As cargas de trabalho em um Centro de Apoio Sócio-Educativo

Maristel KG Kasper Grando, Ana LCK Lúcia Cardoso Kirchhof, Carmem LCB Lúcia Colomé Beck, Letícia LT de Lima Trindade

 RESUMO: A presente investigação consistiu em reconstruir o processo de trabalho dos monitores de um Centro de Apoio Sócio-Educativo ao adolescente infrator com o objetivo de identificar as cargas e doenças relacionadas ao trabalho, visando a conscientização e a promoção da saúde dos trabalhadores. Como trajetória metodológica, utilizou-se o Modelo Operário Italiano para a análise e interpretação da realidade desses trabalhadores. Constituem pressupostos desse modelo, o grupo homogêneo, a valorização da subjetividade, a não-delegação e a validação consensual. A amostra foi constituída por sete monitores do turno da manhã que participaram de uma entrevista coletiva. Como resultado da investigação, detectou-se que as cargas mais presentes no ambiente de trabalho eram físicas e psíquicas. Dentre as conclusões do estudo, a investigação possibilitou identificar um elevado grau de sofrimento psíquico no trabalho evidenciado pelo absenteísmo, entre outros achados importantes. 

DESCRITORES: Carga de Trabalho, Impactos na Saúde, Relações Trabalhistas, Saúde Ocupacional.

RESUMEN: La presente investigación consistió en reconstruir el proceso de trabajo de los monitores de un Centro de Apoyo Socio-Educativo al adolescente infractor, con el objetivo de identificar las cargas y enfermedades relacionadas al trabajo visando concienciar y  promover la salud de los trabajadores. Como trayectoria metodológica se utilizó el Modelo Obrero Italiano para el análisis e interpretación de la realidad de esos trabajadores. Constituyen bases de ese modelo el grupo homogéneo, la valorización de la subjetividad, la no-delegación y la validación consensual. La muestra se constituyó de siete monitores del turno de la mañana que participaron de una encuesta colectiva. Como resultado de la investigación, las cargas más presentes en el ambiente de trabajo fueron las físicas y las psíquicas. En la conclusión del estudio fue posible identificar un elevado grado de sufrimiento psíquico en el trabajo, evidenciado por el absenteísmo, entre otros hallazgos considerados importantes. 

DESCRIPTORES: Carga de Trabajo, Impactos en la Salud, Relaciones Laborales, Salud Ocupacional.  

INTRODUZINDO A TEMÁTICA

         O movimento operário italiano construiu uma proposta de análise das condições de trabalho, influenciando as políticas e práticas de saúde no trabalho de outros países, como o Brasil, a partir de 1960. O Modelo Operário Italiano (MOI), ou simplesmente Modelo Operário, apresenta uma metodologia que tem, por princípio básico, que o trabalhador, e não apenas o perito ou especialista, identifique e avalie os fatores e os efeitos nocivos da sua situação no trabalho. A partir da análise do trabalhador, complementam-se esses dados com outros disponíveis, por meio do diálogo e da cooperação com os peritos. Portanto, o Modelo Operário Italiano consiste em uma metodologia que inclui a participação dos trabalhadores na identificação dos problemas de saúde gerados pelo trabalho.

        Entende-se que essa metodologia vem auxiliar na conquista das prerrogativas traçadas pela Lei Orgânica da Saúde e pelo Decreto Estadual/RS nº 40.222, de 02 de agosto de 2000, que institui o Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador (SIST)1, 2 e dá outras providências. Destacam-se, dentre as atribuições conferidas ao Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente as ações de vigilância epidemiológica em saúde do trabalhador, a notificação compulsória dos agravos listados no seu anexo e a notificação dos acidentes de trabalho típicos ou de trajeto.

No Brasil, o número de acidentes de trabalho cresce, muito embora se reconheça o sub registro destes(3). Dessa forma, entende-se que a utilização do “Modelo Operário”, visando uma melhoria da segurança no trabalho, se sustenta na legislação, por proporcionar ao trabalhador a possibilidade de uma intervenção nas condições do local de trabalho.

