO EXPLORATÓRIO

Aliny de Lima Santos1, Rafaela Pasquali2, Sonia Silva Marcon3

1, 2 Universidade Estadual de Maringá;3 Universidade Paranaense- UNIPAR.

RESUMO

A obesidade é considerada uma doença estigmatizante, geralmente associada a preconceito, insatisfação pessoal com a autoimagem e sentimento de inadequação social, fatores que dificultam seu controle. O estudo teve como objetivo conhecer os significados de “conviver com a obesidade” para participantes de um grupo de autoajuda de obesos, bem como identificar a percepção destes sobre a participação no grupo. O estudo é de caráter exploratório com abordagem qualitativa e foi realizado com 14 participantes de um grupo de autoajuda de obesos da cidade de Maringá - PR. Os dados foram coletados no período de setembro a dezembro de 2010, por meio de observação e gravação dos encontros e de entrevista semiestruturada. A análise dos dados ocorreu de acordo com a análise de conteúdo. O estudo seguiu as diretrizes da Resolução 196/96. Os depoimentos mostraram sentimentos de preconceito, autopreconceito, desânimo e inadequação social, gerando insegurança e fuga social e dificuldades relacionais.  Os participantes revelaram frequentar o grupo em busca de apoio, compreensão e afinidade com indivíduos que conhecem de perto a sua problemática, evidenciando mudanças em suas vidas diante desta participação. As implicações para a enfermagem são que o trabalho com grupos reduz custos e tempo na assistência, além de proporcionar maior convívio entre o profissional e o cliente, reduzindo a relação verticalizada entre ambos e facilitando a melhoria da oferta do cuidado em saúde.

Palavras-chave: grupos de auto ajuda; obesidade; imagem corporal; autocuidado.

 

 

INTRODUÇÃO

 

A obesidade tem sido definida como o “acúmulo excessivo de tecido adiposo no organismo” (1). Fatores genéticos, físicos, psíquicos, ambientais, familiares e comportamentais podem coexistir e favorecer seu aparecimento ou mesmo  agravar o quadro. Ela tem sido vista como um transtorno clínico associado a doenças crônicas, especialmente às cardiovasculares, e à morte prematura (2).

A obesidade pode ser classificada nos graus I, II e III e seu diagnóstico é feito a partir do Índice de Massa Corporal (IMC), determinado pela relação entre peso e altura (3). Independente, porém, do grau de obesidade, os padrões vigentes na sociedade contemporânea enfatizam mais a imagem corporal do que a saúde e a prevenção de doenças que a manutenção do peso pode proporcionar, levando à insatisfação e ao incômodo com o excesso de peso (2).

Esta “visão negativa do corpo” faz com que obesos relacionem a forma física com a aceitação, o sucesso social e a felicidade. Os problemas emocionais são geralmente percebidos como consequências da obesidade, embora conflitos e problemas psicológicos de autoconceito possam preceder o desenvolvimento da mesma (1). Alguns transtornos psicológicos tais como depressão, ansiedade e dificuldade de ajustamento social, podem ser observados em indivíduos com obesidade  e atuar como causa ou como efeito do processo de aumento do peso (2).

O comportamento de esquiva social, por sua vez, prejudica a qualidade de vida dos indivíduos, de modo que a preocupação com os aspectos psicológicos associados à obesidade são cada vez mais frequentes, principalmente aqueles relacionados à imagem corporal3. O termo imagem corporal refere-se a uma ilustração que se tem acerca do tamanho, imagem ou forma do corpo, como também aos sentimentos relacionados a essas características, ou seja, é o “retrato mental” da própria aparência física (2).

Por se sentirem estigmatizadas, as pessoas obesas evitam o convívio social, desistem da busca por assistência profissional e em alguns casos entram no processo de “aceitação da obesidade”, resultando no agravo cada vez maior desta problemática(5). Para indivíduos que vivenciam este tipo de conflito e sentem-se incapacitados para alcançar a resolução, o apoio e incentivo provenientes de amigos e familiares, e até o suporte religioso, são essenciais para o bem-estar pessoal e exercem importante papel; porém quando realizados em grupos de iguais, podem tornar-se ainda mais efetivos(6).

