Estrutura de sistemas abertos de Imogene King: consistência semântica do conceito percepção em estudos empíricos

RESUMO. A utilização de modelos conceituais sem uma reflexão sobre suas definições tem sido comum em nosso país. O presente trabalho tem como objetivo analisar a consistência semântica do conceito percepção da Estrutura de Sistemas Abertos de King em duas dissertações do programa de pós-graduação do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará. Foi utilizado como modelo de análise de teorias o proposto por Chinn e Kramer. Observou-se diferenças metodológicas e interpretativas na utilização do conceito percepção nos dois trabalhos avaliados. Conclui-se que as autoras ao adotarem o conceito nos seus estudos com pacientes hipertensos e com mães de crianças desnutridas utilizaram abordagens diferentes.

Palavras chave: Teoria de enfermagem; Análise de conceitos; enfermagem; classificação / linguagem de enfermagem.

 INTRODUÇÃO

             As teorias de enfermagem construídas ao longo de sua história têm trazido contribuições significativas ao contexto do ensino, pesquisa e prática dos enfermeiros que a buscam na perspectiva de entender melhor questões inerentes à profissão. Teorias constituem uma forma sistêmica de olhar o mundo para descrevê-lo, explicá-lo, prevê-lo ou controlá-lo (1). No entanto sua utilização em estudos ainda é uma preocupação da enfermagem, no que se refere à compreensão e utilização na prática (2).  

As teorias servem para diversos propósitos, como por exemplo, a descrição e a explicação da realidade empírica. Desta maneira, podemos dizer que esta é uma forma de expressão do conhecimento empírico, e, sendo assim, também auxilia na compreensão desse conhecimento. A teoria como abstração sistêmica da realidade implica uma organização de palavras (ou símbolos outros) que representam experiências, perspectivas dos objetos, propriedades ou eventos (1)

            As teorias são construídas a partir de conceitos. Conceito pode ser definido como uma aventura do pensamento que institui um ou vários acontecimentos, permitindo um ponto de vista sobre o mundo, acerca do vivido (3). Todo conceito remete a um problema só podendo ser compreendido na medida em que se busca sua solução (4).

            Os conceitos nada mais são do que a simbolização do que acontece no mundo dos fenômenos reais. São considerados como os instrumentos de trabalho de cientistas e pesquisadores, não são outra coisa senão o produto da atividade intelectual. Podem ser considerados como o alicerce das teorias e precisam ser definidos e explicitados para permitirem a distinção entre o sentido de um conceito e de outro (5). Daí a importância de ser entendido na sua essência de forma que sua reprodução possa ser fiel à compreensão dada pelas autoras na sua construção.

Assim consideramos importante proceder a uma reflexão crítica das teorias de enfermagem por meio dos modelos de análise de teorias. Em particular, analisaremos a Estrutura de Sistemas Abertos de Imogene King, utilizando um modelo específico de análise de teorias de enfermagem (1, 6).

O modelo utilizado enfatiza os padrões de conhecimento da enfermagem e o modo como esses interagem, o que resulta na construção do conhecimento da enfermagem. O modelo evidencia a importância da teoria para a prática e de como a prática é relevante para o desenvolvimento das teorias.

            Ainda segundo este modelo, o desenvolvimento de uma teoria inclui quatro etapas: criar o significado conceitual; estruturar e contextualizar a teoria; gerar e testar as relações teóricas e aplicar deliberadamente a teoria. O modelo de análise propõe dois guias: 1) descrição de teorias e 2) reflexão crítica. O primeiro permite descrever o que é a teoria, com base nos seus propósitos, conceitos, definições, relações, estrutura e suposições. Já o segundo, por meio de questões críticas, admite revelar idéias concernentes às funções práticas da teoria e ao seu alcance.

Especificamente o modelo teórico de King é composto por um arcabouço de conceitos demonstrados a seguir neste estudo. A opção por analisar o conceito percepção decorre da importância deste dentro do sistema. É um conceito muito importante às enfermeiras, porquanto enseja o desenvolvimento de uma base para juntar e interpretar informações (7).

            Um primeiro contato que tivemos com a Estrutura Conceitual de King ocorreu primeiramente no mestrado, bem como na orientação de trabalhos de conclusão de curso de graduação e especialização. Essas experiências nos possibilitaram perceber a importância desse referencial para a pesquisa, ensino e prática. No entanto, se faz necessário uma análise mais profunda do modelo conceitual para entendermos sua correta aplicação.

 REFERÊNCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

            O estudo compreende uma análise de duas dissertações de mestrado do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará, portanto, com finalidade reflexiva. Esse programa existe desde 1993, com o curso de mestrado, tendo iniciado o doutorado em 1998. Já perfaz um total de 139 dissertações e 49 teses defendidas. Desses estudos, duas dissertações utilizaram a Estrutura de Sistemas Abertos de King como referencial teórico,

Optamos por utilizar, neste estudo, como modelo de análise de teorias, o modelo descrito por Chinn e Kramer (1). Neste modelo, optamos por trabalhar o guia direcionado à reflexão crítica, mais especificamente o item clareza, voltado para o aspecto consistência semântica.

            O estudo desenvolveu-se nos mese de maio e junho de 2004, durante o qual os pesquisadores percorreram dois momentos: no primeiro, procederam a um aprofundamento teórico da Estrutura de Sistemas Abertos de King e do modelo de análise. No segundo, fizeram uma análise e reflexão dos estudos selecionados para a pesquisa.

O guia de reflexão crítica é um processo que questiona a utilidade da teoria em relação aos propósitos estabelecidos. Para tanto, o modelo apresenta cinco indagações que norteiam essa reflexão em uma teoria: A teoria é clara? A teoria é simples? A teoria é geral? A teoria é acessível? A teoria é importante? Neste, busca-se explorar os conceitos presentes na teoria, com relação aos critérios de clareza semântica, consistência semântica, clareza estrutural e consistência estrutural.

            Em nosso estudo, buscamos uma análise profunda da consistência semântica, procurando identificar o sentido epistemológico em que o termo percepção foi utilizado. Para tanto, as duas dissertações de mestrado que compuseram o material compilado neste estudo, foram lidas e o sentido em que o termo percepção foi utilizado foi extraído e comparado entre os dois trabalhos e com a descrição conceitual apresentada por Imogene King.

 ESTRUTURA DE SISTEMAS ABERTOS DE IMOGENE KING: SUA UTILIZAÇÃO NO PROCESSO DE INVESTIGAÇÀO

          A teoria de Imogene King evoluiu a partir da década de 1960, fruto de trabalhos publicados como resultado da percepção da autora sobre a enorme quantidade de conhecimentos disponíveis às enfermeiras e a dificuldade que isso traz na escolha dos fatos e conceitos, relevantes a uma determinada situação.

            No livro Toward a theory for Nursing, King acentua que está propondo uma estrutura conceitual à Enfermagem e não uma teoria de Enfermagem (7). Esses conceitos iluminaram a autora a evoluir em direção à teoria. Em 1981, ela publicou o livro A Theory for Nursing, onde assinala ter ampliado e construído sobre a estrutura original uma estrutura conceitual, que ela identifica como Estrutura de Sistemas Abertos, que, pouco tempo depois, configurou  sua teoria.

 King identifica sua estrutura conceitual como uma Estrutura de Sistemas Abertos e a  teoria como direcionada à busca de metas, daí intitulada de Teoria de Alcance  de Metas (8). No presente estudo, trabalhamos com um conceito da Estrutura de Sistemas Abertos.

Para King, os indivíduos constituem um sistema no ambiente, denominado sistema pessoal. Tais indivíduos interagem para formar díades, tríades e grupos pequenos e grandes, que incluem  outro tipo de sistema chamado de interpessoal. Existem, ainda, os sistemas sociais constituídos por comunidades, sociedades de grupos com interesses especiais e necessidades de formar organização (8). A forma como esses sistemas interagem indicará o equilíbrio ou não de indivíduos e grupos no sistema. A figura ilustra como ocorre a interação.

 

 

 

FIGURA 1 – Estrutura conceptual de Imogene M. King (8).

 

            Assim entendida, a teoria prescreve que mudanças em um desses sistemas podem resultar em alterações nos demais, já que estes têm a característica de sistema aberto, permeável. Cada sistema compõe-se de conceitos, no pessoal (percepção, ego ou self, crescimento e desenvolvimento, imagem corporal, espaço e tempo); interpessoal (papel, interação, comunicação, transação e estresse) e social (organização, autoridade, poder, status e tomada de decisão).

            A Estrutura Conceitual de Imógene King, além de utilizada em estudos com pacientes, também foi empregada em pesquisas com famílias (9); grupos de adolescentes grávidas (10) e estrutura organizacional (11). Nos estudos do Programa de Pós-Graduação, do Departamento de Enfermagem da UFC, encontramos uma dissertação que trabalhou com adesão de pacientes hipertensos (12), e outra que estudou a participação materna em um programa de desnutrição infantil (13), as quais estão analisadas neste estudo.