Adotou-se, como referência teórica para este estudo, que as cargas de trabalho(4), enquanto interação múltipla e dinâmica entre o objeto de trabalho, a tecnologia utilizada e o corpo do trabalhador, geram um processo de desgaste, ocasionando perda da capacidade potencial e/ou efetiva corporal e psíquica, vindo a ser traumática para o trabalhador a ponto de ter, como conseqüência, uma doença.

        Este estudo foi delineado junto ao Centro de Atendimento Sócio Educativo em Santa Maria – CASE/SM – por meio de convênio entre a Universidade Federal de Santa Maria - UFSM e a Fundação de Atendimento Sócio Educativo do Rio Grande do Sul - FASE/RS – no qual o CASE foi assegurado, como campo prático, para alunos da graduação do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria(5).

Como proposta de ampliação desses trabalhos e com o intuito de contribuir mais efetivamente para a melhoria do trabalho realizado nessa instituição, delineou-se esta pesquisa como  de caráter interventivo. Os sujeitos deste estudo foram os monitores do CASE/SM dada a importância deste trabalhador para a proposta do Programa de Execução de Medidas Sócio-Educativas de Internação e Semi-liberdade do Rio Grande do Sul. Segundo esse documento, os monitores representam:

... a garantia da integridade física, psicológica e moral do adolescente, assim como a efetivação de todas as ações previstas no Programa de Atendimento, pois é na atividade do monitor que se evidencia a expressão mais constante do papel pedagógico-terapêutico, uma vez que é nas 24 horas do dia-a-dia que o espírito da proposta de atendimento se manifesta de forma mais contundente e inequívoca. Desta forma, o monitor representa, concretamente, a referência-padrão aos adolescentes, e suas atitudes e ações precisam ser o contraponto do mundo até então conhecido por esses jovens(6).   

Diante destas considerações iniciais, apresentam-se os objetivos deste estudo:

Identificar cargas de trabalho que geram impactos à saúde de um grupo de monitores que atuam em um centro de apoio a adolescentes infratores.

Redimensionar, diante as cargas identificadas, as relações de trabalho entre os trabalhadores atuantes no centro de apoio. 

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

        No intuito de alcançar os objetivos propostos, foram adotados os pressupostos teórico-metodológicos do MOI, apresentados a seguir. Destaca-se que estes pressupostos direcionam para uma metodologia diferenciada a qual, além de ser qualitativa e exploratória-descritiva, pretende transformar o ambiente de trabalho pela ação interventiva.

Caracterização do Estudo

        A proposta do MOI sustenta-se na experiência e na tomada de decisão coletiva dos trabalhadores, no caso deste estudo, dos monitores, para se obter e propor soluções.

        O MOI está assentado em quatro pressupostos teórico-metodológicos(7), quais sejam:

a – Valorização da experiência e subjetividade operária.

Enfatiza a experiência dos trabalhadores, organizando essa experiência para acessar um saber não disponível em abordagens tradicionais.

b – Não delegação da produção de conhecimento.

        Os trabalhadores, além de serem fontes de informação, também são os sujeitos da investigação. Diferentes especialistas podem participar do processo, garantindo a contribuição do saber acadêmico acumulado. 

c – Levantamento das informações por grupos homogêneos de trabalhadores.

        Um grupo homogêneo consiste de um grupo básico de trabalhadores organizados para responder a uma entrevista, o qual trará experiências e conhecimentos dos trabalhadores. Baseando-se nestes grupos, que experimentam condições de trabalhos semelhantes, a unidade de observação passa a ser o coletivo e, não mais o individual.

d – Validação consensual das informações.