O trabalho com grupos caracteriza-se como uma forma mais econômica de intervenção, pela possibilidade de assistir um maior número de clientes ao mesmo tempo, resultando no uso mais eficiente do tempo e energia por parte dos profissionais, além de proporcionar um melhor feedback entre o cliente e o profissional de saúde(7). Costuma constituir um ambiente de motivação para o tratamento pelo compartilhar de dificuldades e pela busca de alternativas para superá-las, além da construir vínculos, em que cada indivíduo passa a servir de suporte para outros que enfrentam a mesma situação, buscando estimular os participantes a encontrar recursos para lidar com a doença/problema e seus efeitos sobre sua vida(7).

Diante do exposto, o estudo tem como objetivo conhecer os significados de “conviver com a obesidade” para participantes de um grupo de autoajuda de pessoas obesas, bem como identificar a percepção destas sobre a participação neste grupo. 

 

METODOLOGIA

 

O estudo é exploratório com abordagem qualitativa e foi realizado junto a 14 participantes de um grupo de autoajuda de pessoas com sobrepeso  e não tem fins lucrativos nem vínculo com qualquer instituição de saúde. O grupo, denominado “Grupo de apoio Livre para Emagrecer Graças a Deus”, foi fundado há pouco mais de um ano, por uma assistente social na Cidade de Maringá - PR.

As reuniões são realizadas quinzenalmente em uma escola privada, têm duração média de 60 a 90 minutos e são desenvolvidas a partir de verbalizações, reflexões e discussões de problemas e aspectos da vida dos participantes e sua relação com a obesidade. São ainda realizadas palestras e orientações por profissionais de saúde voluntários sobre reeducação alimentar, benefícios da atividade física e complicações e agravos associados à obesidade, de acordo com a solicitação dos participantes. O grupo é aberto para pessoas de ambos os sexos que desejem reduzir o peso, desde que tenham sobrepeso e sejam maiores de 18 anos.

A coleta de dados foi realizada no período de setembro a dezembro de 2010, por meio de observação e entrevista. A observação ocorreu durante sete sessões do grupo de autoajuda. Durante o período de coleta de dados as sessões do grupo foram gravadas por meio de um aparelho digital (MP3) e depois transcritas na íntegra para análise posterior. No início do período de coleta de dados todos os participantes tiveram seu peso e altura mensurados para o cálculo do IMC. Nas sessões seguintes, por solicitação dos participantes, também foram verificados o peso, a glicemia capilar e a pressão arterial. Estas atividades produziram dados que, embora não constituíssem objeto de investigação, contribuíam para o bom funcionamento do grupo, pois suscitavam discussões e até estimulavam a frequencia às reuniões. Os pontos de corte propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) foram utilizados como critério de diagnóstico do estado nutricional. De acordo com este critério, pessoas com IMC entre 25 e 29.9 kg/m² são classificadas na condição de sobrepeso e aquelas com IMC ≥ 30, como obesas, a saber: IMC entre 30.0 e 34.9 kg/m² é classificada como obesidade grau I, entre 35.0 e 39.9 kg/m², obesidade grau II e IMC > 40.0 kg/m², obesidade grau III(3).

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas individualmente ao término da última sessão do grupo, em sala reservada, nas dependências da escola. Elas foram gravadas e a questão norteadora foi: “Fale-me sobre como foi para você participar deste grupo. Mudou algo em sua vida devido à participação no grupo?”.

A análise dos dados ocorreu por meio da análise de conteúdo, seguindo as seguintes etapas: 1) apreensão de informações com leituras e releituras dos encontros e das entrevistas; 2) codificação dos dados; 3) seleção dos códigos referentes ao processo de viver com obesidade; 4) elaboração de categorias; e 5) interpretação dos achados.

O desenvolvimento do estudo ocorreu em conformidade com os preceitos éticos disciplinados pela Resolução 196/96 e seu projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer N.º 623/2010).

 

RESULTADOS

 

Participaram do estudo doze mulheres e dois homens, com idades entre 40 e 64 anos e IMC variando entre 31.53 e 34.68 . Ao analisamos os depoimentos emergiram duas categorias: 1) Convivendo com a obesidade: sentimentos, conceitos e preconceitos, com a subcategoria Conhecimento sobre alimentação saudável; e 2) Vivenciando a participação em um grupo de autoajuda: expectativas e percepções - também com uma subcategoria, intitulada Percebendo mudanças.

 

Convivendo com a obesidade: sentimentos, conceitos e preconceitos

Na sociedade contemporânea é uma realidade a exigência de um corpo magro, que é tido como perfeito e saudável e é muito valorizado.