 CONSISTÊNCIA SEMÂNTICA DO CONCEITO PERCEPÇÃO EM ESTUDOS EMPÍRICOS

             A construção de conceitos é um pressuposto importante na elaboração das teorias. No caso da enfermagem, estudiosas buscam a construção desses para o progresso da profissão como ciência e arte do cuidar.

            Conceito é a formulação mental complexa de uma experiência. Está situado num continuum entre o empírico (diretamente experimentado) e o abstrato (mentalmente construído). Compreender o significado e entender o conceito não é tarefa simples, pois esses podem ser entendidos de forma diferenciada pelas pessoas. Daí a necessidade de compreender e identificar a finalidade, para desta forma localizar o conceito no referido continuum. Para um bom entendimento dos conceitos, estes precisam estar contextualizados. Também eles podem ter significados diferentes fora da teoria (1).

            Consistência semântica significa que os conceitos da teoria são usados de modo que estejam consistentes com suas próprias definições (1). Ocasionalmente, palavras são definidas explicitamente, mas em diferentes maneiras.

Isto significa dizer que, quando um conceito de uma teoria é utilizado pelos enfermeiros nos seus estudos, este, ao ser reproduzido, deve representar a realidade definida na teoria. Na verdade, esta incompreensão pode trazer nos estudos uma visão distorcida, distanciando assim do seu verdadeiro propósito.

                Nossa análise se direcionou a consistência semântica do conceito percepção nos estudos de Moreira, que teve como objetivo “descrever as respostas dos pacientes com hipertensão arterial não aderente, frente à necessidade de tratamento, relacionando-as aos sistemas pessoal, interpessoal e social do modelo conceitual de King(12); e de Machado, que buscou “analisar o processo de participação da mãe em um programa de desnutrição infantil por meio da abordagem conceitual de Imogene King” (13), procurando verificar se as autoras, nos seus estudos, foram fieis à definição do conceito construído pela teórica.

            O conceito de percepção foi definido por King como uma representação da realidade de cada ser humano. É universal porque todas as pessoas têm percepção, embora possa ser subjetiva, pessoal e seletiva para cada uma. Sua ação está voltada para o presente e baseia-se na informação disponível. Os dados obtidos mediante os sentidos e a memória são organizados, interpretados e transformados. A percepção é a base para o conceito de ego (8).

            No estudo de Moreira, as categorias empíricas foram construídas com base nos sistemas da estrutura conceitual de King, e o conceito percepção foi utilizado na análise de uma categoria relacionada ao sistema pessoal. Assim, no sistema pessoal, deu-se a seguinte formação de categorias, denominadas temáticas: descoberta da doença, sentimentos em relação ao tratamento, respostas à descoberta da doença, dificuldades individuais para seguir o tratamento, descrição do ambiente e medo das seqüelas (12). Foi na categoria descoberta da doença que a autora buscou o conceito de King.

            Nessa categoria, há uma subdivisão que Moreira chama de núcleos de relação, denominados: por acaso, justificando sintomas e através de procura deliberada. A construção dos núcleos está amparada nas falas dos sujeitos do estudo, ou seja, dos pacientes hipertensos.

            A hipertensão se caracteriza na amostra como uma doença que se descobre “por acaso”, sendo desvelada, nas mais variadas situações, quer seja em consultas de pré-natal, prevenção do câncer e outras, demonstrando, no estudo, que os pacientes não apresentam um comportamento preventivo em relação à patologia.

            No caso em que a descoberta da doença se deu em justificativa a sintomas, a hipertensão já se encontrava em estado avançado para os pacientes. Foram, no entanto, raros os casos em que a doença foi descoberta através de procura deliberada, acontecendo somente em duas pessoas que já tinham na família história da doença. 

            Moreira evidencia, no estudo, que a percepção, não só dos pacientes, mas também dos próprios profissionais de saúde, ainda é muito limitada no que tange ao acometimento por hipertensão, pois a procura por iniciativa dos pacientes e a investigação por parte dos profissionais deveriam ser procedimentos de rotina (12). Ainda segundo a autora, o cliente deve atuar como agente do seu  cuidado, não devendo permanecer inerente aos acontecimentos de sua vida, pois, para esta, o mundo atual colabora para que a percepção das pessoas fique mais aguçada.