        No levantamento dos dados apenas as informações que o grupo homogêneo reconhece como válidas são registradas, ou seja, esses resultados possuem validade consensual, sendo que as  opiniões individuais são discutidas pelo grupo e adotadas como válidas para registro do pesquisador.

O cenário do estudo

         O CASE/SM tem capacidade para 40 jovens infratores da região central do Estado do Rio Grande do Sul, que estão instalados em dormitórios individuais, distribuídos em dois setores A e B. O setor A comporta 21 dormitórios e o setor B, 19. Essa divisão justifica-se pelo fato de estar preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 123, a separação dos jovens infratores por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.

            A estrutura física do CASE/SM é constituída, basicamente, pela recepção e ginásio de esportes na parte central. Compõem a recepção o setor administrativo, a sala de direção, sala do assistente de direção, almoxarifado geral, sala do almoxarifado de medicação, sala de odontologia, sala de revista, sala de atendimento técnico e sala da coordenação da equipe. Também possui dormitório especial, sanitários masculino e feminino, sala dos educadores, lavanderia e cozinha.

Sujeitos do estudo

Dos 50 monitores que compõem o quadro da instituição, 28 (56%) são do sexo feminino e 22 (44%) do sexo masculino.

        O grupo homogêneo foi composto de 4 a 7 monitores por encontro, uma vez que os demais monitores do turno não podiam se ausentar do seu local de trabalho. Sendo assim, ficou acertada a formação de um grupo fixo de monitores que representavam os demais e também monitores que ocasionalmente participavam das discussões por estarem de plantão no dia do encontro.

Instrumentos de Coleta de Dados

        A principal técnica de coleta de dados utilizada no estudo foi a entrevista coletiva, adaptada do MOI. No intuito de resguardar a riqueza de dados, optou-se por utilizar, também, outras formas de coleta que foram o diário de campo e a gravação dos encontros, após consentimento informado do grupo homogêneo. 

Coleta de Dados

        A coleta dos dados foi iniciada após autorização documentada da instituição, sendo realizada durante dois meses, no período de setembro a novembro de 2003, totalizando nove encontros. Iniciou-se a entrada no campo num primeiro encontro agendado com os trabalhadores por meio dos trâmites administrativos da instituição como sendo o melhor dia e horário para a sensibilização dos trabalhadores e a apresentação da proposta de trabalho.  A duração dos encontros foi, em média, de 30 minutos, os quais se iniciavam com o desenvolvimento de uma dinâmica de integração do grupo com a finalidade de prepará-los para o mesmo. A seguir, solicitava-se o início da gravação com a conseqüente aplicação da entrevista coletiva. Para finalizar os encontros, eram desenvolvidas a leitura, a distribuição e a reflexão de mensagens de motivação, amizade e autoconfiança como forma de integração e fortalecimento do grupo.

        Logo, a entrevista foi estruturada em 7 partes contendo a descrição do processo de trabalho e os seis grupos de cargas de trabalho.

        Na realização da entrevista coletiva, o pesquisador desenvolvia as perguntas ao grupo homogêneo, fazendo a mediação das respostas até a validação consensual das informações, conforme prevê a metodologia do Modelo Operário Italiano.

Análise dos Dados

        A análise dos dados iniciou-se com a transcrição das fitas logo após cada encontro. A análise dos dados ocorreu por encontros, em razão da transversalidade com que os mesmos aparecem. Assim, cada encontro enfocou como tema central, uma parcela da entrevista coletiva. Em relação à transversalidade de alguns dados, ficou evidente sua importância na contribuição para o desgaste dos trabalhadores.

Aspectos Éticos relacionados à Pesquisa

        O presente estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Maria, conforme os preceitos da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que trata de pesquisas com seres humanos.

         Todos os monitores que aceitaram participar do estudo receberam um termo de consentimento informado. Também foi ressaltada a possibilidade de saída do informante em qualquer fase da investigação, sem constrangimento e sem sofrer nenhum tipo de represália, seguindo o que consta na Resolução nº 196/96 do CNS.