[...] sinto que ninguém gosta de mim sendo gorda. Reclamo todos os dias por isso. (E1-92kg, 49 anos)

 

[...] percebo que meu marido nem gosta mais de mim, me acha feia [...] é muito difícil ser tão gorda! Às vezes sinto muita vergonha de mim e nem quero sair na rua. (E1-92kg, 49 anos)

 

 

Percebe-se neste depoimento a presença do preconceito dessa mulher em relação a mesma. A depoente acredita vivenciar uma situação de julgamento e afastamento por parte das pessoas de seu convívio e relaciona isso ao fato de “ser gorda”. Durante os encontros, era facilmente observado, por sua fala, que ela associa a sua imagem corporal e seu excesso de peso à dificuldade em sua vida conjugal, expressando a falta de sentimento do companheiro e culpando-se por isso, pois, por não estar feliz com seu corpo, acredita não ser mais amada pelo companheiro.

Neste caso, acreditamos que o preconceito e o autopreconceito são mais imaginários que reais, já que E1 reflete toda a insatisfação com seu peso e imagem corporal no que acredita ser um afastamento e ausência de apoio por parte do cônjuge. Diante do preconceito real ou da sombra dele, o indivíduo se esquiva de sua vida, sente-se perseguido e preterido por amigos e familiares e mais ainda por pessoas que não o conhecem.

[...] quando um gordo sai na rua é sempre um ponto de referência para outras pessoas, e normalmente se recordam de você dizendo: Aquela senhora gorda, ou alo do lado da senhora gorda [...] as pessoas têm muito preconceito. (E2-103kg, 62 anos)

 

 

Observamos no depoimento de E2 a percepção de preconceito advinda da sociedade de um modo geral.

Cumpre também considerar que a obesidade exerce forte influência sobre o desenvolvimento de atividades diárias e cotidianas, provocando mudanças e dificultando a realização de atividades inerentes aos hábitos de vida, devido ao excesso de peso ou ainda às patologias associadas. Este fato foi bastante mencionado durante os encontros, especialmente pelas participantes do sexo feminino, associando as dificuldades em realizar afazeres domésticos:

 

[...] ser gorda é uma coisa difícil! Não consigo fazer várias coisas, especialmente as coisas de casa. É difícil para lavar uma louça, roupa, limpar a casa mesmo sabe? Porque não consigo passar muito tempo em pé, que minhas pernas doem. Acho que é porque o corpo pesa muito, não é? [risos] Sei que quando era mais magra tinha uma facilidade maior de fazer tudo. (E10-97kg, 48 anos)

 

 

A obesidade cria uma enorme carga psicológica negativa e pode ser caracterizada como efeito negativo da doença, implicando em uma percepção ruim em relação à sua saúde e à vida de forma geral. Os participantes consideram sua qualidade de vida ruim e reconhecem a associação da obesidade com outras patologias das quais ela seria causa ou consequência:

 

[...] considero minha vida péssima! Tenho depressão profunda e durmo o dia todo, não tenho disposição para nada, nem mesmo para cozinhar alimentos para minha família realizar as refeições. Mesmo assim continuo gorda, mesmo nem comendo quase nada. Isso não é vida, viu[...]! (E3-98Kg, 52 anos)

 

[...] acho minha saúde ruim, bem ruim mesmo, e acho que a consequência disso é hipertensão, o diabetes e a gordura, porque eu desconto tudo na geladeira, como até de madrugada. (E4-97kg, 54 anos)

 

 

Observa-se nos depoimentos grande insatisfação associada à obesidade e às doenças crônicas dela decorrentes. É importante salientar que E3 revela mais uma vez uma situação de isolamento e afastamento de seus hábitos diários, como cozinhar para a família, devido à sua insatisfação com a obesidade, que em seu depoimento ela associada a um processo de depressão. Já para E4, a insatisfação com seu quadro de obesidade e com os demais problemas no seu cotidiano resultam no consumo ainda maior de alimentos, acentuando o aumento de peso.

 

Conhecimento sobre alimentação saudável  

A formação dos hábitos alimentares se processa de modo gradual, formando os conceitos de alimentação saudável que cada indivíduo tem para si, conceitos que estão intimamente ligados à forma como irá conduzir seus hábitos alimentares, o que pode ir ao encontro ou no sentido inverso do que seria bom para sua saúde.