            Nesse contexto, a autora capta o conceito de percepção de King para auxiliar sua análise, o que fica evidenciado no destaque do comentário - “percebemos que a categoria temática descoberta da doença, através dos núcleos de relação: ‘por acaso’, ‘justificando sintomas’ e ‘através de procura deliberada’, encontra-se extremamente ligada ao conceito de percepção de King, pois caracteriza o modo como o paciente percebe a patologia e a realidade a partir das informações a ele disponível” (12).

            Entendemos que essa realidade encontrada no estudo de Moreira não representa percepção dos sujeitos. A “descoberta da doença” não retrata percepção (que é a representação da realidade, no campo subjetivo); de fato, a “descoberta da doença por acaso” é uma experiência vivida. Os sujeitos do estudo não expressaram sua percepção do que era hipertensão, antes de se descobrirem hipertensos; daí a surpresa. Eles(as) não tinham a informação disponível, nem uma representação das condições internas e externas de risco para a prevenção. Este fato evidencia-se nos depoimentos de alguns dos sujeitos: Meu marido teve trombose e a médica ia em casa assisti-lo. Verificou uma vez a minha pressão e descobriu a hipertensão. (Sara); Descobri que tinha HA  porque fui atrás de um emprego...(Rebeca); ...Senti uma tontura e fui ao médico da empresa. (Daniel); Eu descobri que tinha pressão alta porque eu sentia dor no peito esquerdo e descia no braço. (Ester); Ma minha família, outras pessoas têm. Então eu descobri...(Raquel).

            Assim, a compreensão dada ao conceito percepção de King na dissertação de Moreira teve sua utilização limitada, tendo a autora explorado não a percepção, mas a experiência dos sujeitos quanto à descoberta da doença.

            No estudo de Machado, a Estrutura de Sistemas Abertos de Imogene King foi buscada para compreender a interação de mães com profissionais de um programa de desnutrição infantil, no sentido de revelar os aspectos críticos que emperram a participação. Segundo a autora, este referencial permitiu aprofundar o conhecimento das formas de interação e transação desse programa, indicando os desequilíbrios de percepção entre as pessoas envolvidas (13).

            O conceito percepção foi, nessa dissertação, utilizado em dois momentos: no primeiro, na fase de identificação das mães e, no segundo, quando a autora buscou conhecer a percepção das mães e profissionais do programa acerca de participação.

            Como estratégia para identificar as mães do estudo, a autora utilizou-se de simbologia através da dinâmica de grupo, ao possibilitar o fato de que cada mãe desenhasse um animal e se expressasse por que gostaria de ser aquele animal. A escolha, na perspectiva das mães, se deu da seguinte forma: Borboleta-1, Borboleta-2, Pássaro-1, Pássaro-2, Carneiro, Leão, Cachorro, Coelho e Jacaré.

            A descrição de cada mãe possibilitou a construção do sistema de percepção das mães acerca de si mesmas, o que, para a autora, é significativo para entender o modo como essas se vêem ou gostariam de ser vistas no contexto de suas vidas. Para melhor compreensão, vejamos as falas de duas mães do estudo: Eu queria ser um pássaro porque ele é livre; a liberdade é a melhor coisa do mundo. ( Pássaro-1); Eu seria um jacaré porque ele vive na água, aqui onde eu moro o maior problema é a falta e também porque ele é valente. (Jacaré).

            Outras expressões simbólicas a partir das falas e percepção de si mesmas foram: calma, forte, amiga, cuidada, protegida, valente, livre e delicada. A autora logrou desvelar nas participantes da pesquisa as imagens, idéias, sentimentos que as mães têm de si mesmas, uma representação pessoal, ou seja, o seu ego.

            O ego é um composto de pensamentos e sentimentos que constituem a percepção que a pessoa tem de sua existência individual; é a concepção que o indivíduo tem de quem é e do que ele é (8). No estudo isto fica evidenciado, quando a autora anota: “entendemos, portanto, que essas mães, percebendo-se como aqueles animais e enxergando neles tais características, podem estar na realidade revelando seus sentimentos, parte do seu eu, ou, simplesmente, como gostariam de ser”. Acreditamos que a relação entre os dois conceitos de King pode na verdade ter contribuído para a autora ter dado essa compreensão no seu estudo.

No segundo momento do estudo, o conceito percepção foi utilizado para conhecer como mães e profissionais compreendiam o processo de participação, como cada sujeito percebia isto dentro do programa. Buscamos, assim, analisar se a autora observou aspectos importantes do conceito percepção, como subjetiva, pessoal e seletiva para cada pessoa.