Garantindo o anonimato dos participantes, as falas dos trabalhadores serão identificadas no estudo com o nome de espécies de orquídeas. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O estudo contou com a participação de 28 monitores, 14% da população de monitores que atuam na instituição, não havendo participação de outros trabalhadores. Foi considerado um percentual suficiente para coleta dos dados, tendo em vista que os monitores alternam suas atividades em vários postos de trabalho, podendo, portanto, contribuir para uma avaliação das cargas de trabalho na instituição.

O ruído foi a carga física mais discutida pelos trabalhadores, a qual exemplificaram através dos jogos na quadra e das “pedalações” – chutes e pontapés dos adolescentes nas portas de metal - como sendo os maiores causadores desta carga, evidenciado no discurso a seguir:

“... o ruído é acima dos limites aceitáveis...” (Vanda).

A afirmação desse trabalhador se justifica pelo fato de que o ruído é um tipo de carga mensurável. Todavia, sua detecção pode ser feita a partir do consenso entre os trabalhadores de que seus limites estavam acima dos aceitáveis, não dependendo exclusivamente de uma aferição.

A redução destes riscos ou dos danos à saúde é realizada através de uma nova forma de organização do trabalho, que elimina ou limita, ao mínimo indispensável, a exposição a estes fatores físicos, isto quando os mesmos assumem valores considerados nocivos pelo grupo homogêneo(8).

Umidade e temperaturas extremas também apareceram nos dados, expressas por dois trabalhadores:

“... aqui dentro é bem mais frio... e quanto mais para dentro, mais frio é... porque os meninos quebraram umas janelas... os vidros... e o vento gelado que entra é horrível...” (Vanilla).

 “...aqui tem temperaturas extremamente altas...” (Miltonia).

O “risco temperatura” se refere a problemas de calor, frio ou de mudanças bruscas de temperatura que se apresentam num ambiente de trabalho. Este é um risco muito relacionado com a ventilação e a umidade. Desta forma, os três riscos formam o que se chama “ambiente térmico”, que pode ser reconhecido pela sensação de conforto ou mal-estar dos trabalhadores. Portanto, é conveniente considerar sempre a relação entre esses riscos(7).

Nas cargas físicas, o odor fétido foi referido pelos trabalhadores como  presente com intensidade no ambiente de trabalho (apesar de ser considerado um tipo de carga orgânica) em razão da falta de hábitos de higiene de alguns adolescentes, conforme salientam nas falas a seguir:

“... há o cheiro, principalmente, de secreções humanas... fezes, sujeira...” (Vanilla).

“Eles tem muito poucos hábitos de higiene...” (Miltonia). 

Nas cargas químicas, foi destacado o convívio com pós, poeiras, fumaça, tintas e anilinas. Os trabalhadores justificaram a presença dessas cargas devido à existência de marcenaria e o prédio não proporcionar adequada ventilação, sendo esta a manifestação de um trabalhador: 

“... acho que o problema todo se concentra na estrutura do prédio, ele não foi planejado... foi apenas construído...” (Vanilla). 

Uma carga referida pelos trabalhadores da instituição pesquisada e que não pertence ao grupo das cargas químicas é a constante falta de material e a falta de manutenção do prédio.  Segundo eles, algumas cargas só estão presentes pela falta de suprimentos, caso contrário, não seriam cargas. Um estudo(9) realizado com trabalhadores de enfermagem revela cargas de trabalho semelhantes na movimentação de pacientes, na qual constatou espaço físico inadequado, elevada carga física dispendida, falta de pessoal, falta de técnica e equipamentos mobiliários inapropriados.

Dentro das cargas químicas, foram ressaltadas as doenças que acometem os trabalhadores como alergias, rinites alérgicas, sinusites e gripes. A partir de alguns depoimentos, pode-se inferir que essas doenças são advindas do ambiente de trabalho:

“... eu nunca tive problema de garganta e nem de estar gripada seguidamente... quando comecei a trabalhar aqui, ficava sem voz... “ o funcionário que tira atestado foi devido a gripe, rinite... o pessoal fica sem voz devido ao frio e umidade...” (Vanilla). 