[...] não sei o que significa de verdade uma alimentação saudável, para perder peso mesmo. Acredito que uma pessoa só perde peso quando deixa de comer, ou seja, se ficar em jejum, só assim mesmo. Como não consigo fazer isso, como o que aparece na frente [risos]. (E3–98kg, 52 anos)

 

A crença de que apenas sem comer é que se consegue perder peso pôde ser observada neste depoimento. Outro fato relevante é que a alimentação saudável está associada apenas à perda de peso, e não à manutenção da saúde, evidenciando que a redução de medidas seria o único motivo para que E3 aderisse às mudanças em sua rotina alimentar. Ante o desejo de perder peso as pessoas acabam removendo alimentos que fazem parte de uma dieta rotineira, dificultando de forma progressiva e sistemática a continuidade da meta.

Não obstante, também foram observados depoimentos mais adequados, como o que segue:

“[...] uma alimentação saudável, boa para a perda de peso. Eu acredito que não deve ser monótona, mas que tenha variedade de frutas, verduras, arroz, feijão, carne grelhada e outros alimentos mais naturais e preparados de forma mais saudável. Tque comer certinho, não é?” (E5-108kg, 42 anos)

 

 

2) Vivenciando a participação em um grupo de apoio: expectativas e percepções

Ao tentar compreender os significados da participação no grupo, identificamos que os participantes buscam o grupo não apenas para solucionar o problema com o peso, mas também para buscar apoio, compreensão e afinidade com indivíduos que conhecem de perto a sua problemática(13). Identificamos algumas expectativas ao procurarem a participação no grupo, as quais envolvem, além do desejo de perder peso, a busca por: motivação e apoio, melhora da autoestima e superação das próprias dificuldades:

[...] comecei a participar do grupo procurando motivação e apoio, para perder peso. Acho que se reunir com pessoas que têm a mesma dificuldade e compartilhar experiências é muito importante para emagrecer. A gente se sente mais forte [...] e essas palestras e informações que vocês dão ajudam muito, porque assim sabemos melhor da alimentação e perder peso mais rápido [...] (E6-98kg, 58 anos)

 

[...] estou entrando no grupo com o propósito de aprender me amar, e gostaria de melhorar minha autoestima com o apoio do grupo [...] sei que aqui vou conseguir, pois aqui vejo quem já está conseguindo. (E5-108kg, 42 anos)

 

[...] eu sei que posso me controlar na alimentação e perder peso, que vou conseguir não compensar minha ansiedade e nervosismo na geladeira, como estou fazendo [...] quero ter uma saúde melhor e perder peso, para ser exemplo de superação para outras pessoas, e para mim, e sei que o grupo vai me ajudar. (E7-93kg, 46 anos)

 

Mesmo os que não vislumbraram o grupo como terapêutico e eficaz o percebiam como útil por sua função social. Nestes casos, o grupo atua como rede de apoio, pois seus participantes, além de discutirem e se escutarem mutuamente, mantêm contatos também fora do grupo, tecendo uma grande rede social de suporte:

 

[...] não sei se o grupo vai mudar alguma coisa na minha vida, se vai me fazer perder peso...sei lá, acho que não! Mas gosto de vir. Me sinto acolhida, conheço pessoas e me sinto bem, por que vejo pessoas como eu. Não tenho amigos, sabe? Fico sempre sozinha. Aqui pelo menos tenho com quem conversar. (E8-102kg, 64 anos)

 

[...] às vezes chego aqui triste, chateada, desanimada, mas com as conversas, com os amigos que estou fazendo aqui saio com outro ânimo, saio feliz e esperançosa, pensando que de repente, até consigo mesmo perder peso (risos). (E7-93kg, 46 anos)

 

 

Percebendo mudanças

Ao serem questionados sobre as mudanças que haviam ocorrido em suas vidas depois da participação no grupo, constatou-se que os participantes perceberam mudanças e que as reconheciam como importantes e satisfatórias não apenas para eles, mas também para a família, porém não apenas o grupo foi citado como responsável pela satisfação, mas também a mudança nos hábitos, como a realização de exercícios físicos:

 

Até agora só vim em duas reuniões, mas já vejo mudanças. Como o uso de arroz integral e comecei a comer fruta e verdura, que eu não suportava. Acho mesmo que está mudando, eu sou dona da minha vontade agora, não é mais minha vontade de comer que é a minha dona. (E9-88kg, 53 anos)