Isto foi observado quando a autora destacou: “participação foi entendida no estudo como um processo de dinâmica de interação entre os atores sociais envolvidos (mães e profissionais), assim buscou-se identificar, a partir do sistema pessoal desses, a experiência de cada um no contexto do programa” (13); ou seja, percebe-se que de fato foi observado o expressado por eles, de per se. Isto fica evidente observando os depoimentos dos sujeito: Participar é ir a creche quando ela me chama, porque é minha obrigação. (Carneiro); Assistindo reunião e dando alimentação a ela na hora como a creche manda. (Borboleta-2); Participação das mães no programa para mim significa o envolvimento, compreensão e a vivência delas dentro do programa. (Profissional A). Quando a mãe se interessa ... (Profissional B)

            Há uma incongruência na percepção de participação entre os sujeitos envolvidos. Para as mães, participação é cumprir as obrigações estabelecidas pela creche, visando à recuperação dos seus filhos. Já os profissionais parecem compreender os elementos importantes no processo de participação como: envolvimento, compreensão, interesse e conscientização (13), fato demonstrativo de que cada um realmente fez uma representação da realidade vivida e sentida. Isto reflete a percepção; ela é realmente seletiva e subjetiva. Daí as mães responderem divergindo das respostas dos profissionais. Este dado para o estudo de Machado foi importante, porque deflagrou o ponto crucial da dificuldade de participação efetiva das mães no programa; por outro lado, revelou o não-conhecimento dos profissionais sobre a compreensão de participação das mães.

            E ainda, a autora foi fiel à definição de King no momento em que destaca  “a divergência acerca da participação entre os atores envolvidos, mães e profissionais, revela na perspectiva de King, a realidade de cada um deles, levando em conta características que a teórica preconiza para percepção: subjetiva, pessoal e seletiva para cada pessoa”. Desta forma, compreendemos que Machado, ao utilizar o conceito percepção no seu estudo, esteve atenta aos propósitos estabelecidos por Imogene King, demonstrando que variam as experiências de cada pessoa e sua percepção dos fatos.

            Podemos trazer, como evidencia no nosso trabalho, o argumento de que o conceito percepção da Estrutura Conceitual, de Imogene King, ao ser empregado nas dissertações analisadas, sua utilização se deu de forma diferenciada. Na dissertação de Moreira, a autora, ao aplicar o conceito percepção, atrelou a experiência vivida e sentida diante da patologia. Nesse sentido, a utilização do conceito foi limitada. Enquanto isso, no trabalho de Machado, o conceito teve um papel de categoria central do estudo. Nesse sentido, a autora buscou a compreensão/representação dos sujeitos com base nos conhecimentos e experiências sobre a percepção de si mesma e sobre a participação, o que indicou um aprofundamento maior do conceito nesse estudo.

            Acreditamos que os modos como este conceito foi abordado nos estudos decorrem da forma como o referencial teórico de King foi buscado pois, o primeiro utilizou mais o processo de enfermagem e o segundo o seu modelo conceitual, ou seja, a maneira de aplicar o conceito foi diferenciada nas dissertações.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS      

            A utilização de modelo de análise de teorias enseja um aprofundamento acerca das teorias e, desta forma, um crescimento no seu processo de busca para a pesquisa, ensino e prática.

            A análise deste estudo permitiu observar que as autoras - ao buscarem o conceito percepção do sistema pessoal da Estrutura de Sistemas Abertos, de Imogene King, nos seus estudos de adesão de pacientes hipertensos e participação de mães em um programa de desnutrição infantil, - obtiveram uma compreensão da idéia de forma diferenciada. O primeiro não expressou a percepção dos sujeitos sobre hipertensão e sim suas experiências relacionadas à doença. Já o segundo retratou de fato a percepção das mães sobre si mesmas e dessas e dos profissionais sobre a participação.

            Podemos inferir que o conceito percepção da Estrutura Conceitual de King, ao ser construído por ela, se deu de forma consistente, pois este, ao ser utilizado pelas enfermeiras, foram relevantes para o entendimento do seu objeto de estudo.

            Entendemos que, de fato, as teorias são suporte importante para os estudos realizados na enfermagem, no entanto, merecem que, quando da sua utilização, possam de fato representar os propósitos das teóricas que as conceberam e, desta forma, contribuir para o crescimento da profissão como ciência e arte.

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