Nessa fala, percebe-se que esses trabalhadores retornam a pontuar as cargas físicas como se fossem químicas. Da mesma forma, eles localizam os danos à saúde, provocados pelas cargas químicas, que são, na realidade, físicas.

No que se refere às cargas orgânicas, foram ressaltados o constante contato com secreções humanas como saliva e urina devido à falta de higiene de alguns adolescentes. Dentre as principais doenças, presentes nos trabalhadores, foram destacadas a pediculose, a escabiose, micoses em geral e conjuntivite.

           Foi destacada também a presença de insetos e roedores dentro da instituição, devido à localização do prédio ser numa área muito úmida e, principalmente, devido à ausência de vigilância no controle da proliferação desses animais.

Quanto às cargas mecânicas, foram destacadas as portas, as fechaduras e os cadeados como materiais pesados para o manuseio freqüente, o que se evidencia na fala deste trabalhador:

“... quase 80% das portas têm problema, para a gente abrir...” (Brassia). 

Nesse grupo, os objetos soltos no ambiente aparecem como cargas mecânicas e psíquicas em razão do constante estado de alerta desses trabalhadores para manter o local livre desses objetos. Isso fica expresso a seguir:

“... não pode ter nada solto de material...” (Brassia).

“... seria um tipo de stress...” (Vanilla)

“... estamos sempre cuidando para retirar... é uma carga que tem... estamos sempre cuidando... tem que manter tudo controlado... tudo pode se transformar numa arma...”

 (Oncidium).

Outro tipo de carga mecânica é a presença de escada que não oferece segurança ao trabalhador, resultando na ocorrência de contusões e fraturas decorrentes de quedas.

Ainda nesse grupo, os trabalhadores ressaltaram a falta de um local adequado para descanso, pois:

“... não tem lugar para a gente sentar... um lugar adequado... a gente não tem...” (Brassia).

Os meios de trabalho estão interpostos entre o trabalhador e o objeto de trabalho e  são fatores de risco quando vinculados às condições de instalação e manutenção que se apresentam. Os meios de trabalho, desde a introdução da manufatura, foram projetados dentro da lógica capitalista, a da produtividade, não havendo, portanto, nenhuma preocupação em apresentar projetos onde a segurança do trabalhador fosse o elemento constitutivo básico para a sua fabricação. Ainda hoje, prevalece, acrescida da resistência do patronato em introduzir dispositivo de segurança quando é detectada uma ameaça à integridade física do trabalhador(10).

Nas cargas fisiológicas foram identificadas as imobilizações dos adolescentes, a falta de cadeiras, as extensas jornadas de trabalho, anteriormente por convocação e, atualmente, por necessidade financeira do trabalhador. No que se refere às horas extras, percebeu-se ser uma carga muito importante e que exerce influência na saúde desse trabalhador, conforme salienta essa fala:

“... um tempo atrás... agora não é tanto... a casa estava quase cheia e tu tinha que trabalhar.... Te convocavam, tu vinha trabalhar por convocação. Agora não tem convocação, mas o pessoal precisa, faz hora extra... e então fica cansado... porque o CASE está lotado...” (Oncidium).

Como cargas psíquicas, os trabalhadores afirmaram que todas as cargas elencadas, anteriormente, também são psíquicas, o que denota uma percepção acurada desses trabalhadores.

Nessa fase, aparecem sinais de sofrimento psíquico no trabalho, quando eles referem a ansiedade pelas férias e que a idéia de retornar ao trabalho gera angústia e desconforto como pode-se ver nessas falas:

“... volta para tudo de novo...” (Sobralia).

“... antes de eu voltar... sonho... tenho pesadelos” (Oncidium).