 

[...] quando vim pela primeira vez, confesso que saí da reunião cheia de esperança e fé, confiante que eu conseguiria, além do emagrecimento, ter também uma saúde melhor. Percebi que se eu não fizesse isso por mim, ninguém faria, e deveria me amar mais. Daí estou mudando minha alimentação [...] não só a minha, mas a de todo mundo lá em casa também. (E4-97kg, 54 anos)

 

[...] antes de vir no grupo, cozinhar era um martírio, e sempre fazia muita fritura. Hoje aprendi e entendo a responsabilidade que tenho nas mãos com a saúde da minha família quando cozinho. Agora faço muita salada e comemos alimentos mais saudáveis [...] antes dormia o tempo todo, agora faço exercícios, caminhada toda tarde. Além disso, perdi 6 Kg em apenas um mês, só com a alimentação, a caminhada e o grupo também. (E6-98kg, 58 anos)

 

Os sentimentos positivos relacionados ao grupo evidenciam mais uma vez como este é valioso para quem participa, pois, além de promover mudanças nos hábitos de viver, também esteve associado à melhoria da vida.

 

DISCUSSÃO

 

A obesidade é considerada uma síndrome multifatorial na qual a genética, o metabolismo e o ambiente interagem e ela assume diferentes quadros clínicos nas diversas realidades socioeconômicas. Está ainda relacionada a diversos aspectos psicológicos, gerando sentimentos de insatisfação, ansiedade, não aceitação, inadequação e depressão, os quais podem constituir os maiores efeitos adversos da doença (8).

Este sentimento de inadequação e insatisfação, intimamente ligado aos transtornos de autoimagem e provocado pelo aumento de peso, pode provocar uma desvalorização do autoconceito no obeso, diminuindo a sua autoestima e dificultando sua relação com os outros e consigo mesmo (9). Fatores como estes produzem no obeso uma pressão social incômoda e uma sensação de inadequação perante os padrões sociais vigentes, provocando dificuldades relacionais e, muitas vezes, um afastamento do contacto social e da realização de algumas tarefas cotidianas. Esta sensação de inadequação acompanhada de sentimentos de menos valia e de uma fuga ao social, traduzida pelo isolamento, encontra-se muitas vezes na origem de sintomas depressivos e de dificuldades relacionais (10).

Vislumbra-se também nos resultados a presença do preconceito, o qual é apontado como uma constante na vida de obesos, seja ele real ou imaginário, refletindo-se na maneira como enfrentam a doença, como convivem com as pessoas que os cercam e como vivenciam o cotidiano e as mudanças para manutenção, controle e redução de agravos à obesidade. De fato, a obesidade tem sido considerada uma condição estigmatizada pela sociedade e associada a características negativas, favorecendo cada vez mais a discriminação e o surgimento de sentimentos de inadequação social, insatisfação consigo mesmo, solidão e isolamento (5).

Quanto ao convívio social, não é incomum que pessoas obesas tratem o excesso de peso como um fator agravante nas suas relações, acreditando sofrer discriminações que interferem nos relacionamentos sociais e afetivos (10). Esta crença de preconceito social pode levar a sérias frustrações, especialmente ao isolamento, ao estresse e à depressão. Pode ainda estar associada à “aceitação da doença” como algo não passível de mudança. À medida que um doente crônico vê sua patologia como “carma ou maldição”, torna-se ainda mais difícil sua adesão a práticas saudáveis (11).

O conceito e a interpretação que o sujeito atribui a fatores importantes do tratamento e manutenção de uma situação crônica interferem diretamente em sua adesão ao autocuidado e a mudanças nos hábitos de vida (12).  Assim, a satisfação com a vida e a aceitação de sua condição de saúde/doença, assim como a consciência da importância de mudança de hábitos e dos possíveis agravos que podem desenvolver; são fatores fundamentais para a adesão a práticas saudáveis, a procura precoce de cuidados profissionais e a consequente redução de peso (12). Quanto mais distantes dessa conscientização, mais difícil será a trajetória em busca de uma solução, mesmo estando sob orientação profissional, pois as orientações do profissional só serão seguidas quando percebidas como resolutivas, ou seja, quando o indivíduo acreditar que seu caso é passível de mudança (13).