As cargas psíquicas estão constituídas por aqueles elementos do processo de trabalho que são, acima de tudo, fonte de estresse. Neste sentido, pode-se considerar que estas cargas se relacionam com todos os elementos do processo de trabalho e, portanto, com as demais cargas de trabalho(11).

Outra carga psíquica identificada diz respeito ao relacionamento interpessoal problemático entre os monitores. Isto é, como o déficit de recursos humanos já é uma carga nessa instituição, os trabalhadores revelaram que há colegas que não assumem o trabalho em equipe, sobrecarregando os demais com freqüentes atestados médicos.

“... um colega que vem a fim de não trabalhar, que te dobra o trabalho, isso é muito comum. Se não está a fim de trabalhar porque não fica em casa, tira um atestado? Eu até prefiro que tire um atestado do que venha dobrar o trabalho... são pessoas de outro plantão que não sabem direito da rotina do turno, aí, às vezes, tu trabalha dobrado também... por que ele fica dependente de ti para fazer qualquer coisa...” (Oncidium)

 

Outro dado identificado foi que a apresentação de um laudo pode significar que o colega “não quer trabalhar”, sem haver entendimento de que este laudo possa ser adequado e necessário para o outro. No que tange aos estados depressivos ou stress, um trabalhador assim se expressou:

“...esse negócio de stress eu acho que é furado, não está a fim de trabalhar mesmo. Alguns atestados são legais, uma cirurgia... O stress é assim... se tu fica três meses de laudo, licença, tu tem como descansar tua cabeça daqui. Mas tem gente que prolonga, prolonga,  não tem vontade de voltar mais. Eu ainda acho que é porque está contrariado no serviço... Trabalhar é outra coisa que te faz ir adiante. Eu acho que se você ficar em casa, aí sim é que fica deprimindo...” (Oncidium)

 

Alguns autores afirmam que, no meio ambiente de trabalho, os principais fatores geradores de stress estão relacionados com aspectos da organização, administração e sistema de trabalho e da qualidade das relações humanas(12).

Outras cargas também foram identificadas. Entre elas estão o trabalho perigoso, altos ritmos de trabalho, alto grau de atenção, não poder afastar-se do local, situações de emergência que exigem rápida intervenção, não poder desenvolver defesa coletiva nas horas de trabalho, falta de material, falta de pessoal, relacionamento interpessoal, sobrecarga do colega, sobrecarga de trabalho pela superlotação, colega estressado, “desfeminilização[AL1] ”, constante estado de alerta, material solto no ambiente, convocação para revista geral, constante possibilidade de mudança na rotina, falta de pausas e  acidentes de trabalho.

Contudo, ao final da entrevista coletiva, percebeu-se que esses trabalhadores estão em tamanho grau de sofrimento no trabalho que sequer conseguiram sugerir alternativas de mudança de suas condições de trabalho. Por esse motivo, sugeriu-se a continuidade do estudo para melhor identificação e possibilidade da discussão de alternativas para as situações críticas levantadas.  

CONCLUSÕES DO ESTUDO

A investigação possibilitou analisar o processo de trabalho dos monitores do CASE/SM com vistas à tomada de consciência de suas condições de trabalho. Com este estudo, foi possível identificar as cargas de trabalho a que esses trabalhadores estão expostos e os problemas de saúde desencadeados pela falta de conhecimento e controle dessas cargas. Entretanto, esses trabalhadores não conseguiram propor alternativas de mudanças de sua situação no trabalho.

Dessa forma, foi possível somente tomar consciência da realidade, pois o tempo, disponibilizado pelos monitores para participação neste estudo, ficou extremamente prejudicado. A coleta foi realizada com dificuldade devido à constante ansiedade desses trabalhadores em retornar ao local de trabalho, para o qual dispunham de somente 30 minutos para pensar, discutir, avaliar e propor alternativas de mudança. Isso se deve a inúmeros fatores como a superlotação e a falta de um número maior de trabalhadores nesta instituição.