Em suma, para que um indivíduo adote e mantenha mudanças em sua vida, faz-se necessário que ele realmente acredite que elas podem ser realizadas por ele e que surtirão efeito sobre seu quadro. Para tanto, novamente fatores sociais, culturais, econômicos e comportamentais atuam ajudando ou impedindo a boa relação entre o sujeito e as mudanças necessárias (14).

Neste contexto, o grupo constitui um espaço no qual os integrantes podem compartilhar suas experiências e sentimentos com a certeza de que são compreendidos pelos outros participantes vivenciam as mesmas situações e dificuldades (15).  Ele funciona como uma “galeria de espelhos”, resultante de um jogo de identificações. Esta expressão traduz a ação terapêutica do grupo que se processa por meio da possibilidade de cada um refletir-se nos os outros e de poder reconhecer no espelho dos outros aspectos seus que estão negados em si (7). Ao longo do estudo estes aspectos foram observados, pois vários participantes, em conversas informais ao fim dos encontros, relatavam quanto o grupo estava lhes sendo útil para mostrar como agir e como não agir.

Dentro do grupo, é possível vislumbrar o universo de cada participante, respeitando-se suas individualidades e particularidades. O grupo de autoajuda, para pessoas com doenças crônicas e de difícil enfrentamento, como a obesidade, é uma forma de compartilhar saberes e experiências na construção de um viver mais saudável, pois existe a possibilidade de formar uma rede de suporte social, o que resultará em benefícios para os participantes, na medida em que promove a autonomia, amplia a criatividade, melhora a autoimagem e oportuniza a livre expressão de sentimentos e conhecimentos, além de favorecer articulações com pessoas que enfrentam situações semelhantes (15).

Observamos ainda que o  grupo proporcionou aos indivíduos maior independência, autoconfiança e crença em seu poder de mudança e melhoria de sua situação de saúde/doença.  Possibilitou troca de experiências e promoveu a interação entre os participantes, e isto faz com que cada participante encontre o seu modo de enfrentar o problema. As reuniões ajudam a combater o isolamento social, pois as discussões proporcionam um sentimento de universalidade, de modo que quem se sente diferente passa a conviver com os que considera iguais. Por isso o grupo proporciona apoio necessário aos seus membros, oferecendo suporte para superação de boa parte dos problemas enfrentados (15).

O trabalho em grupo possibilitou também a quebra da relação vertical que, tradicionalmente, existe entre profissionais da saúde e o sujeito destinatário de suas ações, sendo uma estratégia facilitadora da expressão das necessidades, expectativas, angústias e circunstâncias de vida (16). Isso foi observado durante a realização do grupo, em que as discussões e relatos dos participantes ocorreram livremente, com interferência dos profissionais de saúde apenas quando solicitados no caso de dúvidas, para esclarecimentos ou questionamentos.

Assim, considerando que trabalhos de intervenção sobre o excesso de peso são raros e pouco expressivos ante a prevalência e complexidade do problema da obesidade em nosso meio(17), e ainda o fato de que possuir uma doença crônica como a obesidade, tende a limitar as inserções sociais, devido à forma como os indivíduos a percebem em sua vida; mas mesmo obesos, quando têm apoio e suporte de pessoas do seu convívio social e familiar, podem aceitar, conviver e enfrentar melhor a doença e suas limitações (18).

           

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A obesidade provoca mudanças nos hábitos do indivíduo e no meio em que ele vive e em muitos casos está associada a sentimentos negativos, como insatisfação, esquiva do convívio social, perda da autoestima, depressão, além do medo do preconceito, fatores que influenciam a motivação e capacidade de lidar com o próprio corpo. Mesmo conscientes de sua situação e muitas vezes detentores de informações sobre a importância dos cuidados com a saúde, nem sempre estes indivíduos são capazes de colocá-los em prática. Mudanças nos hábitos só são possíveis quando a pessoa compreende a gênese da obesidade e o efeito das diferentes ações sobre ela e recebe suporte, orientações e recursos que lhes permitam promover estas mudanças.

Destarte, o enfrentamento da obesidade e dos sentimentos relacionados a ela e à maneira como o obeso se percebe no mundo pode ocorrer de forma mais eficiente quando em grupo. Os depoimentos mostram que a convivência entre pessoas obesas favorece a autoaceitação e a elaboração de sentimentos positivos em relação às dificuldades encontradas no cotidiano e nas relações interpessoais. Essa compreensão emocional pode promover maior segurança e melhora na autoimagem, atuando diretamente na forma como esse indivíduo vê o mundo e se relaciona com as pessoas de seu meio social.

Por fim, cabe salientar que o trabalho com grupos é válido para a enfermagem, pois, além de reduzir custos e tempo na assistência prestada, também oferece maior oportunidade de convívio entre profissional e cliente, reduzindo a relação verticalizada entre ambos. Estes benefícios são exacerbados nos casos de doenças crônicas, em que são necessários adesão a tratamentos farmacológicos e mudanças nos hábitos de vida e na maneira de perceber a doença.

REFERÊNCIAS

1.             Vasques F, Martins FC, Azevedo AP. Aspectos psiquiátricos do tratamento da Obesidade. Rev Psiq Clin. 2004; 31(4):195-8.

2.             Almeida GAN, Santos JE, Paisan SR, Loureiro SR. Percepção de tamanho e forma corporal de mulheres: estudo exploratório. Psicologia em Estudo. 2005;10(1):27-35.

3.             Word Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO consultation on group obesity. Geneva; 1998.

4.             Almeida CME, Oliveira MRM, Vieira CM. A relação entre a imagem corporal e obesidade em usuárias de unidades de saúde da família. Rev Simbio-Logias. 2008;1(1):111-21.

5.             Luiz AMAG, Gorayeb R, Liberatores Junior RDR, Domingos NAM. Depressão, ansiedade e competência social em crianças obesas. Estud Psicol [online]. 2005 [citado em 2010 fev 20];10(1):35-39. Disponível em: HTTP://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2005000100005&lng=en&nrm=iso

6.             Souza AC, Calomé ICS, Costa LED, Oliveira DLLC. A educação em saúde com grupos na comunidade: uma perspectiva facilitadora da promoção da saúde. Rev Gaúcha Enferm. 2005; 26(2):147-53.

7.             Zimerman DE. Fundamentos Básicos das Grupoterapias. Porto Alegre, Artmed Editora. 2000

8.             Cataneo C, Carvalho AMP, Galindo EMC. Obesidade e Aspectos Psicológicos: Maturidade emocional, auto-conceito, locus de controle e ansiedade. Psicol Reflex Crític. 2005; 18(1):39-46.

9.             Farias ES. Programa multidisciplinar: caminhos para promoção de saúde em pacientes obesos [Dissertação] Mestrado profissional em ensino de ciências da saúde e ambiente. Centro Universitário Plínio Leite. 112p. 2007.

10.      Silva MP, Jorge Z, Domingues A, Nobre EL, Champbel P, Castro JJ. Obesidade e qualidade de vida. Acta Med Port. 2006;19(2):247-50.

11.      Xavier ATF, Bittar DB, Ataíde MBC. Crenças no autocuidado em diabetes - implicações para a prática. Texto Contexto Enferm. 2009;18(1):124-30.

12.      Leite SN, Vasconcellos MPC. Adesão à terapêutica medicamentosa: elementos para a discussão de conceitos e pressupostos adotados na literatura. Cien Saude Colet. 2003; 8(3): 32-40.

13.      Rodrigues E, Boog M. Problematização como estratégia de educação nutricional com adolescentes obesos. Cad Saúde Pública. 2006;22(5):923-31.

14.      Pontieri FM,  Bachion MM. Crenças de pacientes diabéticos acerca da terapia nutricional e sua influência na adesão ao tratamento. Ciênc Saúde Colet. 2010, 15(1):151-60.

15.      Costa KS, Munari DB. O grupo de controle de peso no processo de educação em saúde. R Enferm UERJ 2004; 12:54-9.

16.      Oliveira VA, Ribas CRP, Santos MAS, Teixeira CRS, Zanetti ML. Obesidade e Grupo: A contribuição de Merleau-Ponty. Vínculo – Revista do NESME 2010; 1(7): 45-54.

17.      Keher GM, Souza VFM, Vágula S, Fiorese LV, Nardo Júnior N, Pereira VR. Prevenção e tratamento da obesidade: indicativos do sul do Brasil. Cienc Cuid Saude 2007;6(Suplem. 2):427-432

18.      Mantovani M. Mendes F. The quality of life of elderly’s chronic disease sufferers: qualitative-quantitative research. Online Brazilian Journal of Nursing [serial on internet]. 2010 june 08; [ Cited 2011 april 10]; 9:(1):[ about p.]. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/2835

 

Recebido: 14/05/2011

Aprovado: 27/10/2011