O grupo demonstrou um alto grau de sofrimento psíquico no trabalho, evidenciado pelo absenteísmo, pelas falas sobre a desvalorização por parte da instituição em desenvolver políticas de saúde no trabalho, as péssimas condições de trabalho e a falta de infra-estrutura, reflexo da desvalorização do serviço público. Esses resultados merecem a realização de outros estudos, de preferência longitudinais, com a finalidade de dimensionar melhor as causas que levam a esses problemas.

Entendemos, ainda, que esses trabalhadores não atuam de forma crítica na construção do trabalho na instituição, não se sentindo parte integrante da casa e estando pouco estimulados a sentirem-se co-responsáveis na construção e efetivação das políticas de ressocialização ao adolescente infrator. Ademais, esses trabalhadores acreditam que somente a casa tem compromisso com eles e aguardam, passivamente, a melhoria da sua situação de trabalho.

        Como propostas de mudança, oportunizadas pelo estudo desenvolvido, destacam-se a melhoria das condições de trabalho, maior poder e autonomia dos monitores sobre seu processo de trabalho, efetivação da folga dupla, estímulo à participação no planejamento das ações da instituição, formando um sujeito mais crítico e reflexivo com propostas de enfrentamento para os conflitos e a motivação para o exercício da sua subjetividade, como forma de superação da alienação, dentre outras possibilidades. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Decreto Estadual nº 39.871 de 14 de dezembro de 1999 (RS). Institui o Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador e dá outras providências. 1999.

2. Ministério da Saúde (BR), Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária. Divisão de Saúde do Trabalhador. Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador no SUS. Proposta de Sistema de Informação em Risco e Danos no Trabalho a partir do Nível Local. Salvador/ São Paulo, 1995.

3. Wunch Filho V. Variações e tendências na morbimortalidade dos trabalhadores. In: Monteiro A. Velhos e Novos Males da saúde no Brasil: A evolução do país e suas doenças. 2ª ed. São Paulo: HUCITEC/NEPENS/USP; 2000. p. 289-330.

4. Facchini LA. Ícones para mapas de riscos: uma proposta construída com os trabalhadores. Cadernos de Saúde Pública 1997; 13(3):497-502.

5. Grando MK. Vivenciando dinâmicas de grupo com trabalhadores do Centro da Juventude/SM: uma experiência na graduação. Santa Maria (RS); 2002. (Relatório de aulas práticas).

6. Rio Grande do Sul. Programa de Execução de Medidas Sócio-Educativas de Internação e Semiliberdade do Rio Grande do Sul. Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social. Porto Alegre (RS); s.d.

7. Laurell AC. Conocer para cambiar: Estudio da la salud em el trabajo. México: Universidad Autónoma Metropolitana; 1989.

8. Oddone I. Ambiente de trabalho: a luta dos trabalhadores pela saúde. São Paulo: Hucitec; 1986.

9. Marziale MHP. Educational website concerning the movements of abed patients. Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN – ISSN 1676-4285) v.2, n.2, 2003 [Online]. Available at: www.uff.br/nepae/objn202marziale.htm

10. Sivieri LH. Saúde do Trabalhador e mapeamento dos riscos. São Paulo, 1999. Disponível em: http://www.pmt.cgil.it/sallav/doc_brasile/Luiz-Humberto-sivieri01.htm. (26 set. 2003).

11. Facchini LA. Uma contribuição da epidemiologia: o modelo de determinação social aplicado à saúde do trabalhador. In: Buschinelli JT. Isto é trabalho de gente? Vida, doença e trabalho no Brasil. São Paulo: Vozes; 1993. p. 178-86.

12. Costa JRA, Lima JV, Almeida PC. Stress no trabalho do enfermeiro. Rev Esc  Enferm USP 2003; 37(3):63-71.

______________ 

 [AL1]Explicar